Em sete hospitais mais de metade das urgências são “falsas urgências”

Falta de médicos de família e pouca literacia em saúde são algumas das razões que estão na origem do problema. Contacto e proximidade com os centros de saúde na área de influência dos hospitais pode ajudar a resolvê-lo.

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Paulo Pimenta

Há sete hospitais no país onde mais de 50% das idas às urgências são motivadas por causas consideradas não urgentes. Ou seja, casos em que os doentes recebem uma pulseira de cor verde (pouco urgente), azul (não urgente) ou branca (actividade programada), as menos graves na escala de Manchester, que define as prioridades clínicas para atendimento. É assim nos hospitais Amadora-Sintra, Loures, Lisboa Norte (Santa Maria e Pulido Valente), Garcia de Orta e Cascais — na Área Metropolitana de Lisboa — e em Póvoa de Varzim/Vila do Conde e Santa Maria Maior — distrito do Porto e Braga, respectivamente.

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Há sete hospitais no país onde mais de 50% das idas às urgências são motivadas por causas consideradas não urgentes. Ou seja, casos em que os doentes recebem uma pulseira de cor verde (pouco urgente), azul (não urgente) ou branca (actividade programada), as menos graves na escala de Manchester, que define as prioridades clínicas para atendimento. É assim nos hospitais Amadora-Sintra, Loures, Lisboa Norte (Santa Maria e Pulido Valente), Garcia de Orta e Cascais — na Área Metropolitana de Lisboa — e em Póvoa de Varzim/Vila do Conde e Santa Maria Maior — distrito do Porto e Braga, respectivamente.

Em todo o território nacional as “falsas urgências” representaram 41,1% dos casos alvo de triagem nos hospitais, em 2017.

Os dados disponíveis na área no Portal do SNS permitem concluir que, entre 39 unidades, é naqueles sete hospitais que as urgências não urgentes têm mais peso (os que têm menos situações deste género são o Centro Hospitalar do Porto, o da Cova da Beira e o de Coimbra, onde as “falsas urgências” não excedem os 30%). Porquê?

Para o Hospital de Loures a explicação é simples: “Mais de 25% das mais de 300 mil pessoas que vivem na área de influência do Hospital Beatriz Ângelo [em Loures] não têm médico de família. Por regra, essa é uma das razões da maior procura de serviços de urgência hospitalar quando se trata de situações das chamadas ‘falsas urgências’.”

Além da falta de médicos de família, o Hospital Garcia de Orta, em Almada, apresenta outras explicações. Como “a falta de acesso ao médico de família em tempo adequado, particularmente nas Unidades de Cuidados de Saúde Personalizadas, que ainda não sofreram os efeitos da reforma dos cuidados primários” e “a utilização dos serviços de urgência como consultas de conveniência, onde podem ser atendidos no mesmo dia e no momento, numa altura em que se evita faltar ao trabalho”.

O Centro Hospitalar de Póvoa de Varzim/Vila do Conde aponta ainda outras questões como “a proximidade do serviço de urgência ou a baixa literacia em saúde”. E o Hospital Santa Maria Maior, em Barcelos, sublinha: as “falsas” urgências têm um “impacto muito significativo”, aumentando a pressão sobre os profissionais e o tempo de espera dos utentes.

Quanto a iniciativas que têm como objectivo incentivar a ida ao centro de saúde, o Hospital de Loures tem mantido contacto com os centros da sua área, “para potenciar parcerias e proporcionar melhores cuidados aos utentes, quer ao nível da prevenção, quer ao nível do acompanhamento das doenças crónicas”.

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A norte, o Centro Hospitalar de Póvoa de Varzim/Vila do Conde diz que também tem tentado reduzir as idas à urgência. Para isso, faz saber, foi atribuído um médico e um enfermeiro de família a todos os utentes residentes nos dois concelhos, as consultas não programadas foram reforçadas e os horários de atendimento prolongados.

Em Barcelos a história repete-se. Há muitas urgências não urgentes — são 51,6% do total — mas, diz a direcção do Hospital de Santa Maria Maior, tem havido uma redução e até está a ser feito um trabalho conjunto com o Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) “para atenuar esta realidade”. Um dos projectos que tem desenvolvido é o SNS +Proximidade. Uma iniciativa que conta com a participação de outras unidades, como o Centro Hospitalar do Porto, os ACES de Gondomar e Porto Ocidental, o ACES Barcelos

Esposende e a Unidade local de Saúde de Matosinhos que, como explica a Administração Regional de Saúde do Norte, por escrito, “tem como pilares basilares fundamentais a integração de cuidados e a centralidade do cidadão no sistema de saúde e inclui nas suas áreas relevantes de acção a gestão da doença aguda”. Este projecto-piloto passa por equipar os ACES em causa com meios complementares de diagnóstico, como raio-X, análises clínicas e, em breve, estas unidades poderão realizar exames cardíacos como o Mapa e o Holter.

No Hospital de Santa Maria Maior está, de resto, a ser feito um estudo sobre o grupo de doentes não urgentes que recorre à urgência para perceber as suas motivações.

No Garcia de Orta, porque se identificou que 87% dos utentes muito frequentes se deslocam à urgência pelos mesmos motivos que vão ao centro de saúde, decidiu-se dar-lhes mais atenção. Foi criado o Grupo de Resolução High Users (grandes utilizadores), que conta com uma equipa multidisciplinar composta por colaboradores do hospital e do ACES de Almada e Seixal. A ideia é reduzir o número de idas evitáveis às urgências, mas também “melhorar a orientação e o encaminhamento dos utilizadores frequentes para os cuidados de saúde e apoio social de que efectivamente necessitam, promover o adequado diagnóstico e gestão integrada da doença e potenciar a eficácia e a eficiência” na resposta das diferentes instituições, através de uma adequada articulação.