Centros de fertilidade em suspenso à espera de orientações sobre dadores
Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida reúne-se nesta sexta-feira para analisar o acórdão. Especialistas esperam por mais informação para saber o que fazer.
O esperma e os óvulos doados por portugueses não serão usados em tratamentos de procriação medicamente assistida (PMA) até que haja uma clarificação sobre a questão do anonimato do dador. É esta a posição de alguns centros de fertilidade, depois de na quarta-feira o Tribunal Constitucional (TC) ter declarado inconstitucional a norma sobre a confidencialidade dos dadores. O Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA) reúne-se nesta sexta-feira para analisar o acórdão.
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O esperma e os óvulos doados por portugueses não serão usados em tratamentos de procriação medicamente assistida (PMA) até que haja uma clarificação sobre a questão do anonimato do dador. É esta a posição de alguns centros de fertilidade, depois de na quarta-feira o Tribunal Constitucional (TC) ter declarado inconstitucional a norma sobre a confidencialidade dos dadores. O Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA) reúne-se nesta sexta-feira para analisar o acórdão.
No Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), onde funciona um dos pontos de recolha do Banco Público de Gâmetas, situado no Porto, o material doado fica em “quarentena” à espera de mais esclarecimentos. “Enquanto não soubermos mais informação não é enviado para o centro do Porto”, refere Teresa Almeida Santos, directora do Centro de PMA do CHUC. A médica acredita que o fim do anonimato não irá impedir as doações, mas teme que a alteração da lei possa criar “uma ausência de confiança” que coloque em causa o trabalho feito até agora para combater a falta de dadores nacionais. É para o banco público que são encaminhados os pedidos de casais e mulheres seguidos no SNS. “O tempo de espera para esperma doado está num ano e de ovócitos em mais de dois.”
Também na clínica Ferticentro o material que já está criopreservado “fica parado porque foi doado com o pressuposto do anonimato”, explica Vladimiro Silva, considerando que o argumento do TC não faz sentido. “A identidade genética resolve-se criopreservando ADN do dador.”
Nesta quinta-feira a clínica já tinha iniciado os contactos com as seis dadoras de óvulos que estão em processo de estimulação para explicar que aguardam instruções. Embora nenhuma tenha recuado na doação, Vladimiro Silva acredita que a decisão do TC “vai limitar o número de dadores disponíveis”. O recurso será a importação de gâmetas doadas, o que irá encarecer os tratamentos. No esperma pode ultrapassar os mil euros — uma amostra portuguesa pode ficar pelos 300 euros —, enquanto a importação de óvulos pode custar mais de 4 mil euros. A que se juntam ainda os restantes custos do tratamento.
Alberto Barros, do Centro de Genética de Reprodução, também espera indicações do CNPMA — que viu nesta quinta-feira um dos seus conselheiros, Eurico Reis, demitir-se em protesto contra a decisão do TC. “O que temos de fazer para já é uma moratória no início de qualquer tratamento. Adiar até que seja esclarecido”, diz, assumindo estar “muito preocupado” com as implicações do acórdão que afirma criar dois problemas: a redução de dadores de esperma e ovócitos e o fim das doações de embriões criopreservados de outros casais. “Se já não é uma prática fácil, com esta ausência de anonimato só excepcionalmente um casal estará disponível para doação”. O mesmo aponta Calhaz Jorge, director do Centro de PMA do Hospital de Santa Maria. “Será a paragem nacional de toda a dádiva de gâmetas e de embriões. E há outra dificuldade jurídica que é saber se as gâmetas importadas também têm de ser não anónimas.”
João Silva Carvalho, director do centro CETI, não conhece o acórdão, mas salienta que o mais importante de tudo “é a confidencialidade e sigilo médico”. “Não há lei nenhuma que me obrigue a quebrar o sigilo médico, a não ser que seja imposto pelo tribunal devidamente justificado”, aponta, referindo que recebeu telefonemas de casais temendo que os dadores possam contactar os seus filhos para revelar a sua origem.
Entendimento diferente do acórdão faz Sérgio Soares, do IVI Lisboa. “O que vi foi um passo no sentido da abertura à doação sem anonimato obrigatório e não da obrigatoriedade do não anonimato. Evidentemente, urge que as autoridades competentes explicitem quais são as portas que se abrem e se há alguma que se fecha”, diz, referindo que perderiam 58% das dadoras se a confidencialidade deixasse de existir.