Cannes apoia Terry Gilliam: “Criar questões sempre foi a estratégia preferida de Paulo Branco”
Organização do festival recusa a assumir posições acerca de acções judiciais e acusa o produtor português de difamação. Paulo Branco diz que Cannes “não está acima da lei”.
A direcção do Festival de Cannes saiu esta segunda-feira em defesa do realizador Terry Gilliam e do filme O Homem Que Matou D. Quixote, deixando críticas ao produtor Paulo Branco por causa de uma disputa judicial iniciada a 25 de Abril.
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A direcção do Festival de Cannes saiu esta segunda-feira em defesa do realizador Terry Gilliam e do filme O Homem Que Matou D. Quixote, deixando críticas ao produtor Paulo Branco por causa de uma disputa judicial iniciada a 25 de Abril.
"Afirmamos firmemente que estamos do lado dos realizadores e, em particular, do lado de Terry Gilliam. Sabemos como este projecto, que passou por tantas provações e tribulações, é importante para ele", afirmaram o presidente do festival de Cannes, Pierre Lescure, e o delegado geral, Thierry Frémaux, em comunicado conjunto.
Em causa está uma acção de interdição interposta pelo produtor português Paulo Branco, através da produtora Alfama Films, para impedir que o festival de Cannes exiba o filme de Terry Gilliam no encerramento desta 71.ª edição. Por decisão judicial do Tribunal de Paris, está marcada uma audiência para segunda-feira, 7 de Maio, véspera de abertura do festival, que decidirá se o filme poderá ou não ser exibido.
"Durante o Inverno, quando o filme O Homem Que Matou D. Quixote nos foi apresentado por Terry Gilliam pela Kinology Films e pela distribuidora Océan Films, o sr. Branco informou-nos que iria interpor uma acção judicial contra o realizador depois do fim das relações entre ambos após a pré-produção do filme", lê-se no comunicado. "Estas disputas legais são comuns. O Festival é informado delas com frequência, mas não é da sua responsabilidade tomar qualquer posição sobre o assunto."
"A missão do Festival de Cannes é escolher os trabalhos exclusivamente com base na arte e a selecção deve, acima de tudo, ser aprovada pelo realizador do filme. É este o caso", continua. "Não agimos de forma descuidada ou por 'motivos de força maior', como o sr. Juan Branco [filho de Paulo Branco] disse à imprensa. Toda a nossa indústria sabe que 'criar questões' sempre foi a estratégia preferida do sr. Branco."
"Há alguns anos", recorda a direcção de Cannes, "organizou uma conferência de imprensa onde denunciou que o Festival não cumpriu 'a promessa de seleccionar' um dos seus filmes. Esta acusação não foi a lado nenhum porque o Festival não faz promessas de selecção de filmes: ou os selecciona ou não. Hoje o sr. Branco permitiu ao seu advogado recorrer a intimidações e difamações, tão ridículas quanto eles são ridículos". O comunicado sublinha que o produtor português usou Cannes "ao longo da sua carreira para construir a sua própria reputação".
A organização considera que, com a acção judicial, Paulo Branco "mostrou a verdadeira face de uma vez por todas" ao ameaçar, através do advogado, "com uma derrota humilhante". "Derrota seria sucumbir às ameaças", lê-se. O festival garante que respeitará a decisão do tribunal.
Paulo Branco afirmou por seu lado, nesta segunda-feira, que o Festival de Cannes "não está acima da lei" e recusou as críticas feitas pelos responsáveis do evento no âmbito do processo que o opõe a Gilliam. Num comunicado assinado pela advogada Claire Hocquet, que o representa e à Alfama Films, em reacção à tomada de posição pelos dirigentes do festival sobre o processo legal em torno de O Homem Que Matou D. Quixote, rejeitou que utilize qualquer "método de intimidação ao recorrer à justiça para fazer valer os seus direitos" e afirmou que "a virulência e agressividade do tom [do festival de Cannes] não mudarão nada".
"O Festival de Cannes, apesar de estar ao corrente de todos os processos, decidiu ignorar as decisões dos tribunais e foi por essa razão alvo de um processo de interdição. É indecente, para não dizer abjecto, que o Festival de Cannes, para se justificar, compare a situação de Terry Gilliam, que se recusa a respeitar decisões judiciais num Estado de direito, à dos realizadores vítimas de repressão e censura nos seus países", realçou Branco.
"O Festival de Cannes esquece assim que sem os produtores, que assumem os riscos financeiros, nem os filmes, nem o Festival existiriam. Durante 16 anos, de 2000 a 2016, Terry Gilliam não arranjou um único produtor que tenha aceite retomar este projecto. Se o filme existe hoje é graças ao trabalho e aos investimentos realizados pela Alfama Films Production e Paulo Branco, quando já ninguém acreditava neste projecto", acrescenta o comunicado do produtor.
No centro desta polémica está pelo menos um processo judicial que opõe o realizador Terry Gilliam ao produtor Paulo Branco, por causa de O Homem Que Matou D. Quixote. O projecto chegou a contar com produção de Paulo Branco, mas Terry Gilliam acabou por não concretizar a parceria, alegadamente por problemas de financiamento, optando por trabalhar com outra produtora portuguesa, a Ukbar Filmes.
Terry Gilliam pediu a anulação do contrato de produção com a produtora Alfama Films, de Paulo Branco, mas, no ano passado, o Tribunal de Grande Instância de Paris declarou que aquele continua válido. O Homem Que Matou D. Quixote, um projecto antigo de Gilliam, é uma co-produção entre Portugal, Espanha, França, Bélgica e Inglaterra, com um orçamento de cerca de 16 milhões de euros, que teve filmagens em Portugal.