Bruxelas sacrifica PAC para evitar cortes mais duros nas verbas da coesão
Proposta da Comissão Europeia para o próximo quadro financeiro plurianual prevê aumento modesto das contribuições nacionais para compensar o buraco da saída do Reino Unido. Portugal poderá absorver cortes e beneficiar de novos fundos.
As calculadoras estão a postos, em Bruxelas e nas restantes capitais dos Estados-membros da União Europeia, para fazer as contas aos montantes que a Comissão Europeia vai disponibilizar no âmbito do próximo quadro financeiro plurianual de 2021/27, cujo primeiro rascunho é divulgado esta quarta-feira — ao que tudo indica, com todos os valores a serem apresentados a preços correntes e preços constantes com a previsão da inflação, só para complicar ainda mais os cálculos e as comparações.
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As calculadoras estão a postos, em Bruxelas e nas restantes capitais dos Estados-membros da União Europeia, para fazer as contas aos montantes que a Comissão Europeia vai disponibilizar no âmbito do próximo quadro financeiro plurianual de 2021/27, cujo primeiro rascunho é divulgado esta quarta-feira — ao que tudo indica, com todos os valores a serem apresentados a preços correntes e preços constantes com a previsão da inflação, só para complicar ainda mais os cálculos e as comparações.
O número mágico a reter é 150 mil milhões de euros, correspondentes (sensivelmente) aos pagamentos anuais do quadro plurianual ainda em curso: o desvio dessa linha já permitirá perceber se, no próximo período de sete anos que começa a contar em 2021, a União Europeia mantém, reduz ou aumenta a sua ambição na gestão dos recursos e na resposta aos desafios do futuro.
Tal como a nível nacional, o quadro financeiro plurianual (QFP) da União Europeia é o documento que expressa os objectivos e a direcção política do bloco. A proposta da Comissão será a primeira salva a marcar o arranque de uma intensa batalha negocial que se vai prolongar nos próximos meses, e que opõe departamentos, instituições e países na disputa pelos recursos. A “guerra” só termina quando todos os países reunirem argumentos suficientes para poder internamente reclamar vitória. A ideia é que o consigam fazer antes das próximas eleições europeias, em Maio de 2019.
Há décadas que a Comissão não estava tão constrangida na elaboração de um orçamento. No fim de 2020, o Reino Unido ficará definitivamente fora da União Europeia: com o “Brexit”, Bruxelas perde o seu quarto maior contribuinte em termos absolutos, responsável por transferências anuais entre 10 e 13 mil milhões de euros.
Só quando o alemão responsável pela pasta do Orçamento, Günther Oettinger revelar a proposta da Comissão, é que se perceberá exactamente qual a estratégia traçada, confrontada por essa perda de receitas, e ao mesmo tempo comprometida com as novas prioridades definidas pelos Estados-membros pela força das circunstâncias e a pressão dos acontecimentos dos últimos anos — uma nova política de segurança e defesa; uma solução que responda à pressão migratória nas fronteiras externas; uma acção mais decisiva para enfrentar choques assimétricos e crises financeiras que possam ameaçar a estabilidade do bloco.
A Comissão já vinha repetindo, há muito, que a quadratura do círculo orçamental exigiria o aumento das contribuições nacionais para o orçamento comunitário, bem como a introdução de novas taxas europeias para assegurar mais receitas próprias. E mesmo assim, o objectivo de manter o valor global do quadro financeiro provavelmente implicaria cortes em algumas das despesas chamadas estruturais para acomodar os novos instrumentos a criar, por exemplo no âmbito da Cooperação Estruturada Permanente (PESCO).
Essa é exactamente a receita vertida na proposta da Comissão, que depois de intensa negociação no seio do colégio de comissários (com a derradeira “afinação” a ser guardada para a reunião desta manhã, antes do documento ser divulgado) vai apresentar um orçamento que, na sua totalidade, mantém inalterada a dotação de um bilião de euros, ou 1% do PIB do bloco europeu, para o investimento após o “Brexit”.
Segundo o PÚBLICO apurou, no que diz respeito ao esforço financeiro que vai pedir aos 27, o executivo será bem menos ambicioso do que o Parlamento Europeu: em vez da transferência de 1,3% do Rendimento Nacional Bruto (RNB) sugerido pelos eurodeputados, a Comissão estabelece um novo limite que, no máximo, poderia chegar a 1,15% (o mais provável é que seja fixado em 1,12% do RNB). É uma “concessão” para ultrapassar a resistência do grupo de países, encabeçado pela Holanda e que inclui também a Áustria, Dinamarca e Suécia, que defendem uma abordagem minimalista. Para eles, a UE deveria manter as contribuições tal como estão e aprender a viver com menos dinheiro, aumentando a sua eficiência no uso dos recursos.
A favor da sua proposta modesta, a Comissão argumentará que o rendimento de todos os países cresceu face à situação que deu origem ao actual QFP, e que cada 0,01% que se acrescenta à fórmula de cálculo pode significar um acréscimo até 1,4 mil milhões de euros por ano aos cofres comunitários.
PAC mais sacrificada do que Coesão
Mas se é certo que o chamado grupo dos frugais vai reclamar do aumento das contribuições nacionais, ainda mais garantidos são os protestos do bloco ainda maior de países que se opõem à projectada redução dos pagamentos que actualmente absorvem a maior parcela do orçamento comunitário: a Política Agrícola Comum (PAC) e de Coesão.
No doloroso capítulo dos cortes, a PAC, que vale cerca de 40% do QFP, será a mais sacrificada, com uma redução de 6% no valor disponível. Apesar de a proposta de hoje não fazer ainda referência aos critérios para a distribuição dos montantes da PAC, a Comissão desenhou uma fórmula regressiva para mitigar os efeitos do corte, com a introdução de um tecto nos pagamentos aos grandes produtores.
Crucialmente para as aspirações portuguesas, a Comissão planeia uma redução inferior a 6% nos montantes dos diferentes fundos estruturais disponíveis ao abrigo da Política de Coesão, através da qual o país arrecada cerca de 22 mil milhões de euros anuais no actual quadro financeiro. Em sucessivas intervenções em Bruxelas, o primeiro-ministro, António Costa, defendeu a manutenção dos actuais valores e ainda a manutenção desses fundos no envelope nacional. E apesar dos cortes anunciados, Lisboa poderá ter o mesmo total de financiamento, dependendo dos critérios escolhidos para a distribuição do dinheiro entre os vários Estados-membros (o critério em vigor é o PIB per capita, mas poderão ser introduzidas variantes como por exemplo o acolhimento de refugiados, ou o valor do desemprego jovem para funcionar como bonificações).
UE lança novos fundos
Mas no que diz respeito ao envelope nacional, Portugal poderá compensar as eventuais perdas de verbas da PAC e dos fundos estruturais (menos) com o recurso a novos fundos criados pela UE. Lisboa está, de resto, no pelotão da frente para beneficiar de um novo fundo para apoiar reformas estruturais nos países com economias mais frágeis, cuja aplicação será testada num projecto-piloto em Portugal: com um valor de 240 milhões de euros, metas quantificadas e prazos de execução, o programa está centrado nas qualificações e competências digitais.
A proposta da Comissão para o proximo QFP é dotar um novo fundo para reformas estruturais nos Estados-membros menos competitivos com um montante que pode chegar aos 25 mil milhões de euros anuais.
Um outro instrumento novo aparece como forma de ultrapassar a impossibilidade de Bruxelas poder absorver choques assimétricos em nome de um dos seus Estados-membros. Trata-se de um novo fundo de estabilização macroeconómico, de 30 mil milhões de euros (entre subvenções e empréstimos), que ficará ao dispor dos Estados-membros que se encontrem em situação difícil no acesso ao financiamento — e que se já existisse em 2011, poderia ter evitado a intervenção da troika.
Previstos estão ainda um novo fundo de protecção civil, um fundo para a defesa (que é sobretudo de investigação) e um reforço significativo do Frontex.
Recursos próprios e rebates
Um caminho muito mais difícil terá de ser percorrido para que todos Estados-membros concordem com a introdução de novas taxas europeias propostas para aumentar as receitas próprias da União. O Governo português apoia a proposta de taxar as emissões de carbono, a poluição dos plásticos, as transacções financeiras ou a actividade comercial das plataformas digitais multinacionais, mas a ideia está longe da unanimidade.
Uma das ideias que certamente vai cair na negociação é a de diminuir de 20% para 10% a parcela que os Estados-membros retêm por fazerem a cobrança dos direitos aduaneiros da UE — Holanda e Bélgica já disseram que não vão prescindir dessa receita.
Igualmente polémica será a continuação do regime de rebates, isto é, descontos ou compensações nas fórmulas de cálculo, concedidos a determinados países, após o “Brexit”.