“Estamos a falar de um actor político com 15 milhões de representantes na Europa”
Coordenador de programas do Conselho da Europa, Marcos Andrade, realça o pouco peso relativo dos ciganos no espaço público.
Marcos Andrade é um português de 44 anos que tem feito carreira no Conselho da Europa, em França. Trabalha na Unidade de Parceria Estratégica – Equipa Ciganos e Viajantes. Nessa qualidade, tem coordenado diversos programas que visam promover o diálogo intercultural, a qualidade da mediação e a participação democrática. A Academia Política das Comunidades Ciganas é mais uma dessas iniciativas.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Marcos Andrade é um português de 44 anos que tem feito carreira no Conselho da Europa, em França. Trabalha na Unidade de Parceria Estratégica – Equipa Ciganos e Viajantes. Nessa qualidade, tem coordenado diversos programas que visam promover o diálogo intercultural, a qualidade da mediação e a participação democrática. A Academia Política das Comunidades Ciganas é mais uma dessas iniciativas.
O Conselho da Europa quis replicar em Portugal experiências que têm tido noutros países?
Eu não diria bem replicar. Os exemplos que temos de intervenção na Bósnia-Herzegovina ou na Ucrânia não se aplicam aqui. A aritmética eleitoral não é a mesma, nem a demografia cigana, a consciencialização política, as cumplicidades políticas. O que é válido replicar aqui são alguns princípios de intervenção que passam por coisas como trabalhar a consciencialização do povo cigano como um actor político local, mas também nacional e europeu. Estamos a falar de um actor político com 15 milhões de representantes na Europa. No espaço da União Europeia seria um Estado médio, quase grande.
Quais os pilares?
O primeiro é trabalhar a consciência política, o pensamento político cigano de que a comunidade cigana portuguesa tem estado muito alheada, porque é muito periférica. Outro aspecto é capacitar os formandos para interpretar o sistema político em que estão inseridos, a nível local, nacional, europeu, para o poderem utilizar, no bom sentido da palavra. Um terceiro aspecto é garantir o retorno destas experiências.
E evitar a fuga de cérebros ciganos?
Sim, o brain drain roma. A emancipação profissional dos ciganos leva-os muitas vezes a abandonarem a afirmação da sua identidade. Para progredirem profissionalmente, têm de se afastar, não só fisicamente, mas também emocionalmente da sua comunidade, que é a sua família. Muitas vezes, são processos de grande sofrimento, de grande drama pessoal. O retorno para a comunidade torna-se difuso ou inexistente. Há uma rejeição da comunidade. Isso é quase um aspecto contractual destas academias: combater esse abandono da comunidade, evitar que os mais capazes da comunidade sejam os primeiros a abandoná-la, em vez de serem os que mais trabalham em prol do seu desenvolvimento.
Como é que isso se faz?
Estas academias servem também para capacitar os formandos para combater o anticiganismo, o discurso do ódio. Sabemos que uma das formas de fazer esse combate é por via das afirmações positivas, das lideranças incontestadas. Quando trabalhamos a questão da participação dos ciganos não é com o intuito de aproveitar o voto cigano, é pelo potencial de serem eleitos pelo voto cigano e não cigano.
Em diversos países de Leste há um número expressivo de autarcas ciganos, mas vamos ver e amiúde são pequenos municípios com uma maioria de população cigana...
Na Macedónia, há um município em que todo o poder autárquico é cigano, porque todo o município é cigano. Também há sítios onde os ciganos, sendo minoria, determinam as maiorias. A Roménia tem muitos exemplos de ciganos presidentes de câmara onde a comunidade cigana não é maioritária. Há muitas realidades por aí fora. Ainda assim, o peso relativo que os ciganos têm no espaço público é muito inferior àquilo que a demografia ditaria na maior parte dos países.
Como vê o caso português?
Há pouca experiência, sobretudo. Porquê? Porque não há um chamamento? Porque não há gente preparada? Porque os partidos estão fechados? Porque os ciganos não pensam nisso? Porque os ciganos são chamados para o momento eleitoral, manipulados nesse momento e depois ignorados na participação efectiva na vida do município? Primeiro do que nada, há que fazer esse questionamento. Esta academia também é isso.
A comunidade cigana está dispersa. Também não tem um peso eleitoral por aí além. Mas vimos nas últimas autárquicas que, interpretámos nós, em Moura e em Beja o voto cigano articulado definiu maiorias. Quer isto dizer que pode definir alterações no poder. E temos ao contrário disso. Estamos em Torres Vedras onde durante muitos anos um cigano [Carlos Miguel, actual secretário de Estado das Autarquias Locais] foi eleito presidente e não foi pelo voto cigano, que é muito minoritário.