Gosto deste poema porque…
Jogos Florais é uma revista online de poesia e crítica. O prato forte são leituras de poemas recentes, mas o menu inclui entrevistas, inéditos, traduções e outras iguarias. Tudo servido com graça e precisão.
No princípio não foi o Verbo, nem sequer o verso, parece que terá sido uma pizza de figos seguida de bolo de chocolate à moda de Viena. A cronologia não é clara, mas as escassas informações disponíveis sugerem que os croquetes, os melhores de Lisboa, só terão chegado bastante mais tarde, a consolidar um projecto já em pleno andamento. Foi portanto à mesa, num dia de Verão, que nasceu esta ideia de uma revista digital dedicada à poesia e à crítica. Veio depois a chamar-se Jogos Florais por inspiração de Madalena Alfaia, da editora Tinta da China, que sugeriu também a secção de inéditos, mas que não integra o quinteto executivo, cujos rostos podem aqui apreciar-se, desenhados por Manuel San Payo com essa mesma bem-humorada leveza que é uma das marcas de água da revista.
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No princípio não foi o Verbo, nem sequer o verso, parece que terá sido uma pizza de figos seguida de bolo de chocolate à moda de Viena. A cronologia não é clara, mas as escassas informações disponíveis sugerem que os croquetes, os melhores de Lisboa, só terão chegado bastante mais tarde, a consolidar um projecto já em pleno andamento. Foi portanto à mesa, num dia de Verão, que nasceu esta ideia de uma revista digital dedicada à poesia e à crítica. Veio depois a chamar-se Jogos Florais por inspiração de Madalena Alfaia, da editora Tinta da China, que sugeriu também a secção de inéditos, mas que não integra o quinteto executivo, cujos rostos podem aqui apreciar-se, desenhados por Manuel San Payo com essa mesma bem-humorada leveza que é uma das marcas de água da revista.
De poemas inéditos de A. M. Pires Cabral, Daniel Jonas ou Miguel-Manso a traduções de Emily Dickinson ou das Pussy Riots, de entrevistas a Alberto Pimenta ou Adília Lopes a ensaios de Joaquim Manuel Magalhães ou António M. Feijó, dos versos de Yeats traduzidos para emojis aos de Bernardim usados para alívio da asma, da perturbante informação de que Nabokov terá ponderado chamar Virginia à Lolita ao excerto do filme de Kubrick em que James Mason recita à sua por assim dizer pupila o mesmo “Ulalume” que Poe algum dia terá sussurrado à sua Ginny, estes Jogos Florais compõem um ramalhete tão aprazível quanto variado. Mas o coração da revista está nas secções Poemas de agora e Poemas de antes, com as suas análises breves e muitas vezes divertidas, mas também quase sempre perspicazes e surpreendentes.
Escritas pelos responsáveis da revista, por convidados ou por voluntários, as críticas que comentam “poemas de agora” (leia-se: publicados a partir do ano 2000) devem começar com as palavras “Gosto deste poema porque…”. Já as que resgatam de um presumível olvido poemas mais antigos abrem com a fórmula “Este poema não devia ter sido esquecido porque”. Regras simples, mas que afastam estes textos críticos quer das análises mais convencionalmentes académicas, quer de um tipo de recensão jornalística cujo propósito central (usando argumentos e estrelas em proporções variáveis) é cotar os poemas no mercado literário. Exercício menos frequente, mas talvez mais útil para outros leitores, é tentar explicar o que é que o poema tem ao certo que faz com que funcione para nós, e é justamente isso que tem de fazer quem se propuser concluir sem batota a frase “Gosto deste poema porque…”.
Esta secção já vai neste momento em 30 poemas e respectivas leituras, e a cada novo número dos Jogos Florais, que arrancaram há meio ano e têm periodicidade mensal, esta espécie de antologia comentada vai engrossando, e não apenas com leituras de poemas portugueses, mas também ingleses, ou ainda vertidos de outras línguas para estes dois idiomas. Quase todo o site, de resto, é bilingue, o que o torna um contribuinte nada despiciendo para a exígua bolsa de poemas portugueses recentes já traduzidos para inglês.
Plagiando a lógica do projecto, pedimos aos organizadores que completassem a frase “Achei boa ideia criar os Jogos Florais porque…” e que indicassem também alguma secção ou contribuição específica de que gostassem particularmente. A primeira conclusão a tirar, a par de outras não menos edificantes, é que em todos eles a paixão pela poesia convive muito satisfatoriamente com outros interesses mais literalmente gustativos.
Balada da Neve em emojis
“Achei boa ideia criar os Jogos Florais porque a comer um bolo de chocolate à moda de Viena aceito facilmente novos desafios. E um almoço há coisa de um ano com a Maria deu nisto, felizmente”, diz Joana Meirim, que é professora da Universidade Católica Portuguesa (UCP) e se doutorou com uma tese sobre Jorge de Sena e Alexandre O’Neill. “Tenho particular apreço por poetas modestos”, justifica.
No site, Joana destaca a secção de entrevistas: “tem sido um gosto encontrar e reencontrar pessoas que admiramos”. A par das já referidas entrevistas a Alberto Pimenta e Adília Lopes, a Jogos Florais conversou também com Paulo da Costa Domingos (a não perder), Pedro Tamen e Lorraine Mariner, poetisa britânica de quem Maria Sequeira Mendes comenta, na secção Poemas de agora, “There is nothing wrong with my sister”, especialmente recomendado, diz a revista, a quem tenha sido traído ou conheça quem o foi.
E há três novas entrevistas a publicar em breve, todas elas feitas em Inglaterra, e das quais o PÚBLICO está em condições de adiantar alguns tópicos: a poetisa neozelandesa Fleur Adcock garante que passa dias a tentar ouvir o ritmo de um verso, o irlandês Michael Longley fala sobre o IRA, orquídeas e lontras, e a britânica Wendy Cope conta que cita poemas a si própria quando vai ao dentista e recorre às histórias do ursinho Puff para explicar que “friends” e “send” nunca poderão rimar.
“Achei boa ideia criar os Jogos Florais porque a Maria e a Joana me ofereceram uma pizza de figos”, diz Sara Carvalho, a talentosa designer gráfica da equipa, que criou uma linha de capas de livro para cada secção da revista, todas elas utilizando um desenho de Alice Geirinhas que funciona como logótipo do projecto. “A Sara Carvalho é a grande responsável pelo sucesso que o site tem tido, porque se não fosse tão bonito, ninguém olhava”, observa Ana Maria Pererinha.
“Eu não sou dos livros nem da literatura, tenho desde pequena uma relação mal resolvida com a Balada da Neve e, para além do início de Tabacaria, os únicos poemas que sei de cor são canções”, diz Sara, que estudou matemática antes de se dedicar “a fazer coisas mais (ou menos) coloridas”.
Diz que não é fácil apontar predilecções na revista, mas destaca ainda assim a leitura que Akihiko Shimizu, professor de Japonês na Universidade de Edimburgo, faz do poema Lion of Philosophy, de Kudo Naoko, ou da leitura de António Ramalho de um poema de Florbela Espanca, que o crítico valoriza “porque combina tensão erótica e decoração de interiores”, e ainda a secção de poemas traduzidos para emojis, a cargo de Marta Brito, que a “ajudou a fazer as pazes” com o poema de Augusto Gil.
Seriedade e leveza
“Achei boa ideia criar os Jogos Florais porque penso que quem não é para comer não é para ler e a Maria não me convidou para o habitual “lanche” mas para um almoço (assunto sério, portanto), que depois acabou por ser também com a Joana numa tasquinha chamada O Cantinho da Amizade”, diz a editora e tradutora Ana Maria Pereirinha. “Quando, chegadas à fase dos lanches de trabalho, percebi que a Sara era a única pessoa capaz de competir comigo na apreciação dos melhores croquetes de Lisboa, soube que formávamos uma equipa com verdadeira capacidade para dar sustento aos ‘subalimentados do sonho’, como lhes chamou a Natália”, prossegue Ana Maria, confessando que ela própria “andava há vários anos desnutrida de poesia”, pelo que “foi um autêntico banquete”.
Destaca o modo como este projecto “consegue um equilíbrio entre seriedade e leveza que é mesmo raro” e admite uma predilecção pela Marginalia, uma informativa secção de trivia onde o leitor fica a saber que a Nobel chilena Gabriela Mistral escrevia literalmente em cima do joelho, que José Blanc de Portugal deu o nome de “Inferno” ao quarto interior onde arrumava os livros neo-realistas, que o célebre “Há mar e mar, há ir e voltar” de O’Neill, teve a rejeitada versão prévia “Passe um Verão desafogado”, ou que Auden foi uma vez preso por urinar num parque público em Barcelona, terra onde ainda hoje se pode ser detido por motivos duvidosos.
Nuno Amado, professor da UCP e doutorado com uma tese sobre Ricardo Reis, entrou “já com o comboio em andamento”, de modo que ficou dispensado de obedecer ao mote proposto, mas adianta que as secções de leituras (Poemas de agora e Poemas de antes) – são as suas favoritas. “A crítica permite prolongar a conversa que se tem com o poema e é por isso que tenho tanta estima por uma boa crítica como por um bom poema”.
“Achei boa ideia criar os Jogos Florais durante um almoço num dia de Verão. A Joana e eu não temos muito talento para a tarefa anual de fazer férias e precisávamos de algo que nos distraísse”, diz Maria Sequeira Mendes. “Depois começámos a convencer pessoas de quem gostávamos a colaborar (o que geralmente envolvia um almoço ou um jantar) e Agosto passou bem mais depressa”.
Maria, que começou este ano a dar aulas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, tem “um fraquinho pelas retroversões e leituras que a Rita Faria faz do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende” e também gosta dos emojis de Marta Brito e dos vídeos com poemas que aparecem em filmes e discos da secção Pérolas, alimentada pela poetisa Elisabete Marques, uma das várias colaboradoras regulares do site, a par de João Brandão e Rita Furtado, nas traduções, ou de Joana Dilão, na fotografia.
Já este leitor gostou, por exemplo, da leitura que Pedro Sobrado, actual administrador do Teatro Nacional São João, faz do poema Nada falta, de Alberto Pimenta, ou da entrevista em que o mesmo Pimenta explica que a poesia é como o arroz, e que gosta dele “a fugir”, ou da fotografia de Adília Lopes com gato e Abelha Maia, ou da análise de Rita Faria ao belo vilancete “Antre mim mesmo e mim”, de Bernardim Ribeiro, ou dos surpreendentes poemas inéditos de Leonor Sá, ou de ver Paul Celan recitar Allerseelen e ouvir Herberto Helder ler “A manhã começa a bater no meu poema”, ou ainda de saber, embora já o suspeitasse, que “Tchekov foi dos poucos grandes escritores que foi boa pessoa, bom médico e bom marido”.