“Vejo um futuro da medicina da reprodução longe do segredo e da vergonha”
Uma psicóloga e um especialista em direito constitucional são dois dos convidados para debater a acesa polémica do fim do anonimato nas doações de gâmetas durante as jornadas da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução.
“O anonimato nas doações de gâmetas tem os dias contados”, resume ao PÚBLICO a psicóloga Giuliana Baccino, que trabalha em Madrid, Espanha, e que foi convidada para falar sobre a polémica questão do anonimato na doação de gâmetas e embriões nas jornadas da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução (SPMR), que decorrem esta sexta-feira e sábado na Figueira da Foz. Apesar do extenso programa das jornadas que inclui várias sessões sobre os avanços científicos nesta área, o fim do anonimato ditado pelo recente acórdão dos juízes do Tribunal Constitucional estará inevitavelmente no centro das atenções. Consciente da urgência deste debate, a organização fez mesmo um reforço de última hora no programa e convidou Rui Moura Ramos, jurista da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
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“O anonimato nas doações de gâmetas tem os dias contados”, resume ao PÚBLICO a psicóloga Giuliana Baccino, que trabalha em Madrid, Espanha, e que foi convidada para falar sobre a polémica questão do anonimato na doação de gâmetas e embriões nas jornadas da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução (SPMR), que decorrem esta sexta-feira e sábado na Figueira da Foz. Apesar do extenso programa das jornadas que inclui várias sessões sobre os avanços científicos nesta área, o fim do anonimato ditado pelo recente acórdão dos juízes do Tribunal Constitucional estará inevitavelmente no centro das atenções. Consciente da urgência deste debate, a organização fez mesmo um reforço de última hora no programa e convidou Rui Moura Ramos, jurista da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
“Desconhecido mas conhecível?” (numa tradução literal de “Unknow but Know-able?”) é o tema da sessão de Giuliana Baccino, psicóloga que trabalha especificamente na área da procriação medicamente assistida (PMA) e subdirectora da clínica FivMadrid, em Espanha. O título da sessão remete para o facto de os avanços tecnológicos, nomeadamente, no campo dos testes genéticos, terem transformado o anonimato numa falsa questão, esclarece por sua vez Teresa Almeida Santos, presidente da SPMR. Ou seja, se quisermos saber as nossas origens, já existem os meios para isso.
A presidente da SPMR está consciente de que o anonimato é a “questão quente do momento” na área da PMA e é clara sobre a sua posição: concorda com o fim do anonimato “com muita naturalidade” mas não é favorável aos eventuais efeitos “retroactivos” que a decisão do Tribunal Constitucional pode ter em relação às doações feitas até agora e mesmo às crianças já nascidas com estas técnicas. Teresa Almeida Santos admite que a confusão está instalada. “Há casais a telefonar e a perguntar se a partir de agora pode aparecer alguém nas suas casas à procura do seu filho”, admite, sublinhado que acredita que “isso não vai acontecer”.
“Neste momento, não será prudente utilizar gâmetas ou embriões que foram doados no pressuposto do anonimato sem um contacto prévio com os dadores”, defende Teresa Almeida Santos. A presidente da SPMR não teme que esta decisão leve a uma redução drástica de dádivas, como alguns especialistas já anteciparam, mas acredita que vamos assistir a uma “mudança do perfil dos dadores”. Perante tantas dúvidas, a organização fez um reforço de última hora no painel de convidados das jornadas. No final da tarde de sexta-feira, o jurista Rui Moura Ramos é o orador na sessão “surpresa” intitulada “O que muda na prática de PMA depois do acórdão?”
Giuliana Baccino não deixa margem para dúvidas sobre de que lado está nesta discussão. “Há suficientes provas científicas que nos mostram a importância de revelar suas origens para a criança, independentemente do tipo de doação (anónima ou não anónima). Os pais devem contar à sua descendência como eles foram concebidos. Manter o segredo pode prejudicar a relação entre os filhos e os seus pais, se eles mais tarde descobrirem a verdade que os pais quiseram esconder”, diz ao PÚBLICO, numa resposta por “email”, quando lhe perguntamos quais as principais ideias que vai apresentar na sua sessão. A psicóloga acrescenta ainda: “Mesmo se mantivermos a doação anónima, o anonimato já não existe. Por isso, esta nova legislação em Portugal vem no momento certo.”
E há mais a dizer sobre a actualidade. “Quando enfrentamos novos desafios, regras e procedimentos, há sempre medos normais e muitas perguntas que o tempo vai responder. Penso que estas mudanças em Portugal são mudanças vanguardistas, modernas e necessárias que, um dia ou outro, quase todos os países farão o mesmo.” E insiste: “Mesmo se o tentarmos, hoje em dia não podemos mais garantir o anonimato nas doações, por isso, de uma forma ou de outra, hoje ou amanhã, o anonimato tem os dias contados.”
As jornadas da SPMR incluem sessões sobre a criação de ovócitos in vitro (em laboratório), os modelos de actuação nos casos que associam a obesidade à infertilidade feminina, a fragmentação do ADN dos espermatozóides, novos tratamentos para a infertilidade, técnicas de preservação da fertilidade dirigidas a mulheres que decidem adiar a maternidade, perspectivas de futuro da PMA, e muito mais. Mas, apesar do fértil programa sobre os avanços científicos nesta área, o encontro dos especialistas será certamente dominado pelo debate sobre o anonimato. É aí que Giuliana Baccino volta quando a questionamos sobre o futuro da PMA num plano mais abrangente. Além dos enormes desafios éticos que situações como os testes genéticos podem colocar, a psicóloga sublinha: “Vejo um futuro da medicina da reprodução longe do segredo e da vergonha.”