O audiovisual português é de chorar a rir: Sara

É a história de uma actriz dramática que abandona um filme a meio e experimenta enveredar pelo mundo das novelas. Sátira ao meio do audiovisual, é realizada por Marco Martins a partir de uma ideia de Bruno Nogueira. Com estreia marcada para 7 de Outubro na RTP2, o Indie exibe os dois primeiros episódios.

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Sara Moreno é uma actriz conceituada, célebre por conseguir chorar sempre que é preciso, o que a torna ideal para papéis dramáticos. Até que um dia, durante a rodagem de um filme de época, as lágrimas secam e não sai nada dela. Sem saber o que fazer, Sara desiste do papel e o seu agente recomenda-lhe que enverede pelo mundo das telenovelas e das redes sociais, que experimente assim o mundo audiovisual nacional. É esta a premissa de Sara, série que satiriza o meio artístico português. Realizada por Marco Martins a partir de uma ideia de Bruno Nogueira, tem argumento dos dois e do escritor Ricardo Adolfo – também responsável parcial pelo guião de São Jorge, o mais recente filme de Martins. Nogueira esteve ainda envolvido no casting, reescreveu cenas com o realizador durante as filmagens. A estreia em televisão só está prevista para 7 de Outubro, na RTP2, mas os primeiros dois de oito episódios, de 40 minutos cada, têm direito a antestreia no Indie, a 3 de Maio, às 21h30, no Grande Auditório da Culturgest.

Sara é interpretada por Beatriz Batarda, que fez televisão no Reino Unido mas nunca tinha experimentado esses meandros em Portugal – a personagem que interpreta é inspirada nela. Marco Martins e a sua produtora, a Ministério dos Filmes, também nunca tinham feito televisão. O realizador explica, aliás, que não era um universo que o atraísse. “Faz-se televisão em Portugal, sobretudo ficção, com meios bastante pobres. Mas esta série permitia-nos falar sobre o meio, com um lado meta-discursivo e de sátira. E havia dois aspectos principais: experimentar fazer humor, que nunca tinha feito, e trabalhar com a Beatriz neste registo”, conta. Têm uma colaboração antiga – a actriz aparece nas três longas do realizador –, mas nunca tinham feito algo em que ela fosse protagonista. Além disso, com a série, objecto que Bruno Nogueira descreve como híbrido entre cinema e televisão, Marco queria “testar os limites da televisão e saber onde é que se pode ir e tentar fazer tudo de uma forma diferente”.

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Sara, dia 3/5 às 21h30 na Culturgest. A personagem é “muito próxima”de Beatriz Batarda, uma actriz que “chora muito bem, faz muito bem papéis dramáticos” e que nunca experimentou a telenovela
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Isso envolveu demorar mais do que o normal em Portugal, adianta o realizador: “Houve um tempo de gestação maior, quer na escrita, quer no tempo que despendi nos ensaios com os actores. A montagem demorou oito meses. A única parte rápida foi a rodagem, seis semanas, o orçamento não permitia mais.”

Na preparação para a escrita, Bruno e Marco partiram de uma entrevista com Beatriz Batarda, e foram juntando pormenores da sua biografia. Moreno, por exemplo, é mesmo um dos apelidos de Batarda, e num dos episódios vê-se um excerto de Quaresma, o filme de José Álvaro Morais que a actriz protagonizou em 2003. “A entrevista foi para perceber as questões que se colocam a uma actriz, em termos de escolhas, com o avançar da idade e com a tipificação – esta ideia de que só pode fazer um género de papéis. A série é muito próxima dela, nesse sentido: ela chora muito bem, faz muito bem papéis dramáticos”, explica Marco.

Mas os Marco e Bruno não olharam só para ela. Também mergulharam no universo das telenovelas, conta Bruno. “Falámos também com uma actriz de novela bastante conhecida. Havia coisas que eu achava que sabia como funcionavam, que ia ouvindo, mas quando nos contam histórias é diferente... Tenho amigos realizadores de novela e eles ajudaram-nos a ter algum fundo de verdade, a não ser só caricatura. Queríamos uma profundidade para além do estereótipo. Nenhum de nós se sente superior ao que quer que seja”. Prossegue: “Em última e até em primeira análise, a série é sobre uma pessoa que está angustiada e triste com a vida e decide alterar o seu curso por completo, para ver o que é que isso lhe pode trazer de novo. Quanto mais não seja para sentir coisas novas. Tanto pode ser uma actriz como um contabilista.”

Um dos objectivos de Marco Martins era explorar os dilemas dos actores. “Os actores em Portugal vivem numa constante precariedade, não sabem se têm trabalho amanhã, o que vão fazer para o ano. Vêem-se muitas vezes obrigados a transitar para trabalhos com os quais não se sentem identificados. Está-se entre dois extremos, teatro e novela, e mesmo na novela não sabem se vão ter trabalho. São poucos os actores em Portugal que podem escolher o seu próprio caminho”.

Experimentar a novela

Em 2003, Batarda declarava a Anabela Mota Ribeiro, numa entrevista para a revista Elle, que tinha curiosidade em explorar o universo das telenovelas: “Seria uma experiência interessante, mas sei que não posso brincar.” Bruno elucida: “Para qualquer actor há sempre a curiosidade de perceber como é que é o ritmo da novela, a forma de trabalhar, que é muito diferente de uma série, de cinema ou de teatro”, conta. Já Marco partilha que o exercício dessa veia foi interessante. “Diverti-me a realizar a novela e a sátira à novela. Foi interessante trabalhar com formas que não são as minhas, sair fora do que é o meu universo ficcional, sempre numa perspectiva crítica da coisa, nunca foi o divertimento pelo divertimento, o pastiche pelo pastiche”, sublinha Marco.

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A série foi realizada por Marco Martins a partir de uma ideia de Bruno Nogueira, que esteve ainda envolvido no casting, reescreveu cenas com o realizador durante as filmagens PEDRO CUNHA/arquivo

Nessa parte da sátira um meio no qual todos estão interessados em voltar a trabalhar, não há medo de irritar pessoas? “Os danos colaterais nunca se conseguem controlar, não é? Mas ao longo dos oito episódios faz-se as pazes com isso. Dispara-se para todo o lado, para os estereótipos associados ao cinema, à televisão, à publicidade. Há um episódio que explora isso”, responde Bruno. “Não é direccionado nem só para novela nem para só para cinema, é bastante equilibrado e justo. Depende se se quer ou não receber a série como um ataque ou se se consegue ver para além dessa camada. Acima de tudo está-se a jogar com o desencontro de alguém que sai de uma zona de conforto porque a televisão e a novela lhe vai trazer mais paz de espírito e mais suavidade à sua vida”, avança o humorista.

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Marco Martins FERNANDO VELUDO/NFACTOS

Houve ainda mais formas a serem exploradas por Marco Martins, para lá da televisão, da novela ou do filme de época. “Há um tom que não é igual ao da minha ficção de cinema, um certo lado onírico ou surrealista, e foi encontrado na escrita”, revela. Está patente nos pesadelos de Sara, nas suas inquietações, e nas cenas que partilha com o agente, interpretado por Albano Jerónimo, que fala ao contrário como o Man From Another Place, a personagem anã que dança e aparece em sonhos em Twin Peaks. “Ele estabelece uma linguagem diferente e coloca o espectador num sítio estranho, não se percebe o que está a acontecer”, enuncia Bruno, enquanto Marco chama a esse lado algo lynchiano e felliniano.

Nem só de Batarda e Jerónimo vive o elenco. Há numerosos actores notáveis ao longo dos episódios, alguns dos quais, segundo Marco Martins, têm exclusividade com outras estações de televisão e excepcionalmente puderam ser usados pela RTP. “Era uma preocupação ter um elenco absolutamente certo”, esclarece. Os nomes vão de Miguel Guilherme e Nuno Lopes a José Raposo e o próprio Nogueira, passando por António Durães, que faz do pai escritor de Sara, que está doente e de quem ela cuida e passa os dias a escrever um romance cujo texto é tirado de A Máquina de Fazer Espanhóis, de Valter Hugo Mãe, ou Tónan Quito, com quem Sara se envolve e canta canções de B Fachada como se fossem originais seus. Pelo meio, há Rita Blanco, que mereceria uma série só para ela e aqui faz de amiga de Sara que a vai buscar de carro quando ela se passa – a la Network... – a meio da rodagem do filme que está a fazer, indo as duas a cantar Pensando Em Ti, dos Gemini, pela estrada fora.

Mais para a frente, haverá Leonor Silveira, que além de actriz dramática que não costuma fazer televisão – apesar de ter aparecido em Terapia, da RTP –, é prima de Batarda. Contracena com Tozé Martinho. “O Tozé Martinho tinha de entrar porque sim, porque representava o pináculo de…tudo”, comenta Nogueira.

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