Governo cede e admite publicar relatório secreto de Pedrógão
Ondas de choque sobre relatório secreto da Protecção Civil agitaram o Parlamento. Governo pede levantamento do segredo de justiça que advogados dizem não existir.
Depois de um dia a ser questionado sobre o porquê de não divulgar o relatório secreto da Protecção Civil, revelado ontem pelo PÚBLICO, o Ministério da Administração Interna (MAI), que manteve o documento em segredo durante seis meses, acabou por voltar atrás e admite que "não vê inconveniente" em que o documento seja tornado público, desde que seja levantado pela Procuradoria Geral da República (PGR) o segredo de justiça. Acontece que advogados contactados pelo PÚBLICO defendem que este documento nunca esteve em segredo de justiça, como invocado pelo Governo, que foi mudando de posição ao longo do dia.
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Depois de um dia a ser questionado sobre o porquê de não divulgar o relatório secreto da Protecção Civil, revelado ontem pelo PÚBLICO, o Ministério da Administração Interna (MAI), que manteve o documento em segredo durante seis meses, acabou por voltar atrás e admite que "não vê inconveniente" em que o documento seja tornado público, desde que seja levantado pela Procuradoria Geral da República (PGR) o segredo de justiça. Acontece que advogados contactados pelo PÚBLICO defendem que este documento nunca esteve em segredo de justiça, como invocado pelo Governo, que foi mudando de posição ao longo do dia.
O PÚBLICO revelou na sua edição de ontem os detalhes do relatório da Direcção Nacional de Auditoria e Fiscalização (DNAF) da Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) sobre o incêndio de Pedrógão Grande, que o MAI tinha recebido em meados de Novembro e mantido em segredo, enviando o documento para o Ministério Público.
Depois de publicada a notícia, o MAI enviou um comunicado justificando essa actuação com o "segredo de justiça" a que a auditoria estaria sujeita. O PÚBLICO questionou o MAI sobre o porquê da diferença de tratamento para este documento, uma vez que todos os restantes tinham sido divulgados, por promessa do primeiro-ministro logo depois do incêndio, e recebeu como resposta que "todos os documentos com matéria susceptível de responsabilização disciplinar e/ou criminal tiveram o mesmo tratamento: envio para as entidades competentes" e que "os documentos tornados públicos não se enquadram nesta qualificação legal". Ou seja, pela leitura da resposta do gabinete de Eduardo Cabrita, este seria o único documento que teria "matéria" que poderia originar inquéritos disciplinares e valer ao Ministério Público na sua investigação, sendo o único em segredo de justiça e não divulgado. Contudo, o MAI já não respondeu às dúvidas suscitadas por esta resposta.
A Procuradoria Distrital de Coimbra confirmou nesta quarta-feira, num esclarecimento publicado no seu site, que recebeu a auditoria e que o "documento foi junto aos autos, sendo considerado no âmbito das investigações em curso". Mas nunca referiu que estaria sujeito ao regime de segredo. O gabinete de imprensa da PGR respondeu dizendo que "quando um documento é incorporado num processo em segredo de justiça passa a ficar sujeito a esse regime".
A subtileza do caso encontra-se no facto de se dizer "o documento". Aquele exemplar do relatório, que foi para o Ministério Público, encontra-se em segredo de justiça, na medida em que não pode ser consultado, porque o processo ainda está em aberto, em investigação; mas todas as outras cópias que existem externamente e o seu próprio conteúdo não se encontram abrangidos por este regime, defendem especialistas em Direito da Comunicação.
"Os documentos não passam a estar em segredo de justiça por estarem integrados num processo. As investigações do Ministério Público que são feitas num âmbito de um processo, podem estar, agora um documento autónomo, produzido exteriormente ao processo não passa a estar em segredo de justiça apenas por fazer parte do processo", defende o advogado do PÚBLICO, Francisco Teixeira da Mota.
O advogado especialista em media e liberdade de expressão diz que este argumento "juridicamente não faz sentido".
Também o advogado especialista nesta área, Tiago Rodrigues Bastos, considera que só se pode considerar em segredo de justiça o que "não se pode ir ver aos autos". Ou seja, o exemplar que se encontra no Ministério Público está sujeito a este regime, "mas o relatório em si, que o Governo tem em sua posse, não vejo que esteja em segredo de justiça nenhum". Se assim fosse, acrescenta, "todos os relatórios que eram produzidos e resultavam em queixa-crime estariam em segredo de justiça", e não estão, estando apenas o processo e o que for produzido internamente: "Se não for colhido do processo, não abrange", sintetiza.
Contudo essa não é a visão do próprio ministro, Eduardo Cabrita, que ontem, em declarações à Lusa disse que não vai discutir o relatório "na praça pública" e garantiu que serão retiradas "todas as consequências por quem tem competência para isso, o próprio Ministério quanto a matéria disciplinar, as autoridades judiciais na medida em que o entendam quanto a matéria de natureza criminal". O ministro garantiu que haverá um "total apuramento da verdade e total responsabilização de quem tiver de ser responsabilizado”, disse.
CDS acena com possibilidade de comissão de inquérito
O caso do relatório interno sobre Pedrógão Grande entrou nesta quarta-feira pelo plenário adentro pela mão do CDS, que acusou o Governo de lançar um "manto de obscuridade" sobre o assunto e acabou a deixar no ar a ideia de que, se continuarem as dificuldades de acesso a informação, uma comissão de inquérito é uma possibilidade.
Durante o debate, o centrista Telmo Correia defendeu que o partido "está disposto a usar todos os instrumentos parlamentares necessários" para impedir a ocultação. Ao PÚBLICO, o deputado explicou que, neste momento, se trata apenas de uma hipótese, que poderá ser ponderada posteriormente, se houver uma contínua ocultação de documentos e provas.
A defesa do executivo ficou a cargo do PS e do PCP. Os socialistas, por Fernando Anastácio, defenderam que o deputado do CDS "faltou à verdade" e lembraram que "o MAI remeteu [o relatório] ao Ministério Público". O mesmo argumento foi usado pelo deputado do PCP Jorge Marchado. É de notar "que quem pediu a auditoria foi o MAI, que foi enviada para o Ministério Público. É significativo e importa salientar, porque não preenche o critério de ocultação de que o senhor deputado [Telmo Correia] falou", disse.
Ao final da tarde, foi ouvida no Parlamento a Comissão Técnica Independente (CTI) que realizou um dos relatórios sobre o incêndio de Pedrógão Grande. O presidente da comissão, João Guerreiro, disse não ter tido acesso à auditoria quando a CTI fez o seu relatório, mas afirmou que os técnicos se tinham deparado com "procedimentos de muito amadorismo" na recolha de informação e que estes mecanismos deveriam ser "corrigidos".
O amadorismo no combate ao fogo e na recolha de informação para posterior análise é, aliás, o ponto em causa, além da questão política de o Governo não ter revelado o documento desde Novembro. Os auditores revelam que não tiveram acesso a documentos que dizem respeito ao combate ao incêndio, produzidos no posto de comando, por estes terem sido "apagados" ou "destruídos" das viaturas de comunicação.