Empresa de barrigas de aluguer quer abrir representação em Portugal

Uma agência de barrigas de aluguer israelita com sedes espalhadas em vários pontos do mundo vem dar uma palestra a Lisboa sobre os seus serviços no próximo fim-de-semana. O P2 conversou com o dono, Roy Rosenblatt-Nir, que afirma estar a estudar a abertura, a curto prazo, de uma “representação” em Portugal.

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Cara Olinger/Getty Images

A data para a palestra de Roy Rosenblatt-Nir, num hotel em Lisboa, estava marcada muito antes da recente polémica em torno do “chumbo” do Tribunal Constitucional de várias normas que regulamentavam a Lei da Procriação Medicamente Assistida (PMA), em que se incluiu a gestação de substituição. No próximo fim-de-semana, o CEO da Tammuz Family, uma agência internacional de surrogacy (o equivalente em português a barrigas de aluguer), e com a ajuda de advogados portugueses, vem “explicar como é o processo na Ucrânia e nos Estados Unidos”. São estes os países com quem trabalha, por terem legislações que considera serem “muito boas” para “ajudar” as pessoas que, pelos mais diversos motivos, não podem ter filhos. Depois, num futuro próximo, pretende abrir em Portugal “uma representação”, com vista atender as dezenas de pedidos de cidadãos nacionais que lhe chegaram ao seu escritório no Brasil.

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A data para a palestra de Roy Rosenblatt-Nir, num hotel em Lisboa, estava marcada muito antes da recente polémica em torno do “chumbo” do Tribunal Constitucional de várias normas que regulamentavam a Lei da Procriação Medicamente Assistida (PMA), em que se incluiu a gestação de substituição. No próximo fim-de-semana, o CEO da Tammuz Family, uma agência internacional de surrogacy (o equivalente em português a barrigas de aluguer), e com a ajuda de advogados portugueses, vem “explicar como é o processo na Ucrânia e nos Estados Unidos”. São estes os países com quem trabalha, por terem legislações que considera serem “muito boas” para “ajudar” as pessoas que, pelos mais diversos motivos, não podem ter filhos. Depois, num futuro próximo, pretende abrir em Portugal “uma representação”, com vista atender as dezenas de pedidos de cidadãos nacionais que lhe chegaram ao seu escritório no Brasil.

“Portugal não está dando uma boa solução para quem precisa de ter filhos”, diz Rosenblatt-Nir numa conversa por telefone com o P2, a partir de Kiev. Este empresário israelita é fluente em português, pois viveu vários anos no Brasil como cônsul de Israel. Foi lá que conheceu a agência de que agora é dono. Os epítetos com que tem sido classificado pela imprensa brasileira vão desde “guru da reprodução” a “explorador” de mulheres brasileiras com problemas financeiros.

Apesar desta ligação ao Brasil, Rosenblatt-Nir diz ao P2 que a Tammuz não trabalha com mulheres brasileiras, nem como doadoras nem como gestantes. O site da empresa tem uma alínea a dar conta disso mesmo. À semelhança de outros, o site está disponível em várias línguas, incluindo espanhol, inglês e ucraniano. De resto, há possibilidade de escolha da surrogate (gestante) e também da doadora de óvulos. Por exemplo, lemos que é obrigatório que a candidata já tenha passado por uma gravidez sem contratempos. “Além disso, realizamos diversos exames para saber se a saúde dela está perfeita, para que nada arrisque a sua vida ou a vida do bebé. Fazemos também avaliações psicológicas para nos certificarmos de que ela entende o processo, está segura, de que não existe nenhuma pressão externa e de que há, nessa atitude, uma motivação altruísta, além da financeira”, detalha a página da Tammuz.

À primeira vista, o negócio da Tammuz Family é muito semelhante ao de uma agência de viagens: há “soluções” para todos os casos, um preço-base, destino e serviços clínicos e jurídicos.  Assim, um casal heterossexual casado pelo civil gastará, no início, 45 mil dólares (cerca de 37 mil euros) para ter um bebé, se o destino for a Ucrânia. O preço sobe para mais do dobro (100 mil dólares/82,3 mil euros) se os clientes não forem nem casados nem heterossexuais, sendo que, nestes casos, o destino sugerido é a Califórnia, nos EUA, onde a legislação é totalmente aberta.

Sobre preço dos seus serviços, o empresário não tem dúvidas: “Não tem como dizer que não é caro”. Afirma que gostaria de conseguir um “preço razoável porque cada um quer a sua parte”. “Mas qual é a alternativa?”, pergunta. “A alternativa é não ter”, responde logo de seguida. Questionado sobre se não estará a contribuir para uma sociedade em que só os ricos podem ser pais, Rosenblatt-Nir garante que “não tem como” fazer mais barato.

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O dono da Tammuz Family admite que os preços dos serviços da sua empresa são elevados DR

“A nossa ideologia é não discriminar ninguém”, avança este israelita de 42 anos, homossexual, casado e pai de dois filhos. Foi durante a sua estada no Brasil como cônsul que teve contacto com a agência de que agora é responsável: “Na época, um casal de amigos procurou-nos porque queria entender como o processo funcionava para realizarem o sonho da paternidade também. Depois disso, nós [marido e dois filhos] voltámos para Israel, porque a minha missão como cônsul acabou. Decidimos, então, trazer a agência para o Brasil e facilitar o serviço para os brasileiros”.

Rosenblatt-Nir vem agora apresentar os serviços da empresa aos portugueses interessados em terem filhos, através de uma palestra onde é necessária uma inscrição prévia. Sobre a legalidade desta acção, o empresário afirma que “a proibição da publicitação das barrigas de aluguer é só referente aos processos feitos em Portugal”.

Como outros agentes internacionais atentos ao que se passa no resto do mundo, Roy confirma que a “busca pela técnica [de gestação de substituição] no exterior também é motivada devido à ausência de legislação que regulamente a prática nos países de origem dos clientes”. Apesar de os procedimentos clínicos serem feitos ou na Ucrânia ou nos Estados Unidos, a Tammuz afirma ter soluções para eventuais problemas com o registo e nacionalidade dos bebés. Certo é que o debate em torno destas questões, que ultrapassam as jurisdições de cada país envolvido, está longe de ter terminado.

“Em todos os países em que actuamos, o registo de nascimento será emitido no nome do pai e da mãe ou, nos casos de casais homo-afectivos, constará o nome de ambos os pais”. “Os trâmites legais dependem muito do país onde o processo de surrogacy [gestação] será realizado”, acrescenta. Para além de outras informações sobre os doadores (ou doadoras), a Tammuz garante no seu site que os futuros pais receberão um “historial médico-familiar” dos envolvidos, mas não apresenta nenhum corpo clínico próprio.

A empresa tem escritórios em vários pontos do mundo: “Brasil, Austrália, Estados Unidos, África do Sul, Índia, Suécia, Dinamarca e, em breve, na Argentina”. “Já tivemos pais noruegueses, ingleses, espanhóis, alemães, franceses, holandeses, austríacos, etc.. Os europeus representam 30% dos nossos clientes”, revela o empresário.

“Acredito que [o direito à paternidade e maternidade] é uma questão de direitos humanos”, defende Roy. Desde que exista dinheiro para tal, entenda-se. E isto apesar de considerar que presta um serviço que não é como outro qualquer: “É um serviço que tem de ser tratado com muito juízo” e no qual é preciso “saber que toda a gente está protegida”. Ou seja, tem de ser gratificante para todos os envolvidos, ainda que de formas diferentes. Para uns, pode ser a vontade da parentalidade, que não era possível no país de origem por um motivo de saúde ou outro qualquer; para outros, a compensação financeira por doar o seu corpo durante o tempo de gestação. Em troca da realização de um desejo existe compensação financeira.

“Para todos os lados [é observada] uma ética”, acrescenta o empresário. Questionado sobre quais as balizas dessa ética, defende que não é a ele que cabe defini-las: “Nós não somos juízes, não temos o direito de dizer ‘você não tem direito’ [a ser pai ou mãe], mas é claro que se chegar algum caso duvidoso”, sublinha o israelita, não lhe dá seguimento. Situação que afirma ter acontecido uma vez, entre as centenas de processos atendidos. Era o caso de alguém que pensava que não podia ter filhos de forma natural e que acabou por ser encaminhado para um psicólogo “após uma longa conversa”. Os serviços clínicos da empresa fazem “sempre uma longa conversa” com os requerentes para se perceber se estão em condições de dar início ao processo. Ao todo, segundo adiantou ao P2, já foram mais de 650 as crianças nascidas através dos seus serviços, em quase dez anos de actividade.

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Anúncio da Tammuz Family em hebraico. “A nossa ideologia é não discriminar ninguém”, apregoa Roy Rosenblatt-Nir DR

 

“Quer melhor publicidade que a do Cristiano Ronaldo?”

A agência de Roy, sediada em Israel, não é nova nem é única. Basta uma pesquisa na Internet e nas redes sociais para se encontrarem vários sites e vários “pacotes” para resolver os casos mais diversos, incluindo até a escolha do sexo do bebé. Alguns estão traduzidos para português e, até agora, não existe nenhuma lei que impeça qualquer pessoa de entrar em contacto com estas empresas.

Apesar de ainda não existir publicidade no sentido tradicional do termo, o recurso a estas agências é desde há uns anos conhecido e falado. A Tammuz está longe de estar sozinha neste mercado de que ainda muitos falam à boca pequena, mas que os portugueses conhecem, sobretudo, através da mediatização de alguns casos de figuras públicas.

“Quer melhor publicidade que a do Cristiano Ronaldo?”, exemplifica André Dias Pereira, membro  da CNCV (Comissão Nacional de Ética para as Ciências da Vida) e uma voz desde sempre crítica da promulgação do diploma que veio regulamentar a gestação de substituição. Para este professor da Faculdade de Direito de Coimbra, “as portas ao turismo reprodutivo já estavam abertas antes”. Contudo, concorda que, agora, depois do chumbo do TC, “fica mais apelativo ir a um país que tenha tudo de acordo com as regras dos contratos”.

“Eu concordo com a Convenção dos Direitos Humanos e Biomedicina e concordo com a Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, que diz que o corpo humano enquanto tal não deve servir de fonte de lucro ou ter um preço”, afirma. “Aliás, ser humano não deve ter um preço na sua globalidade”, disse ao P2. Nessa medida também, não discorda do recente chumbo do Tribunal Constitucional que “quis aproximar o processo à adopção e menos a uma prestação de serviços”.

E se os filhos quiserem conhecer os progenitores?

A questão do anonimato dos dadores é um dos pontos onde existe mais discórdia e André Dias Pereira – que também já defendeu várias teses de mestrado sobre estas matérias – diz que “tendencialmente” aproxima-se do acórdão (do Tribunal Constitucional), que, na sua opinião, quer proteger a dignidade da pessoa humana e é “mais amigo da mulher”, ao quebrar também a relação contratual que a obrigava a entregar a criança aos pais. “O anonimato viola o direito da criança, daqui a 20 ou 30 anos, de saber a sua origem. Acho que esse direito faz sentido”, explica ao P2.

Para Roy Rosenblatt-Nir, o problema em torno do anonimato “não existe”. E baseia-se no seu exemplo pessoal: “Sou pai de dois filhos e, em nossa casa, essa pergunta não existe”. Por isso fez um livro chamado A História de Saar e Rotem, onde é contada a forma como eles nasceram e que inclui as fotografias da barriga onde estiveram. “Eles crescem com isso em mente, não existem coisas complicadas”, remata. “Cada um na vida tem [as suas] dificuldades. A gente supera, né?”