E o “penta” vai para Sérgio Conceição
Chegar, ver e vencer pode ser o lema que melhor se aplica ao treinador que resgatou o FC Porto com uma receita à base de trabalho, dedicação e vontade de vencer.
No dia da apresentação como treinador do FC Porto, Sérgio Conceição não perdoou uma pequena-grande imprecisão. Fiel ao estilo de quem só admite a vitória, reagiu à perda de um campeonato num milionésimo de segundo, corrigindo o número de títulos de campeão nacional conquistados ao serviço do FC Porto no mesmo instante em que era confrontado com o facto de ter vencido sempre a prova nas três épocas como jogador.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
No dia da apresentação como treinador do FC Porto, Sérgio Conceição não perdoou uma pequena-grande imprecisão. Fiel ao estilo de quem só admite a vitória, reagiu à perda de um campeonato num milionésimo de segundo, corrigindo o número de títulos de campeão nacional conquistados ao serviço do FC Porto no mesmo instante em que era confrontado com o facto de ter vencido sempre a prova nas três épocas como jogador.
"Quatro! Foram quatro porque também ganhei o de juniores!", vincou na altura com o mesmo número de dedos levantados, numa alusão à época de 1992-93.
Foi muito por causa desta sede de vencer que o FC Porto conseguiu acabar com a seca de títulos que durava há quase cinco anos. Sem medo das palavras, Sérgio Conceição havia prometido títulos em Maio e cumpriu, ao garantir o quinto da sua conta-corrente, num balanço entre as Antas e o Dragão.
Conceição “regressou a casa” sob o signo do cinco, tornando-se o quinto antigo futebolista portista a sagrar-se campeão como atleta e treinador do clube da Invicta. Conceição sucede a Joseph Szabo, Mihály Siska, José Maria Pedroto e António Oliveira, interrompendo o ciclo do Benfica, que apostava todas as fichas no seu primeiro “penta”.
A carreira como treinador iniciou-a na Bélgica, ainda como adjunto do amigo Dominique d’Onofrio, falecido em 2016.
Mas o caminho enquanto líder começou em Olhão, com passagens subsequentes por Académica, Sp. Braga e V. Guimarães, antes de pegar no Nantes e mostrar a Pinto da Costa que estava pronto.
Até chegar ao FC Porto e decidir que estava preparado para assumir o banco, o miúdo irreverente assimilou as tácticas e os estilos de algumas referências mundiais - como Artur Jorge, António Oliveira, Humberto Coelho, Jorge Jesus, Fernando Santos e José Mourinho, passando por Eriksson, Arrigo Sacchi, Héctor Cúper, Daniel Passarella, Roberto Mancini e Scolari.
Fernando Couto, colega de Conceição na selecção e na Lazio, admite não se ter apercebido desta inclinação do amigo. “Curiosamente, nunca nos cruzámos no FC Porto. Convivemos muito na selecção e na Lazio. Mas para ser sincero, não previa isto pois não o via como futuro treinador”, confessa.
“Na verdade, acho que fez uma época fantástica. Gostei imenso até por ter sido um campeonato à imagem do FC Porto, com um grupo forte, com grande determinação e crença. É um título com um gosto especial, com uma atitude vencedora, à imagem do que o Sérgio foi como jogador”, acrescentou Fernando Couto, atento aos passos “seguros” dados pelo novo treinador campeão.
“Fez o percurso que tinha que ser feito. Começar como adjunto, na Bélgica, e subir cada degrau, com Olhanense, Académica, Sp. Braga, V. Guimarães e Nantes até chegar ao topo, ao FC Porto. Tudo à custa de trabalho e muita qualidade. Rodeou-se de profissionais competentes, que conheço bem, pessoas muito válidas, e impôs o estilo dele de forma vincada e forte, aproveitando bem toda a experiência e vivências acumuladas em grandes clubes, com grandes jogadores e treinadores, o que é sempre determinante. Agora fico à espera, pois pode ir muito longe. Se for com o FC Porto, muito bem. Mas os dados estão lançados”, resumiu o antigo central, feliz pela conquista de Sérgio Conceição que quando chegou ao Dragão avisou, sem hesitar, que não vinha para aprender, mas sim para ensinar. E que em Maio teria razões para dedicar novos troféus aos pais.
Um “doente da bola”
Tirando os excessos associados ao temperamento e os inúmeros episódios de rebeldia e polémicas que contribuíram para o crescimento e definição de carácter de Sérgio Conceição - que continua a não mandar recados por ninguém, seja para fora ou para dentro do próprio FC Porto - o agora treinador campeão devolveu o brio a uma equipa sem reforços, exceptuando o guardião Vaná, fruto da saúde financeira debilitada e das restrições impostas pela UEFA.
Do mau feitio de Sérgio Conceição já se pronunciou Fernando Santos, em pleno jogo de despedida de Deco, há quatro anos, num FC Porto-Barcelona em que o “engenheiro” voltou ao banco portista.
Sérgio Conceição não gostou de ser suplente e meio a brincar meio a sério garantiu estar com azia pelas escolhas de Fernando Santos. Confrontado com as “críticas” do seu ex-jogador nos gregos do PAOK, onde Sérgio encerrou a carreira de futebolista, em 2010, o actual seleccionador lembrou que ele era assim, “um doente da bola”.
Conceição era, nessa altura, treinador do Sp. Braga, que levou à final da Taça de Portugal. E Fernando Santos referiu nesse momento uma das características que melhor definem a forma de estar do agora treinador campeão nacional. “Ele nunca perderá este feitio, aliás não pode perder, até para o futuro dele como treinador. É muito importante a paixão que Sérgio tem pelo jogo”.
Domingos Paciência não equipou nesse dia, mas mais do que a maioria pode explicar o sucesso do amigo Sérgio, que baseia numa vontade indómita de vencer.
“Lembro-me como se fosse hoje. Estava no Sporting e recebi uma chamada do presidente do Olhanense a pedir uma opinião sobre o Sérgio Conceição”, recorda. Domingos acabara de passar uns dias de férias na Grécia com Sérgio e com Dominique d’Onofrio, que anunciara a saída do Standard Liège, onde treinou Conceição e o promoveu a adjunto.
“Não sei se tive muita ou pouca influência na decisão, mas conheço a personalidade do Sérgio e expliquei-lhe que tem uma vontade de ganhar impressionante”, aliada a uma ética de trabalho que ajuda a perceber os resultados neste primeiro ano de FC Porto.
“O Sérgio é uma pessoa muito ‘visual’. E quando passas pelos melhores clubes, convives com grandes jogadores e treinadores, podes usar essa capacidade. Mas julgo que o grande mérito dele no FC Porto foi o de ter percebido o contexto, ter feito a leitura correcta e canalizar tudo para um jogo diferente do adoptado por Lopetegui e pelo Nuno Espírito Santo. O futebol dele é diferente, tem que moldar e rentabilizar jogadores, alguns que todos julgavam não ter espaço no plantel. Há muito mérito nisso”, refere Domingos, sem esquecer a influência das origens humildes do amigo.
“O FC Porto transformou-se numa equipa objectiva, dinâmica, com processos mais directos na busca do golo. Essa procura constante, sem a preocupação de praticar um futebol vistoso, essa obsessão por chegar rápido à baliza tem a ver com uma visão da realidade e de alguém que subiu a pulso, que não teve nada de mão beijada, que lutou e que singrou à custa do trabalho e da qualidade. E a capacidade de trabalho do Sérgio é tremenda”, testemunha Domingos, para acrescentar um último mérito do amigo: “Para além de tudo, há a mensagem. A paixão e a crença dele contagiam os jogadores”.