É no repescar que está a virtude

A competição internacional do IndieLisboa arranca discretamente com dois filmes aclamados noutros festivais: o mosaico nova-iorquino de Person to Person e a fantasmagoria exótica de Les Garçons sauvages.

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Person to Person dr

Uma das coisas que mais agrada aos jornalistas estrangeiros que visitam o IndieLisboa – e são mais do que à primeira vista possa parecer – é a “repescagem” que o festival permite. O Indie tem um gosto especial por filmes de valor que passaram noutros festivais de categoria A, mas que, por questões de calendário, oferta, programação, etc., não receberam a atenção que mereciam. É verdade dos dez títulos que compõem este ano a competição internacional, como de muitos outros dos melhores filmes do programa 2018 – e isto não quer dizer que o Indie seja um festival “de segundas escolhas”. É que é uma maçada andar sempre pelos “grandes” festivais à procura da next big thing, quando se calhar ela já aí está e ninguém reparou porque estava a olhar para o outro lado – e é preciso um “pequeno” festival para chamar a atenção.

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Uma das coisas que mais agrada aos jornalistas estrangeiros que visitam o IndieLisboa – e são mais do que à primeira vista possa parecer – é a “repescagem” que o festival permite. O Indie tem um gosto especial por filmes de valor que passaram noutros festivais de categoria A, mas que, por questões de calendário, oferta, programação, etc., não receberam a atenção que mereciam. É verdade dos dez títulos que compõem este ano a competição internacional, como de muitos outros dos melhores filmes do programa 2018 – e isto não quer dizer que o Indie seja um festival “de segundas escolhas”. É que é uma maçada andar sempre pelos “grandes” festivais à procura da next big thing, quando se calhar ela já aí está e ninguém reparou porque estava a olhar para o outro lado – e é preciso um “pequeno” festival para chamar a atenção.

A competição internacional do Indie 2018 arrancou com cineastas que os habitués portugueses já conhecem. O americano Dustin Guy Defa venceu Vila do Conde em 2014 com Person to Person, curta que o realizador “expandiu” para a sua segunda longa, que traz o mesmo título. Person to Person (repete segunda-feira 30 de Abril às 20h30 no Ideal), estreada em Sundance faz agora pouco mais de um ano, chega ao Indie já na recta final de um longo percurso por festivais e após a sua estreia comercial nos EUA. Já o francês Bertrand Mandico venceu também Vila do Conde em 2011 com o seu retrato imaginário de Walerian Borowczyk, Boro in the Box, e as suas curtas posteriores (à imagem do trabalho de Defa) passaram quer pelo Curtas, quer pelo Indie. A sua primeira longa, Les Garçons sauvages (repete domingo 29 às 18h30 no Ideal), teve estreia na Semana da Crítica de Veneza, onde ganhou o prémio de Melhor Contribuição Artística.

Não podiam ser filmes mais diferentes e ao mesmo tempo mais emblemáticos do cinema que o Indie gosta de mostrar e de repescar. De um lado, temos o “modelo” do novo filme independente americano em formato nova-iorquino, conversacional e modesto. Bem simpático mas algo inconsequente, Person to Person é um mosaico desenrascado e despretensioso de “histórias de Brooklyn” que não reinventa a roda, e por vezes parece-se demasiado com uma “montagem” de curtas entrelaçadas para fazer uma longa. Mas faz também pensar numa versão hipster actualizada do díptico Smoke/Blue in the Face de Wayne Wang e Paul Auster ou do Café e Cigarros de Jim Jarmusch, com um gosto genuíno pelos actores (entre os quais nomes feitos como Philip Baker Hall ou Michael Cera, revelações como Bene Coopersmith ou amigos como Benny Safdie) e por contar histórias banais como se fossem as coisas mais importantes do mundo.

Do outro, temos o cinema de autor europeu surreal e provocador: Bertrand Mandico prolonga na sua estreia na longa o universo barroco-psicadélico-transgressivo das suas curtas, remetendo para uma linhagem de cineastas marginais como Borowczyk, Alejandro Jodorowsky, Nicolas Roeg ou Kenneth Anger, mas também para as invenções formais do mudo ou do cinema primitivo. Les Garçons sauvages é uma fantasmagoria low-budget cuja premissa parece saída de Conrad ou Melville: cinco adolescentes mimados e violentos são enviados numa viagem de barco para aprenderem a ser homens. 

O seu desenvolvimento e execução, a preto e branco com ocasionais flashes de cor, está mais próximo da liberdade criativa de F. J. Ossang ou Yann Gonzalez, inserindo na clássica viagem iniciática fortes doses de androginia e fetichismo e explorando a procura e descoberta da identidade através do desejo e do sexo. Como nas suas curtas, a admiração pelo engenho formal e pelo controlo absoluto, praticamente obsessivo, das coordenadas do universo Mandico vai a par da sensação formalista de estarmos a ver um filme perdido dos anos 1970 que não tivesse forçosamente envelhecido bem. É um começo discreto para a competição do Indie; há ainda mais filmes a descobrir.