Internacionalizar não é fácil
Infelizmente, parecem ser mais os casos de tentativas de internacionalização falhadas do que sucessos.
O mercado português é minúsculo, não só em termos de consumidores potenciais, mas também, crucialmente, em termos de poder de compra. Daí a necessidade das startups, e demais empresas que querem crescer, terem que pensar em mais mercados do que apenas o português.
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O mercado português é minúsculo, não só em termos de consumidores potenciais, mas também, crucialmente, em termos de poder de compra. Daí a necessidade das startups, e demais empresas que querem crescer, terem que pensar em mais mercados do que apenas o português.
Esta é uma “verdade de La Palisse” e existe, aliás, o chavão de que uma startup tem que “nascer global”. No entanto, a experiência que tenho a ajudar empresas de todo o tipo – startups, mas não só – a internacionalizarem-se é que poucas sabem fazê-lo bem. Existe, muitas vezes, um entendimento superficial do que se deve fazer e, como em vários outros domínios empresariais, uma marcada falta de preparação.
Não resisto, em primeiro lugar, a dar um conselho às startups digitais: nascer global é um erro crasso e uma quase garantia de fracasso. Existem muito poucos serviços que são verdadeiramente transferíveis de um segmento para o outro, quanto mais de um mercado, com a sua cultura própria, para outro. As startups devem, tal como as restantes empresas, pensar e delinear estratégias para segmentos e mercados específicos ao invés de julgarem que basta criar uma página numa língua estrangeira ou mudar as etiquetas dos seus produtos.
Partilho apenas dois exemplos, com resultados opostos. Um, o de uma startup com sucesso em Portugal que, depois de replicar a sua fórmula nos EUA e de não ter tido resultados, soube rapidamente alterar o seu posicionamento e forma de angariar clientes para ter crescimento no mercado. Outro, uma conhecida marca portuguesa que abriu uma loja numa das avenidas mais caras de Nova Iorque e, por não ter sabido adaptar o seu posicionamento, julgando que a diferença mais relevante da Europa para os EUA era que os americanos tinham mais dinheiro, fracassou em pouco tempo, ao ponto de ter que se retirar do mercado.
Infelizmente, parecem ser mais os casos de tentativas de internacionalização falhadas do que sucessos. Felizmente, a esmagadora maioria dos fracassos deve-se à falta de pensamento estratégico e de deficiente (ou nenhuma) preparação, situações que podem ser corrigidas.
O conselho mais óbvio que se pode dar a uma empresa que queira internacionalizar-se é que tenha uma estratégia. Perdi a conta ao número de empresas que nos enviavam emails a pedir listas de potenciais clientes para as suas exportações e que tinham enviado exatamente o mesmo texto a todas as outras delegações da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP). Para essas empresas, internacionalizarem-se era simplesmente arranjar clientes novos. Não se cresce de forma sustentada arranjando clientes “ao calhas” em qualquer mercado, sendo essencial pensar e analisar fatores muito diversos antes de se escolherem alvos, que devem ser específicos.
Houve, também, um caso de uma empresa que, estando à beira da falência, enviou um email a todas as delegações da AICEP a pedir acesso urgente a potenciais clientes para impedir esse desfecho. É infeliz que seja necessário escrevê-lo, mas a internacionalização não é panaceia para crises, sendo antes um caminho de crescimento no qual é necessário investimento financeiro e, principalmente, tempo antes de haver resultados. Parte daqui o segundo conselho: uma pessoa ou equipa exclusivamente dedicada a estas funções com um orçamento mínimo para conseguir ter sucesso. Não ter um orçamento resulta no recurso a instrumentos errados ou insuficientes. Dando um exemplo muito comum, o envio de emails, telefonemas e videoconferências raramente são suficientes e não substituem viagens e estadias no mercado. Pensando como um cliente, qual é a imagem que passa se o vendedor nem sequer está disposto a conhecê-lo pessoalmente? Estabelecer relações e contactos pessoais é fundamental.
De modo semelhante, ter uma pessoa com outras funções – normalmente, comerciais – a tratar da internacionalização impede que haja tempo para preparar todo o processo. Eram muitas as empresas que, fazendo tudo “em cima do joelho”, pediam-nos ajuda na marcação de reuniões com potenciais clientes ou investidores com apenas dias de antecedência. Da mesma forma, muitas empresas que participam em feiras comerciais e grandes eventos (como a Web Summit) não veem retorno por não conseguirem prepará-las, já que não basta ficarem no seu stand à espera. Aliás, a empresa que vi melhor utilizar uma feira esteve ausente do seu stand durante os três dias do evento, pois os seus dois representantes estiveram continuadamente em reuniões.
Por último, que papel cabe ao Estado neste domínio? A AICEP é fundamental devido à ampla experiência e extensa rede de contactos que as suas delegações têm em bastantes mercados. No entanto, nos últimos anos, os seus orçamentos têm sido progressivamente diminuídos, fazendo com que os funcionários primem pela ausência em alguns eventos fundamentais para as empresas portuguesas, não podendo cumprir plenamente as suas missões. Com pouco investimento há pouco retorno e o resultado tem sido funcionários circunscritos aos escritórios por falta de recursos.
Neste capítulo, para além de se dever reconsiderar a forma jurídica da AICEP para que deixe de estar financeiramente dependente do IAPMEI e do Turismo de Portugal, poderia começar a cobrar-se às empresas pelos serviços prestados, mesmo que de forma simbólica. Tal alteração daria receitas próprias à Agência para aumentar os orçamentos das delegações sem sobrecarregar o erário público. Obrigaria também a que as empresas pensassem as suas estratégias de internacionalização se quisessem o apoio da AICEP, libertando recursos para apoiar quem realmente poderá ter sucesso no estrangeiro, ou seja, apostar-se-ia na qualidade e não na quantidade das empresas exportadoras.
Devem também promover-se boas práticas de internacionalização e o conhecimento in loco dos vários mercados. A Startup Portugal, por exemplo, tem desenvolvido o “Missions Abroad”, programa que possibilita às startups estarem presentes em importantes eventos internacionais. Esta iniciativa e outras, como os Vales Internacionalização 2020, poderiam ser expandidas, desde que complementadas com formações sobre como aproveitar da melhor maneira as oportunidades dadas.
O Estado, através de instituições como a AICEP e a Startup Portugal, entre outras, pode ter um papel importante na internacionalização, mas não deve permitir que as empresas se tornem dependentes dos seus recursos. Até porque internacionalizar, seja através da entrada direta num novo mercado ou pela simples exportação, não é fácil, mas não tem que ser um “bicho de sete cabeças”. Basta ter as pessoas certas a desenvolver um bom plano e recursos para o executar.
Associado do IPP e antigo Trade Officer da Delegação da AICEP em São Francisco