O futuro da liberdade de imprensa
Tão preocupante como a crise no setor tem sido a ausência de uma resposta do poder político.
O 14.º lugar obtido por Portugal no ranking mundial da liberdade de imprensa relativo a 2018, realizado pela organização Repórteres sem Fronteiras, à frente de países como Alemanha, Espanha, França, Grã-Bretanha, Estados Unidos, Itália e de todos os países do leste europeu menos a Estónia, constitui um resultado assinalável. Acresce que, embora represente uma melhoria face a anos anteriores, ele reflete uma relativa continuidade, desde que, em 2002, data do primeiro estudo desta organização, Portugal foi classificado em 7.º lugar.
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O 14.º lugar obtido por Portugal no ranking mundial da liberdade de imprensa relativo a 2018, realizado pela organização Repórteres sem Fronteiras, à frente de países como Alemanha, Espanha, França, Grã-Bretanha, Estados Unidos, Itália e de todos os países do leste europeu menos a Estónia, constitui um resultado assinalável. Acresce que, embora represente uma melhoria face a anos anteriores, ele reflete uma relativa continuidade, desde que, em 2002, data do primeiro estudo desta organização, Portugal foi classificado em 7.º lugar.
Sublinhe-se, por outro lado, a abrangência do estudo desenvolvido por aquela organização, incluindo matérias como a liberdade do jornalismo de investigação, a independência do operador de serviço público de rádio e de televisão, do regulador e dos mecanismos de apoio estatal à comunicação social e a transparência da propriedade dos media, entre outras.
No relatório relativo a Portugal, é referida positivamente a recente alteração do Código Penal garantindo a proteção jurídico-penal dos jornalistas no exercício de funções, mas sublinham-se negativamente a continuação da criminalização da difamação e da injúria e os episódios de ameaças a jornalistas ocorridos no universo futebolístico.
As questões relativas à liberdade de imprensa, aqui entendida como o direito (dos órgãos de informação e dos jornalistas) a informar e o direito (dos cidadãos) a serem informados, não têm sido objeto de um tratamento sistemático em Portugal. Passada a injustificada preocupação face às alterações de 2007 aos direitos dos jornalistas consagrados no respetivo Estatuto, assegurada de forma mais eficaz a transparência da propriedade dos órgãos de comunicação, tendo ainda em conta a independência editorial e institucional da RTP e da Lusa face ao poder politico e o papel mais pedagógico do que intrusivo do regulador, não tem havido sinais de inquietude face a este tema.
Importa, no entanto, não desvalorizar sinais claramente preocupantes. A indústria portuguesa da comunicação social, bem como alguns grupos estrangeiros aqui sediados, atravessa uma fase de evidente crise. Grande parte dos grupos de media e das empresas dão claros sinais de dificuldade, traduzida na diminuição dos seus quadros, e desde logo dos jornalistas, na quebra dos salários, na degradação das condições de trabalho e na precariedade dos vínculos laborais imposta a muitos jornalistas, o que se reflete inevitavelmente na qualidade da informação. Em alguns órgãos de informação, tornam-se também evidentes sinais de clara dependência face a empresas e a grupos económicos (incluindo a pressão publicitária) e, no caso da comunicação social regional, ao poder autárquico.
Tão preocupante como a crise no setor tem sido, todavia, a ausência de uma resposta do poder político, que tarda em compreender que a comunicação social não é uma indústria que deva estar sujeita apenas a regras do mercado. Os órgãos de comunicação social desempenham um papel de indiscutível interesse público, motivo pelo qual o Estado não se deve demitir de promover a sua pluralidade e a sua capacidade de intervenção, em suma, a sua liberdade.
Na maioria dos países europeu e, com maior peso, em França e nos países nórdicos, existem regimes de incentivos que têm uma óbvia importância na diversidade da oferta do setor e, em consequência, no direito dos cidadãos à informação. Em Portugal, o regime de incentivos mantem-se, desde há quase três décadas, exclusivamente vocacionado para a comunicação social regional e local e, mesmo aí, com prioridades já desajustadas face ao atual contexto.
Por outro lado, o departamento da Administração Pública antes responsável por esse regime de incentivos, mas, mais do que isso, pelo acompanhamento das políticas públicas para o setor, a nível nacional e internacional, foi extinto pelo Governo de Passos Coelho e, até agora, não reconstituído.
As exigências impostas pelo novo quadro mediático, com o aparecimento dos novos media, imporiam de facto outra perspetiva para o setor da comunicação social. Fruto das profundas mudanças tecnológicas e da forma como muitos desses conteúdos são concebidos, distribuídos e consumidos, estes novos media evidenciam características próprias de um órgão de comunicação social, competindo com os media tradicionais, sujeitos a novos concorrentes, a novas redes, canais e formas de distribuição de informação e a novos modelos de consumo. No entanto, muitos deles continuam a não cumprir obrigações elementares como o registo, a identificação dos seus responsáveis editoriais e dos seus acionistas, a publicação de um estatuto editorial, o crivo ético-deontológico do jornalismo, servindo-se desse anonimato ilegal para difundirem demasiadas vezes conteúdos falsos, difamatórios e sensacionalistas que lhes assegurem um elevado número de visualizações e as receitas daí decorrentes.
As instâncias europeias estão a ultimar a revisão da Diretiva dos Serviços de Comunicação Social Audiovisual, que alargará o seu âmbito às redes sociais, além de consagrar outras alterações, entre as quais o reforço do papel das entidades reguladoras para o setor e uma revisão dos limites horários da publicidade televisiva. Esse será inevitavelmente o momento em que as políticas públicas dos governos europeus terão de ter em conta esta nova realidade!
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico