E que tal “Museu da Arrogância Convicta”?
Na crónica de Sérgio Sousa Pinto prevalece a atitude do futuro pai que acha que se o filho não se puder chamar pelo nome que ele prefere então o melhor é que se chame “coiso”. Na de Miguel Sousa Tavares temos a típica generosidade de caráter de quem acha que só se deve prestar atenção àqueles que antes tenham prestado um serviço a Miguel Sousa Tavares.
Há pouco mais de dez anos os cientistas da União Astronómica Internacional decidiram que Plutão não deveria continuar a ser considerado um planeta. Não foi por causa do “politicamente correto”, mas porque o consenso científico sobre Plutão mudou. Mesmo assim não faltou quem se abespinhasse. Ou porque há sempre gente para achar que, se uma vez aprendeu que Plutão era um planeta, Plutão tem de continuar a ser um planeta. Ou porque os académicos são uns chatos e os especialistas gente que é preciso contrariar sempre que apareça uma ocasião.
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Há pouco mais de dez anos os cientistas da União Astronómica Internacional decidiram que Plutão não deveria continuar a ser considerado um planeta. Não foi por causa do “politicamente correto”, mas porque o consenso científico sobre Plutão mudou. Mesmo assim não faltou quem se abespinhasse. Ou porque há sempre gente para achar que, se uma vez aprendeu que Plutão era um planeta, Plutão tem de continuar a ser um planeta. Ou porque os académicos são uns chatos e os especialistas gente que é preciso contrariar sempre que apareça uma ocasião.
No passado dia 12 de abril foi divulgada uma carta, subscrita por mais de uma centena de historiadores, que tencionava abrir um debate sobre a designação a dar a um futuro museu em Lisboa que tem sido apresentado como “das descobertas”. Como declaração de interesses, devo dizer que sou um dos signatários da carta, embora não tenha sido nem seu iniciador nem redator. Olhando para os colegas que a assinam, vejo gente de esquerda e de direita, metodologicamente conservadores ou desconstrucionistas, especialistas nas tragédias da escravatura ou nas grandezas das inovações científicas quinhentistas, membros de sociedades patrióticas ou estrangeiros que têm feito muito pela divulgação da história portuguesa, de Yale a Coimbra, da Nova e da Clássica, da Sorbonne ou da Federal Fluminense, descendentes de colonizadores e colonizados, gente a quem o “politicamente correto” diz muito, pouco, nada ou até contraria solenemente. A intenção era, como digo, abrir um debate — e não fechá-lo. Até porque a carta não dava para o museu um nome que fosse indicado pelos historiadores, apenas notava que muitos dos fenómenos a tratar no futuro museu (entre os quais a escravatura) não são descobertas.
Qual foi a resposta a esse repto? Dois exemplos apenas, tirados do mesmo jornal — o Expresso — onde a carta foi inicialmente publicada. Na semana passada Sérgio Sousa Pinto, deputado socialista, zurze no que considera ser uma “espantosa polémica” e diz que se o museu não puder ser das descobertas então que seja o “Museu Nacional Daquilo”. Esta semana Miguel Sousa Tavares não se deixa ficar para trás e chama à iniciativa dos historiadores o “esplendor do politicamente idiota”. Particularmente reveladora é uma passagem da crónica de Sousa Tavares em que este se queixa de não ter encontrado para a escrita do seu romance histórico sobre São Tomé e Príncipe nenhuma obra de referência histórica que o ajudasse. Em ambos os casos, a lógica é imbatível. Na crónica de Sérgio Sousa Pinto prevalece a atitude do futuro pai que acha que se o filho não se puder chamar pelo nome que ele prefere então o melhor é que se chame “coiso”. Na de Miguel Sousa Tavares temos a típica generosidade de caráter de quem acha que só se deve prestar atenção àqueles que antes tenham prestado um serviço a Miguel Sousa Tavares.
E se ambas as atitudes têm relevância é só porque elas fielmente mimetizam a ligeireza da posição política de quem acha que, num tema tão importante como este, não é preciso ouvir quem pense diferente deles ou considerar a posição de quem precise de um museu destes por razões diferentes das suas.
Claro que alguns certamente me dirão que o museu deve ter “as coisas boas” e “as coisas más” da história, sendo que fazem tudo para ridicularizar a mínima sugestão de que o nome deva ser, nem sobre “as coisas boas” nem sobre “as coisas más”, mas simplesmente refletido e rigoroso. E outros dirão que “descobrimentos” era palavra que já se usava no século XVI, esquecendo-se que o título de Dom Manuel era o de senhor “da conquista, navegação e comércio” e que neste último se incluiria o trato de escravos.
Mas para quê cansarmo-nos? Quando abrir o museu dêem a Sérgio Sousa Pinto a incumbência de fazer a leitura paleográfica dos documentos em exposição e contem com Miguel Sousa Tavares para contribuir com os dotes de pesquisador que não lhe permitiram achar obras de referência sobre a história de São Tomé. Experimentem fazer o museu ligando tão pouco aos historiadores como ligaram quando foi para lhe decidir o nome.
E já agora, se abrirem um novo planetário, marimbem-se também nos astrónomos e ponham Plutão como planeta para contentar os políticos e cronistas instalados. O ar do tempo foi definido por certo político britânico que dizia, antes do referendo do Brexit, “estamos fartos de especialistas”.