O “custo” de ser cuidador informal
Cuidar de alguém envolve um investimento significativo de tempo, energia e dinheiro, traduzindo-se num expectável aumento dos custos do doente e do cuidador.
O envelhecimento populacional vivenciado em Portugal coloca inúmeros desafios às sociedades e aos sistemas familiares em particular, de onde se destaca a prestação de cuidados aos mais velhos. O cuidador informal é o elemento da rede social do indivíduo (familiar, amigo, vizinho) que presta cuidados regulares a uma pessoa de modo não remunerado e desprovido de um vínculo formal. A decisão de a família assumir a responsabilidade pelos cuidados encontra-se intrinsecamente relacionada com o equilíbrio entre os ganhos e as perdas. Se, por um lado, se identifica a valorização decorrente de um compromisso de cuidar de alguém próximo e emocionalmente significativo, por outro reconhecem-se os constrangimentos decorrentes da sobrecarga social, psicológica e, inevitavelmente, financeira.
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O envelhecimento populacional vivenciado em Portugal coloca inúmeros desafios às sociedades e aos sistemas familiares em particular, de onde se destaca a prestação de cuidados aos mais velhos. O cuidador informal é o elemento da rede social do indivíduo (familiar, amigo, vizinho) que presta cuidados regulares a uma pessoa de modo não remunerado e desprovido de um vínculo formal. A decisão de a família assumir a responsabilidade pelos cuidados encontra-se intrinsecamente relacionada com o equilíbrio entre os ganhos e as perdas. Se, por um lado, se identifica a valorização decorrente de um compromisso de cuidar de alguém próximo e emocionalmente significativo, por outro reconhecem-se os constrangimentos decorrentes da sobrecarga social, psicológica e, inevitavelmente, financeira.
De facto, cuidar de alguém envolve um investimento significativo de tempo, energia e dinheiro, traduzindo-se num expectável aumento dos custos do doente e do cuidador, muitas vezes por longos períodos de tempo. Estes referem-se sobretudo à maior utilização de serviços e recursos de saúde, como sejam consultas médicas, tratamentos e medicamentos; ou de recursos sociais, como por exemplo a integração em Centros de Dia ou a contratação de serviços de Apoio Domiciliário. Não raras vezes, a decisão de cuidar de alguém próximo pressupõe, inclusive, deixar de trabalhar ou reduzir o horário de trabalho, mudar de residência e/ou proceder a adaptações em várias divisões da casa, fruto de se acolher o recetor de cuidados, investindo-se em equipamentos e produtos de apoio, como sejam barras de segurança que auxiliam o banho, camas adaptadas, ou múltiplos dispositivos tecnológicos de vigilância/supervisão.
De entre as diversas mudanças na esfera familiar, destaca-se ainda o tempo despendido no cuidado que, por si só, representa um “custo de oportunidade” que não pode, nem deve, ser desconsiderado. Trata-se de um custo inerente à melhor alternativa sacrificada pelo prestador de cuidados, ou seja, assume-se como o valor da realização de uma atividade preferível (trabalho, lazer) que é preterida pela escolha, voluntária ou involuntária, de se assumir o papel de prestador informal de cuidados.
De um modo geral, os custos dos cuidados informais podem ser classificados em quatro componentes de avaliação económica [1], sendo que os mesmos, revelando-se muitas vezes mais abrangentes do que os exemplos aqui enumerados (uma vez que abrangem custos individuais e para a sociedade), tornam o processo de mensuração económica algo particularmente complexo e dinâmico.
Os métodos mais comummente utilizados na avaliação destes cuidados consideram o tempo despendido no apoio prestado. Este tempo poderá variar consoante fatores como a comorbilidade, o nível de incapacidade e a presença de doenças físicas e mentais crónicas na pessoa que recebe os cuidados (ex.: demência), assim como a complementaridade dos cuidados de serviços de apoio formal (ex.: Centro de Dia ou Serviços de Apoio Domiciliário) que podem, ou não, ser comparticipados. Deste modo, também o custo destes cuidados serão variáveis consoante a severidade do problema da pessoa cuidada e das próprias condições do cuidador.
Um estudo sobre os custos da doença de Alzheimer na Europa 27 [2] mostrou que 60% destes são relativos aos cuidados informais. Na Irlanda, outro estudo [3] refere que 50% do custo total da demência é suportado pelas famílias, apontando o valor de 146 euros por semana como a participação das famílias no custo dos cuidados prestados (método do custo oportunidade). Em Espanha, um estudo similar apontou valores de 612 a 1015 euros por semana (utilizando o método do bem substituto) [4]. Por sua vez, em Portugal, dados de um projeto comunitário com foco nos cuidados informais a pessoas com demência (Projeto “CuiDem – Cuidados para a demência”) chegou ao valor de 203euros por semana, aplicando o mesmo método de avaliação.
Ainda em Portugal, tem-se procurado apurar o valor dos custos dos cuidados informais, tendo por base vários projetos de intervenção comunitária na região norte do país*. Num total de 384 cuidadores, maioritariamente mulheres (84%), com uma média de idades de 59 anos, grande parte reformados (40%) ou desempregados (36%) que têm a seu cargo um idoso dependente (média de idade de 86 anos), de quem cuidam de modo continuado há mais de dois anos (50%) e com quem residem (66%), foi possível determinar que os custos se situam na ordem dos 87 euros/dia, representando um custo semanal de 608 euros [5]. Para esta avaliação foi considerado apenas o valor inerente ao tempo despendido nos cuidados à pessoa, através do método do bem substituto. Não obstante, existem outros valores que devem ser considerados, como sejam os gastos com os recursos de saúde, consultas e tratamentos, alterações na casa, o abdicar de trabalhar para cuidar, entre muitos outros.
A grande heterogeneidade inerente aos cuidados informais torna a sua avaliação económica um desafio. Não obstante, é cada vez mais evidente a importância de quantificar os cuidados prestados no contexto informal, permitindo reconhecer os valores “escondidos” nas casas das famílias e que muito contribuem para a sanidade económica do nosso país.
Referências
* Projetos desenvolvidos em colaboração com a UNIFAI.ICBAS.UP, CINTESIS.UP, CASO50+: “Cuidar em Casa”, “Cuidar de Quem Cuida”, “PT100 Porto” e “PT100 Beira Interior”.
[1] Drummond, M., Sculpher, G., Torrance, B. & Stoddart, G. (2005). Methods for the Economic Evaluation of Health Care Programmes. London: Oxford University Press.
[2] Gervès, C., Chauvin, P. & Bellanger, M. (2014). Evaluation of full costs of care for patients with Alzheimer´s disease in France: The Predominant Role of Informal Care. Health Policy, 116, 1, 114-122.
[3] O'Shea, E. & O'Reilly, S. (2000). The economic and social cost of dementia in Ireland. Int J Geriatr Psych, 15, 208-218.
[4] Peña-Longobardo, L.M. & Oliva-Moreno, J. (2015). Economic valuation and determinants of informal care to people with Alzheimer´s disease. Eur J Health Econ, 16, 5, 507-515.
[5] Pires, C. (2016). Avaliação económica dos cuidados informais à população idosa da região norte de Portugal. (Tese de Mestrado, Universidade do Porto)