A fragilidade e a intimidade na dança de Sasha Waltz

Até 5 de Maio, a Companhia Nacional de Bailado apresenta no Teatro Camões, em Lisboa, Impromptus. A coreografia da alemã Sasha Waltz, inspirada pelas canções de Schubert, coloca os corpos a caminho da queda.

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Em 1999, na sequência de uma série de peças “muitas épicas, teatrais, sociais e realísticas”, descreve Sasha Waltz, a coreógrafa alemã foi convidada por Thomas Ostermeier a juntar-se à direcção artística da Schaubühne am Lehniner Platz, uma das mais importantes salas para as artes performativas da Alemanha – e mesmo da Europa. A sua entrada havia de sublinhar a importância atribuída à dança numa casa reconhecida sobretudo pela sua prática teatral. “Só que quando fui para a Schaubühne, diz Sasha Waltz ao PÚBLICO, “tornei-me muito mais abstracta, porque tinha de falar para um público que era cerca do triplo daquele que eu tinha antes. A minha linguagem mudou de forma muito substancial através do teatro, das dimensões do palco e da oportunidade de trabalhar com um elenco de 30 bailarinos, em vez dos cinco ou seis que eram a norma para mim.”

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Em 1999, na sequência de uma série de peças “muitas épicas, teatrais, sociais e realísticas”, descreve Sasha Waltz, a coreógrafa alemã foi convidada por Thomas Ostermeier a juntar-se à direcção artística da Schaubühne am Lehniner Platz, uma das mais importantes salas para as artes performativas da Alemanha – e mesmo da Europa. A sua entrada havia de sublinhar a importância atribuída à dança numa casa reconhecida sobretudo pela sua prática teatral. “Só que quando fui para a Schaubühne, diz Sasha Waltz ao PÚBLICO, “tornei-me muito mais abstracta, porque tinha de falar para um público que era cerca do triplo daquele que eu tinha antes. A minha linguagem mudou de forma muito substancial através do teatro, das dimensões do palco e da oportunidade de trabalhar com um elenco de 30 bailarinos, em vez dos cinco ou seis que eram a norma para mim.”

Foi nesse contexto, dos cinco anos em que esteve na Schaubühne, que Waltz criou peças emblemáticas no seu percurso como Körper (2000), S (2000), noBody (2002) ou Impromptus (2004) – a coreografia que agora reanima nos corpos do elenco da Companhia Nacional de Bailado (CNB), no Teatro Camões, Lisboa, até 5 de Maio. A escolha de Impromptus para o trabalho com a CNB, a convite do director da companhia, Paulo Ribeiro, teve por base uma relação que a coreógrafa estabelece entre o reportório musical do romantismo alemão e o fado. Ainda que sejam géneros bastante distintos, reconhece, “há algo da melancolia interior que parece estabelecer uma ligação”, diz.

Se é de música que Sasha Waltz nos fala, tal deve-se à importante novidade que Impromptus significou na altura. Após uns primeiros anos, menos visíveis, em que usou gravações de música clássica para as suas coreografias, o período da afirmação criativa da artista coincidiu com o recurso a música ao vivo assegurada por músicos vindos de universos próximos da experimentação e da electrónica. Impromptus significou, portanto, o regresso ao universo da clássica (embora, pela primeira vez, com música ao vivo), através do lieder de Franz Schubert, e nasceu do processo de pesquisa para a ópera Dido e Eneias, tendo Waltz querido começar por um formato menos ambicioso de música de câmara.

Esse formato de câmara passou igualmente para os movimentos. Tentando não trair a música que em palco fica a cargo de uma pianista e uma cantora (em Lisboa, Jill Lawson ao piano e Sara Braga Simões como soprano), Sasha Waltz desenhou a maior parte da coreografia em torno da imagem de três casais, de encontros um-para-um que desembocam fatalmente num registo de intimidade, de corpos que se procuram o tempo todo, movidos por uma necessidade de toque, de um contacto físico que parece conduzir-se para uma busca por abrigo e consolo.

A caminho da queda

O texto das canções de Schubert não detém uma relevância especial na construção dos duetos e dos quadros de conjunto de Impromptus, embora contribua para uma relação entre teatralidade e abstracção em que Sasha Waltaz insiste ao longo da peça. Mas a coreógrafa quis ir mais longe, e inspirou-se em elementos tão diversos quanto a biografia do próprio compositor ou ideias frequentes na literatura romântica da época, tais como a figura do viajante, sempre em trânsito para algum lado, talvez numa permanente tentativa de regressar a casa. “Penso que esse conteúdo está nas canções, mas já fazia partes das minhas cenas”, reflecte, salientando que só a meio do processo criativo decidiu usar as peças de Schubert.

O cenário, composto por duas plataformas, cria na cena um ambiente de instabilidade que interessava a Waltz por colocar os bailarinos “num lugar frágil e desafiador, com o qual têm de lidar”. Fragilidade e vulnerabilidade foram, aliás, duas palavras fundamentais para Sasha Waltz na criação do espectáculo. De acordo com o seu olhar, os corpos dos bailarinos pareciam encontrar-se “sempre a caminho da queda”, algo que detecta também nestes temas de Schubert. Essa queda iminente descobre-se, por exemplo, num dueto em que os dois bailarinos se encostam entre si mas praticamente não se apoiam no outro. A queda parece iminente, mas, aos poucos, deixa de parecer inevitável. Fica apenas esse estado de fragilidade que, ainda assim, não cede.

Vemos ainda um outro dueto de um casal em que os dois se amparam mutuamente, denunciando uma intimidade que, no caso, Sasha Waltz imagina que se prolonga por quase toda uma vida. Em cada dueto, há uma ideia nuclear distinta que a coreógrafa faz deflagrar nesse reduto de intimidade. Como se a toda a hora testasse a capacidade de resistir aos mais variados choques a partir de um ambiente aparentemente desprotegido.