Corrupção: silêncio, barulho e ruído
A questão que unicamente interessa é de uma simplicidade desconcertante: ou Manuel Pinho recebeu dinheiro por fora ou não recebeu. Ponto final.
1. A alegação de que Manuel Pinho recebeu, em pleno exercício de funções ministeriais, pagamentos de um grupo económico caiu que nem uma bomba. Ainda por cima, a notícia coincidiu com a exibição da grande reportagem da SIC sobre a Operação Marquês e a acusação ao ex-primeiro-ministro José Sócrates. Manuel Pinho era ministro do Governo Sócrates e o envolvimento directo do grupo económico que lhe teria feito os pagamentos consta da acusação da Operação Marquês. A situação é ainda mais problemática porque Pinho trabalhou, antes e depois de ser ministro, para aquele grupo privado.
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1. A alegação de que Manuel Pinho recebeu, em pleno exercício de funções ministeriais, pagamentos de um grupo económico caiu que nem uma bomba. Ainda por cima, a notícia coincidiu com a exibição da grande reportagem da SIC sobre a Operação Marquês e a acusação ao ex-primeiro-ministro José Sócrates. Manuel Pinho era ministro do Governo Sócrates e o envolvimento directo do grupo económico que lhe teria feito os pagamentos consta da acusação da Operação Marquês. A situação é ainda mais problemática porque Pinho trabalhou, antes e depois de ser ministro, para aquele grupo privado.
2. Apesar de ter caído que nem uma bomba, aquela alegação gerou um silêncio ensurdecedor. Não apenas por parte do visado, do PS – que então estava no Governo com maioria absoluta – e dos restantes partidos em geral. Mas também por banda da comunicação social. Tirando o Observador, a SIC e o Expresso, os restantes meios primaram pela discrição. Mesmo ontem, quando Rui Rio quebrou o tabu, o destaque dos media em geral – como aliás se pode apreciar pelas primeiras páginas das edições dos jornais de segunda – foi francamente modesto. Entre os políticos, por sua vez, salva-se a distinta excepção de Ana Gomes, que aqui já se elogiou na semana passada.
3. Rui Rio esteve bem, francamente bem, mesmo muito bem. Primeiro, ao distinguir claramente os patamares político e ético do plano judicial. Uma coisa é a investigação criminal em curso, outra é a relevância política e ética de uma alegação daquele teor. Ela tem relevo político e ético de per se – em qualquer país do mundo! – e exige uma explicação cabal e tempestiva do visado. Para além disso, ela impõe uma tomada de posição por parte do partido do Governo de que fez parte e, com redobradas razões, quando todo esse exercício governativo está sob forte suspeita, por José Sócrates, então primeiro-ministro e secretário-geral do PS, ser alvo da mais grave acusação criminal da nossa democracia. Finalmente, e especialmente na falta destes dois primeiros passos, ela postula uma tomada de posição de todos os restantes partidos políticos. Para lá de tudo isto, era expectável que toda a comunicação social, a quem cabe uma irrenunciável obrigação de escrutínio democrático, não tivesse cessado de demandar uma explicação cabal e até de criticar a aparente passividade da classe política. Tirando excepções, foi impressionantemente branda e pacata.
Segundo – e ao contrário da crítica fácil e forçada de que falou tarde –, Rui Rio esteve bem ao dar tempo para que o visado se explicasse e (ou) para que o PS, partido que o fez ministro, tomasse uma posição. Por um lado, se o ex-ministro Manuel Pinho tivesse vindo a terreiro dar algum esclarecimento, o assunto poderia ter ficado clarificado. Por outro, se o PS, enquanto partido do governo da época, tomasse a iniciativa de forçar um esclarecimento e de se distanciar das práticas alegadas, o dano infligido à credibilidade do sistema político seria decerto menor. Rui Rio, ao dar aqui uma moratória a Pinho e ao PS, mostrou bem pôr os interesses institucionais acima da mera conflitualidade partidária. A verdade é que, perante a persistência incompreensível do silêncio do visado e do establishment socialista, Rui Rio teve de actuar. Rui Rio teve a coragem de falar. E uma coisa é certa: fê-lo antes de qualquer outro líder partidário e fê-lo através de uma declaração pessoal, não se escondendo atrás de um dirigente de outra linha. Não delegou no líder parlamentar nem em vice-presidentes: atenta a seriedade e gravidade o assunto, fez questão de assumir pessoalmente a exigência de escrutínio.
4. Não tem razão Manuel Pinho nem o seu advogado em esperar pela audição em sede de investigação para prestar esclarecimentos na instância parlamentar. A esfera política e ética nada tem que ver com a jurisdicional, já se disse. E a questão que unicamente interessa é de uma simplicidade desconcertante: ou Manuel Pinho recebeu dinheiro por fora ou não recebeu. Ponto final. Tão simples que chega a chocar que seja necessária uma comissão de inquérito.
O PS diz agora que viabiliza a audição e que a toma como útil e conveniente. Chega tarde, a desoras e a reboque de Rui Rio e do PSD. O PS e a sua liderança tem mesmo de tomar uma posição sobre este caso e ainda sobre a acusação a Sócrates. Independentemente da questão jurídica, e só considerando o que Sócrates já admitiu, o padrão de comportamento de alguém que foi líder do PS e primeiro-ministro é política e eticamente inaceitável. O PS e os dirigentes que com ele trabalharam nos governos de 2005-2011, muitos deles hoje de novo no Governo, devem ao país uma tomada de posição inequívoca.
O branqueamento feito pelo Bloco de Esquerda, sempre cheio de arrogância ética e de presunção de exemplaridade, diz tudo sobre o seu lendário duplo padrão. De resto, seguido em moldes mais contidos e formais pelo PCP. Se Manuel Pinho tivesse integrado um governo do PSD e do CDS, o Bloco já teria rasgado as vestes. Agora que lhe caiu a máscara, vem ainda atrás do prejuízo – julgando que ultrapassa o PSD e Rui Rio – pedir uma comissão de inquérito. E o PS, tendo acordado lesto, lestíssimo, na segunda-feira, já se lhe colou: afinal também quer uma comissão de inquérito. Mas uma coisa é certa: PS e Bloco vêm a reboque da exigência de Rui Rio. Se este não tivesse falado, prosseguiriam postos em sossego.
Por fim, o CDS que, depois do seu Congresso, parece estar rendido ao cúmulo do tacticismo. Assim foi quanto à questão russa, em que, pela primeira vez na sua história, titubeou, assobiou para o lado e não se assumiu como atlantista. Assim tem sido, para grande espanto, nesta matéria ética e política de primeiro relevo, em que procura passar despercebido.
Uma coisa é certa, houve silêncio e não falta agora barulho e ruído. Mas, diga-se o que se disser, só um partido e um líder romperam a insuportável barreira do silêncio: o PSD e Rui Rio.
SIM e NÃO
SIM. Margarida Balseiro Lopes. No discurso do 25 de Abril, a líder da JSD inovou na matéria e na forma, marcando a sessão. Nem a luta contra a corrupção lhe escapou.
NÃO. Donald Trump. O risco de uma guerra comercial, de efeitos imprevisíveis, é cada vez maior. A diabolização demagógica da Europa e do Japão não augura bons tempos.