Tribunal de Setúbal aplica a pena mais pesada por maus tratos a animais
Criador de Palmela foi condenado a quatro anos e seis meses de prisão, com pena suspensa, por maltratar 24 cães. Juíza disse que homem foi indiferente à dor e sofrimento que provocou aos animais.
O Tribunal de Setúbal condenou nesta quarta-feira um criador de cães, de Palmela, a uma pena de prisão de quatro anos e seis meses, suspensa por igual período, pelos crimes de maus-tratos a animais de companhia. É a condenação mais pesada em Portugal desde que a lei entrou em vigor, em 2014.
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O Tribunal de Setúbal condenou nesta quarta-feira um criador de cães, de Palmela, a uma pena de prisão de quatro anos e seis meses, suspensa por igual período, pelos crimes de maus-tratos a animais de companhia. É a condenação mais pesada em Portugal desde que a lei entrou em vigor, em 2014.
Nesta mesma comarca já tinha também sido condenado, a pena de prisão com pena suspensa, um homem de Grândola (ver caixa), mas nesse primeiro caso estava em causa um único cão, sendo que neste processo mais recente são 24 cães.
O condenado desta quarta-feira, de 60 anos, agricultor e gerente de uma empresa agrícola, foi considerado culpado de 17 crimes de maus tratos a animais de companhia e de oito crimes de maus tratos agravados, estes últimos relativos aos animais que morreram, e incorria numa pena máxima de cinco anos de prisão.
O tribunal aplicou uma pena de prisão de um ou dois meses por cada um dos 17 animais que sobreviveram (o máximo da moldura penal é de um ano por cada animal) e de três meses por cada um dos que morreram (o máximo para o crime agravado é de dois anos por animal), num cúmulo jurídico de quatro anos e seis meses de prisão, com pena suspensa e sujeição a regime de prova.
A pena aplicada inclui também o pagamento de 2.500 euros à associação de protecção de animais que acolheu os 17 cães apreendidos, e a proibição de o indivíduo deter animais de companhia durante cinco anos, o período máximo previsto na lei para esta privação.
O condenado vai ainda ser acompanhado pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais para “aprofundar” a sua “consciencialização”, referiu a juíza.
A juíza deu com “absolutamente” provados os factos de que o proprietário da quinta onde os animais se encontravam estava acusado, designadamente que não alimentava os cães devidamente – que todos tinham peso insuficiente sendo alguns considerados magros -, que não lhes dava água limpa e em quantidade suficiente, e que os mantinha sem condições de saúde, higiene e conforto, muitos deles acorrentados.
A sentença refere que “todos os animais sem excepção” se encontravam infestados de parasitas internos e externos, que viviam conspurcados pelos seus próprios excrementos e urina e que não tinham assistência veterinária.
O processo judicial foi desencadeado no dia 10 de Outubro de 2015, quando a GNR encontrou na propriedade do individuo 25 cães, um dos quais uma cria já morta, de várias idades e raças, como Labrador, Cane Corso, Sptiz Alemão, Shar Pei e Buldogue Francês.
Oito dos cães, os que vieram a morrer nas horas seguintes à busca, eram uma cadela Cane Corso, chamada Vanessa, e as suas crias recém-nascidas, cuja morte o tribunal considerou resultar das más-condições em que o criador as mantinha.
Os animais, de pequeno-porte, estavam dentro de uma caixa de plástico, “forrada de aparas de madeira, imunda e repleta de excrementos”, sem vigilância ou cuidados veterinários.
A sentença refere que o homem mantinha estes neonatos “indiferente ao seu sofrimento e dor inerentes a uma situação de fome, hipotermia, infestação parasitária e debilidade” e que foram as “consequências das condições a que foram sujeitos que vieram a provocar-lhes a morte”. Por exemplo, a primeira cria a morrer, “teve como causa da morte insuficiência respiratória, evidenciando aparas de madeira no estômago”.
O tribunal apurou também que “todos os animais detidos pelo arguido, sem excepção, estavam infestados por uma elevada carga de parasitas externos e internos que os debilitava fisicamente, causando-lhes desconforto físico e sofrimento.”
Perante este quadro “impõe-se uma pena de prisão”, concluiu a juíza, considerando, no entanto, ser adequada a suspensão da aplicação “por não ter registo de crimes de igual natureza e por se encontrar profissionalmente integrado”. O homem já tem antecedentes criminais, incluindo penas de prisão, mas por crimes contra pessoas e não contra animais, como desta vez.
A juíza explicou que a conduta criminosa é por omissão e não por acção, ou seja, que o criador – também foi dado como provado que se dedicava à criação de cães para comercializar – não agredia os animais, não havendo registo de crueldade, mas não cumpria os seus deveres para com cães que detinha.
“Conclui-se, em razão da proximidade e dependência única e exclusiva dos 24 canídeos face ao arguido, uma vez que a satisfação de todas as necessidades, incluindo as primárias, estava totalmente dependente do arguido, que este estava investido na posição de garante e que nessa qualidade sobre o mesmo impendia o dever pessoal de os proteger e cuidar”, refere a decisão judicial.
O PUBLICO perguntou ao condenado e à sua advogada se tenciona recorrer mas não obteve resposta.
A médica-veterinária Anabela Moreira, da Faculdade de Medicina veterinária da Universidade de Lisboa, responsável pelas perícias realizadas aos cães neste processo, a pedido do MP, disse ao PÚBLICO que o cenário clinico encontrado neste caso de Palmela é relativamente comum.
“É um quadro recorrente, devido ao desconhecimento e à falta de sensibilidade” de muitas pessoas que têm cães a seu cargo, disse Anabela Moreira.
DIAP de Setúbal é o mais dinâmico do país porque tem equipa especializada
Os dois casos de condenações mais pesadas por crimes de maus tratos a animais de companhia existentes até à data são ambos da área do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Setúbal, e não é por acaso.
Nesta comarca, o Ministério Público (MP) tem uma equipa, única no país, especializada nesta área criminal. Uma procuradora do MP dedicada a estes casos e uma dedicação também especial da GNR. O Comando Territorial de Setúbal criou o Programa de Apoio e Recuperação Animal (PARA), também único no país, e, segundo o tenente-coronel, Silva Vieira, da secção do Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente (SEPNA), é este trabalho “de articulação e em rede também com outras entidades como as associações locais”, que permite que o distrito de Setúbal tenha resultados muito acima do resto do território nacional.
Desde que a nova lei entrou em vigor, em 2014, até 28 de Fevereiro de 2018, no distrito de Setúbal foram participados a tribunal 485 crimes contra animais de companhia, sendo 299 de maus-tratos e 196 de abandono. No mesmo período foram apreendidos 485 animais (400 cães, 52 gatos e 32 outros), detidas quatro pessoas e constituídos 221 arguidos.
No segundo distrito com mais casos, o Porto, no ano passado houve 53 crimes de maus tratos participados (120 em Setúbal) e 34 de abandono (84) em Setúbal.
“Não é que no distrito de Setúbal haja mais crimes destes, a situação está é mais organizada, há mais pro-actividade entre todos os intervenientes”, diz o tenente-coronel Silva Pereira.
O primeiro caso de condenação a pena de prisão foi em 6 de Abril de 2017. Um homem, da Comporta (Grândola) foi condenado a um ano e quatro meses de prisão, com pena suspensa, e ficou privado de deter animais de companhia durante três anos.