“Ódio, notícias falsas e manipulações”. Trabalhadores de Auschwitz queixam-se de intimidação

A lei que pune com prisão quem responsabilizar a Polónia pelos crimes nazis colocou o museu de Auschwitz no centro da polémica. Entre os guias, cresce a sensação de insegurança.

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Em Março, a casa de um guia italiano de Auschwitz foi vandalizada Reuters/KACPER PEMPEL

Desde que começou a polémica em torno da lei que criminaliza a utilização de expressões como “campos de extermínio polacos”, ou permite punir com prisão quem acusar a Polónia de cumplicidade nos crimes cometidos contra os judeus no Holocausto, têm crescido os relatos de episódios de perseguição aos trabalhadores do memorial e museu de Auschwitz-Birkenau.

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Desde que começou a polémica em torno da lei que criminaliza a utilização de expressões como “campos de extermínio polacos”, ou permite punir com prisão quem acusar a Polónia de cumplicidade nos crimes cometidos contra os judeus no Holocausto, têm crescido os relatos de episódios de perseguição aos trabalhadores do memorial e museu de Auschwitz-Birkenau.

A instituição, encabeçada por Piotr Cywinski, tem vindo a ser vítima de uma vaga de “ódio, notícias falsas e manipulações” mediáticas desde que a lei entrou em vigor, noticia o Guardian esta segunda-feira.

O diploma aprovado pelo Parlamento polaco (e ratificada pelo Presidente Andrzej Duda) em Fevereiro, motivou críticas violentas de países como a Ucrânia, os Estados Unidos e, principalmente, de Israel, que acusou a Polónia de tentar branquear a história e de negar o envolvimento de muitos polacos no genocídio dos judeus.

As críticas incendiaram os ânimos dos nacionalistas polacos, que têm, segundo o jornal britânico, montado uma campanha de desinformação em torno do museu de Auschwitz-Birkenau e instigado vários actos de intimidação contra os seus trabalhadores e responsáveis. Entre as acusações dos nacionalistas polacos à administração do museu está, por exemplo, a de que desvalorizam o destino dos cerca de 74 mil prisioneiros polacos que morreram no campo, focando-se apenas nos mortos judeus.

Ainda em Março, a casa de um guia italiano foi atacada por apoiantes da extrema-direita. A casa, nos arredores de Cracóvia, foi vandalizada com grafitis como “A Polónia para os polacos” e desenhos que comparavam a estrela de David à suástica nazi. O ataque ocorreu pouco depois de Piotr Rybak, um político nacionalista (condenado por ter queimado a efígie de um judeu ortodoxo na cidade de Breslávia, em 2015), ter visitado Auschwitz, protagonizando outro momento de tensão.

Num vídeo publicado no YouTube vê-se como Rybak e um grupo de apoiantes embrulhados em bandeiras polacas rodeiam e intimidam repetidamente o guia da visita, acusando-o de mentir sobre o destino dos polacos que estiveram presos no campo de extermínio.

Um porta-voz do museu garantiu que o caso da visita de Rybak foi um episódio isolado e que não há registo de outros incidentes ou por intimidações por parte de visitantes; porém, entre os trabalhadores os receios aumentam, assim como a convicção de que a direcção do museu está disposta a desvalorizar as situações de acosso sobre os guias para evitar acicatar a controvérsia política. “A administração tem demasiado medo do Governo e os guias têm medo de perder o emprego para denunciar as provocações que se têm sucedido”, disse um guia ao Guardian, sob anonimato.

Mas do lado dos responsáveis do memorial e museu de Auschwitz-Birkenau as queixas também têm sido públicas. No mês passado, o irmão de Piotr Cywinski denunciou através do Facebook aquilo que baptizou como “50 dias incessantes de ódio” dirigidos ao irmão: “Durante 12 longos anos ele trabalhou num dos mais terríveis lugares no mundo, num escritório com vista para forcas e um crematório”, e agora tem de aguentar “dezenas de artigos em sites duvidosos, milhares de tweets ofensivos, memes, obscenidades, ameaças, denúncias”. Isso é mais do que suficiente para “deixar alguém doente”, lamentou o irmão de Piotr Cywinski.

“Pessoas a queixarem-se que a bandeira polaca não é autorizada aqui, ou que a memória dos polacos não está representada no museu, ou mesmo que este é anti-polaco… tudo isto é falso, por isso tivemos de responder”, defendeu Pawel Sawicki, que dirige as redes sociais do museu de Auschwitz-Birkenau, onde se estima que tenham morrido entre 1,1 e 1,5 milhões de pessoas.

Isso explica que o museu – que também conduz trabalhos de pesquisa histórica e dá formação aos seus guias oficiais – tenha assumido um papel mais interventivo, envolvendo-se em discussões no Twitter e divulgando a lista de falsas acusações que lhe têm sido dirigidas – como a de que os antigos prisioneiros polacos não foram convidados para uma cerimónia realizada em Janeiro para comemorar os 73 anos da libertação do campo.

Segundo Sawicki, Auschwitz tornou-se num “dano colateral” e um “alvo” no meio da disputa política e internacional. “Não nos envolvemos na política”, disse ao Guardian, mas “por respeito por todas as vítimas temos a obrigação de defender a memória e a história deste lugar e de protegê-la das tentativas para usá-la ou explorá-la com outras finalidades”.

Uma das principais críticas feitas ao museu é a de que está a treinar os seus guias oficiais para que possam promover “narrativas estrangeiras” que são, no entender dos nacionalistas e dos apoiantes do Governo do partido Lei e Justiça, “hostis” para com a Polónia.

Os observadores referem que há uma espécie de aliança tácita entre os radicais de direita e o Governo de pendor nacionalista liderado por Mateusz Morawiecki que veio complicar as coisas para o museu, que funciona sob a alçada do ministro polaco da Cultura. Ainda assim, há quem considere que Piotr Cywinski tem suficiente força e prestígio para se manter à frente da instituição (ao contrário de outros, como o responsável por um museu da Segunda Grande Guerra na cidade Gdansk, que foi afastado no ano passado, ou o responsável pelo Museu dos Judeus Polacos, em Varsóvia, que já foi publicamente criticado pelo ministro da Cultura).

“Não tenho dúvidas que muitos membros do Governo gostariam de ver Cywinski afastado, e alguns até podem ser insensatos o suficiente para tentarem”, afirmou o historiador Wladyslaw T. Bartoszewski, cujo pai foi prisioneiro em Auschwitz. “Contudo, ele tem apoios em muitos lados e está próximo de ser intocável”, afirmou.