Como Robin Williams ajudou Spielberg a rodar A Lista de Schindler
Realizador e actores do filme produzido em 1993 participaram numa sessão evocativa no Festival de Tribeca, em Nova Iorque. A emoção continuou a ser o denominador comum no reencontro dos protagonistas.
Às salas portuguesas, o filme só chegou em Março de 1994, mas foi no final do ano anterior que A Lista de Schindler teve estreia mundial nos Estados Unidos. A evocar a passagem dos 25 anos sobre o facto, o Festival de Cinema de Tribeca, a decorrer em Nova Iorque, promoveu esta quinta-feira à noite uma sessão especial em que estiveram presentes o realizador Steven Spielberg e quatro actores do elenco: Liam Neeson, Ben Kingsley, Embeth Davidtz e Caroline Goodall.
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Às salas portuguesas, o filme só chegou em Março de 1994, mas foi no final do ano anterior que A Lista de Schindler teve estreia mundial nos Estados Unidos. A evocar a passagem dos 25 anos sobre o facto, o Festival de Cinema de Tribeca, a decorrer em Nova Iorque, promoveu esta quinta-feira à noite uma sessão especial em que estiveram presentes o realizador Steven Spielberg e quatro actores do elenco: Liam Neeson, Ben Kingsley, Embeth Davidtz e Caroline Goodall.
A sessão decorreu no Beacon Theatre, uma sala com 2900 lugares, e segundo os relatos da imprensa e do site do festival, a emoção foi o denominador comum entre a plateia e os intervenientes, convidados a rever a história do empresário alemão Oskar Schindler (interpretado por Liam Neeson), que salvou a vida de mais de um milhar de judeus ao contratá-los para a sua fábrica junto ao ghetto de Varsóvia, evitando a sua deportação para os campos de concentração nazis.
No final da exibição, Spielberg começou por confessar que não via A Lista de Schindler numa sala de cinema desde a estreia, quando acompanhou o lançamento na América e em diferentes países da Europa. “Foram tantos momentos, e tão intensos…”, recordou o realizador.
Logo de seguida, a moderadora, Janet Maslin – crítica de cinema no The New York Times –, perguntou-lhe como tinha vivido esta revisitação da sua obra. “Vi o filme e senti-me verdadeiramente orgulhoso; muito, muito orgulhoso”, respondeu, confessando depois que não mais voltara, na sua carreira, a experimentar a mesma sensação de ter conseguido concretizar “algo tão significativo”.
Um livro muito denso
O realizador explicou também que tomou contacto com o romance de Thomas Keneally, Schindler’s Ark, uma década antes, em 1982, quando acabara de filmar ET – O Extraterrestre. Chamaram-lhe a atenção para uma recensão crítica ao livro e recorda que demorou um mês a lê-lo. “Era muito denso. E era muito difícil, porque estava cheio de factos históricos”, notou.
Uma década depois, quando recebeu o argumento de Steven Zaillian, leu-o em conjunto com a mulher, Kate Capshaw, cada um deles a chorar sempre que terminavam uma página. E decidiu então realizar o projecto, mesmo se na altura estava a meio da rodagem de Jurassic Park (1993).
O dramatismo do tema e a atmosfera em que decorreu a rodagem do filme na Polónia e junto ao campo de concentração de Auschwitz proporcionaram, sem surpresa, os momentos mais emotivos da sessão no Beacon Theatre. Com a sua voz grave e o sotaque irlandês, Liam Neeson recordou que nesse início da década de 90 se estava a apaixonar por Natasha Richardson, com quem então contracenava na Broadway, numa peça de Eugene O’Neill, Anna Christie. Mas quando chegou ao plateau de A Lista de Schindler, na Polónia, a habitual atmosfera distendida das rodagens de Hollywood deu lugar ao silêncio e à comoção. Um dia, “eram 5h30 da manhã” – recordou o actor –, “congelava-se de frio, havia cães, e o Steven andava de um lado para o outro, com toda a gente sob grande tensão”. A certa altura, o croata Branko Lustig, um dos produtores do filme, aproxima-se de Liam Neeson, coloca o braço sobre o ombro, aponta para um dos pavilhões de Auschwitz e diz-lhe: “Vês aquele pavilhão? Eu estive ali”. “Isso bateu-me”, disse o actor. “Foi um grande momento, um grande momento. E continuei a enganar-me nas deixas, constantemente…”.
Quando a linguagem falha
A seu lado, no palco do Beacon Theatre, Ben Kingsley (que no filme interpreta a personagem de Itzhak Stern, o contabilista de Schindler) lembrou que atenuava a tensão do ambiente da rodagem trocando com Neeson sucessivos shots de “good luck vodka”. E citou o crítico literário George Steiner: “Quando usas as palavras para descrever o Holocausto, a linguagem falha”. Mas "nas mãos de um mestre”, referindo-se a Spielberg, “percebemos o que realmente aconteceu”.
O realizador tinha já também confidenciado que, agora, no visionamento do filme em Nova Iorque, o que mais o tinha impressionado fora, na sequência final depois do genérico, quando coloca os sobreviventes reais do Holocausto a desfilar junto ao túmulo de Oskar Schindler num cemitério de Jerusalém: “O olhar demorado que Emile Schindler, a sua viúva, lança sobre a campa, que ela nunca tinha antes visitado”. “Isso bateu-me agora verdadeiramente, pela primeira vez”, acrescentou Spielberg, que na altura da rodagem não se tinha apercebido da intensidade do momento por se encontrar atrás da câmara.
O autor de A Ponte dos Espiões lembrou também como esses duros dias de rodagem de um filme que testemunhava a barbárie nazi foram ainda mais assombrados pela constatação de que o anti-semitismo prevalecia na Polónia, meio século após o final da guerra. Quando Ralph Fiennes (que interpreta o oficial nazi Amon Goeth – e que não esteve presente na sessão do Festival de Tribeca) passava com o seu uniforme das SS junto a uma casa, uma moradora chamou-o e manifestou-lhe o lamento de que a polícia nazi não continuasse a existir, para a “proteger”... E Kingsley lembrou que por diversas vezes se viram cruzes suásticas pintadas nas paredes dos cenários de A Lista de Schindler.
Depois de esclarecer – respondendo a nova pergunta de Janet Maslin – que, ao contrário do que chegou a ser noticiado, Mel Gibson nunca fora equacionado para o papel de Oskar Schindler, mas que, ao contrário, Martin Scorsese tinha sido o primeiro nome sondado para a realização do filme, Spielberg revelou o nome de quem o ajudou a viver esses momentos difíceis de confronto com a memória e as evidências do Holocausto, e a manter a sanidade física e mental: além de importar, para toda a equipa, gravações do talk show Saturday Night Live, falava ao telefone com o amigo (já desaparecido) Robin Williams. “Ele fazia-me 15 minutos de stand-up comedy; nunca dizia adeus, e só desligava quando ouvisse a minha maior gargalhada”.