Coronel deixa reunião depois de presidente da Liga pedir para o calarem

Encontro quente no Ministério da Administração Interna ocorreu na quinta-feira à tarde. Presidente da Liga dos Bombeiros chegou a pedir ao secretário de Estado da Protecção Civil para “aturar” o comandante nacional, que nomeara.

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LUSA/Carlos Barroso

Foi uma reunião quente e terá sido a gota de água que levou o coronel António Paixão, que tomara posse em Dezembro passado, a demitir-se do cargo de comandante operacional nacional. Segundo dois relatos recolhidos pelo PÚBLICO, o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP), Jaime Marta Soares, terá ameaçado sair, mas acabou por ser o coronel António Paixão a deixar a reunião a meio. Isto já depois de Marta Soares ter pedido ao secretário de Estado da Protecção Civil, José Artur Neves, para mandar “calar” e para “aturar” o comandante nacional, que nomeara. O coronel Paixão levantou-se e saiu, o governante foi atrás, mas aparentemente a questão não ficou resolvida.

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Foi uma reunião quente e terá sido a gota de água que levou o coronel António Paixão, que tomara posse em Dezembro passado, a demitir-se do cargo de comandante operacional nacional. Segundo dois relatos recolhidos pelo PÚBLICO, o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP), Jaime Marta Soares, terá ameaçado sair, mas acabou por ser o coronel António Paixão a deixar a reunião a meio. Isto já depois de Marta Soares ter pedido ao secretário de Estado da Protecção Civil, José Artur Neves, para mandar “calar” e para “aturar” o comandante nacional, que nomeara. O coronel Paixão levantou-se e saiu, o governante foi atrás, mas aparentemente a questão não ficou resolvida.

Na agenda do encontro, ocorrido na quinta-feira à tarde no Ministério da Administração Interna, estavam temas como uma homenagem que o Governo quer fazer aos bombeiros e a forma como os novos oficiais de ligação da Liga serão integrados na estrutura da Autoridade Nacional de Protecção Civil.

A reunião que juntou cerca de uma dezena de pessoas - entre assessores, o secretário de Estado, responsáveis da autoridade e três elementos da Liga - foi tudo menos pacífica. A tensão entre António Paixão e Marta Soares existia desde que o presidente da LBP disse no Parlamento que o comandante nacional era “vaidoso” e “prepotente”.

Por isso, durante a maior parte da reunião os dois nem sequer falaram directamente. Contactado pelo PÚBLICO, Jaime Marta Soares, recusa-se a detalhar o que aconteceu, assumindo apenas que “houve discordâncias de 180 graus” e que o militar não tinha o perfil adequado para a função.

Foi uma sugestão de Paixão para que se aproveitasse a disponibilidade do primeiro-ministro que estará presente num simulacro no próximo dia 19 – iniciativa organizada sem o conhecimento da Liga, como se queixou o dirigente dos bombeiros - para homenagear os bombeiros, que provocou a ira de Marta Soares.

O assunto já tinha sido discutido e já tinha ficado acordado que não havia tempo para fazer a homenagem este mês. Por isso, Marta Soares pediu ao secretário de Estado para calar o comandante. Mas a reunião ainda prosseguiu e acabou por encalhar novamente na questão dos oficiais de ligação, já que Marta Soares rejeitou liminarmente a proposta do coronel Paixão para que fossem colocados adjuntos de planeamento, no comando nacional e nos distritais, indicados pela Liga.

Depois de comentários em tom mais baixo para um vice-presidente da Liga terem levado António Paixão a elevar o tom para perguntar se podia continuar a falar, Marta Soares terá pedido a José Artur Neves para “aturar” o comandante, que nomeara e o verniz estalou de vez, com Paixão a sair da reunião. 

"Militarização dos bombeiros"

Como pano de fundo a esta tensão, existe uma guerra nada surda que dura há vários anos e que se tem acentuando com a preferência de António Costa em ter à frente da ANPC militares em vez de bombeiros. Com a saída de António Paixão, e a entrada Duarte Costa, coronel e chefe do Estado-Maior do Comando das Forças Terrestres, a expressão "militarização dos bombeiros" voltou a ouvir-se.

Os representantes dos bombeiros, sejam profissionais ou voluntários, nunca esconderam que quem deve comandar a ANPC é um dos seus e não um militar. Alegam que são os bombeiros que conhecem os problemas da classe, que dominam o terreno e os meios de combate.

Para os operacionais, esta “militarização os bombeiros” significa também uma perda de estatuto e de influência a favor dos militares e também um desvio de meios das corporações para forças como as Companhias de Intervenção de Protecção e Socorro (GIPS) da GNR. E não foram poucas as ocasiões em que publicamente os bombeiros se queixaram de estarem a ser preteridos a favor dos militares da GNR.

Fernando Curto, presidente da Associação Nacional dos Bombeiros Profissionais (ANBP), voltou ontem a deixar bem claro o seu descontentamento pela nomeação de mais um militar para o comando da ANPC. Receia que, “quer em termos de bombeiros como de carreiras”, o Governo, com a nomeação do coronel Duarte da Costa “militarize os bombeiros”, lamentando que as reivindicações da sua associação “não tenham sido ouvidas”. “Os bombeiros querem ter um papel fundamental e querem um comandante dos bombeiros [que seja] dos bombeiros, e não dos militares”, reforçou.

No meio desta guerra bem audível, há uma outra que é vivida na ANPC sempre que um militar chega ao comando da instituição e que é do conhecimento de todos os envolvidos. Com muitos homens oriundos dos bombeiros em funções directivas e operacionais na ANPC não há nada que se passe entre as paredes da protecção civil que não se saiba cá fora, seja nos órgãos de comunicação social, seja nas instituições representativas dos bombeiros ou nos comandos dos quarteis. Especialmente sabe-se tudo o que possa embaraçar o militar no comando. Dentro do “corpo” de bombeiros na ANPC há mesmo uma expressão que é usada por alguns sempre que um militar chega à protecção civil: “caiu na ratoeira”.