Dentro de cinco a dez anos haverá uma competição intersexual, prevê especialista da IAAF

Associação Internacional das Federações de Atletismo anunciou uma nova regra, a entrar em vigor em Novembro, que exige às atletas femininas com elevada produção de testosterona que reduzam os níveis desta hormona.

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Caster Semenya foi submetida a uma verificação de género em 2009, quando venceu a medalha de ouro nos 800 metros Reuters/LUCY NICHOLSON

O médico que dirige o Departamento de Saúde e Ciência da Associação Internacional das Federações de Atletismo (IAAF, na sigla inglesa) – o órgão que gere o atletismo a nível mundial –, Stéphane Bermon, defendeu, nesta quinta-feira, a criação de uma terceira categoria de competição para atletas intersexuais e disse que isso pode vir a acontecer dentro de cinco a dez anos.

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O médico que dirige o Departamento de Saúde e Ciência da Associação Internacional das Federações de Atletismo (IAAF, na sigla inglesa) – o órgão que gere o atletismo a nível mundial –, Stéphane Bermon, defendeu, nesta quinta-feira, a criação de uma terceira categoria de competição para atletas intersexuais e disse que isso pode vir a acontecer dentro de cinco a dez anos.

O especialista da IAAF afirmou ter "a sensação de que algum dia isso virá a acontecer, e provavelmente daqui a cinco ou dez anos", disse Bermon ao jornal britânico Guardian. No entanto, acredita que primeiro é preciso uma mudança na opinião pública: "A minha sensação também é que o público não está preparado para isso. Nós não queremos estigmatizar os atletas. Também temos que ter em conta as sensibilidades religiosas e culturais", acrescentou ao mesmo jornal.

As declarações foram divulgadas no mesmo dia em que a IAAF anunciou uma nova regra, que obriga as atletas femininas com elevada produção de testosterona endógena a recorrer a medicação para reduzir os níveis até aos cinco nanomoles por litro de sangue, caso queiram participar nas provas de distâncias entre os 400 metros e os 1500 metros, a entrar em vigor a 1 de Novembro deste ano. As atletas com muita testosterona terão, então, de reduzir os níveis da hormona ou competir com homens.

A política já se mostrou controversa, com denúncias de que a regra é injusta e tem como alvo a atleta sul-africana Caster Semenya, campeã olímpica nos 800 metros que foi submetida a uma verificação de género em 2009 por apresentar níveis de testosterona semelhantes aos de um homem. A IAAF foi acusada pelo Governo sul-africano de violar os direitos humanos e de racismo, com a federação a alegar que estava apenas a tentar garantir que as mulheres com um nível de testosterona mais elevado não tinham uma vantagem injusta na competição. No entanto, em 2015, o Tribunal Arbitral do Desporto (TAS, na sigla francesa) suspendeu as regras da IAAF sobre o hiperandroginismo após uma contestação legal da velocista indiana Dutee Chand, o que permitiu que Semenya pudesse novamente competir. Porém, a nova regra da IAAF voltou a causar contestação, com Caster Semenya a expressar o seu descontentamento no Twitter.

O especialista Stéphane Bermon assegura que a questão é bastante abrangente e que não se restringe a um caso particular. "Temos muitas atletas com esse tipo de condição. Não é apenas uma ou duas pessoas que se vêm nos media. No atletismo feminino de elite, o número de atletas intersexuais é 140 vezes maior do que se encontra na população feminina normal", afirmou citado pelo Guardian.

De acordo com uma análise às amostras de sangue de atletas masculinos e femininos nos campeonatos mundiais de atletismo de 2011 e 2013, Bermon descobriu que as mulheres que apresentaram níveis elevados de testosterona no sangue em 2011 e que foram submetidas a um tratamento supressor de hormonas tiveram o seu desempenho na competição reduzido em 5,7%, em média, em 2013 – comprovando que a medicação tem uma influência significativa no desempenho das atletas.

O presidente da IAAF, Sebastian Coe, esclareceu que as novas regras servem apenas para garantir condições iguais para todos os atletas e uma competição justa. "Como muitos outros desportos, optamos por ter duas classificações: provas masculinas e femininas. Precisamos de ser claros sobre os critérios de competição para essas categorias. Os nossos dados mostram que a testosterona, produzida naturalmente ou inserida de forma artificial no organismo, proporciona vantagens significativas de desempenho em atletas do sexo feminino", disse ao jornal britânico.

Já o médico Stéphane Bermon afirma que as vantagens a que se refere o presidente da IAAF são características naturais das atletas (com as quais elas nascem). "Historicamente, a razão pela qual temos categorias masculinas e femininas separadas é porque, de outra forma, as mulheres nunca ganhariam nenhuma medalha, pelo que “a testosterona é o factor mais importante para explicar a diferença", conclui.

O Congresso Nacional Africano (ANC), partido no poder na África do Sul, condenou a decisão da IAAF como um acto de racismo que faz lembrar a era do apartheid. "Os regulamentos são uma dolorosa lembrança de nosso passado, onde um governo injusto decretou leis específicas para acabar com a luta de certos activistas na sociedade contra um sistema injusto", disse o ANC citado pela estação britânica BBC.