Estrada: os mortos supérfluos e os 30 km/hora
A fiscalização é cara, mas muito menos do que as mortes que a sua redução pode provocar.
A redução do número de mortos na estrada nas últimas décadas, de sete para menos de dois por dia, é uma inegável história de êxito nacional. Mas mais de 500 são muitos e o aumento em relação ao ano anterior aterrador desastroso. Desastroso porque o objectivo deve ser zero mortos. E porque as mortes na estrada são mais susceptíveis de ser evitadas do que as das catástrofes naturais, que justificadamente tanta comoção e revolta provocam e tanta solidariedade mobilizam.
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A redução do número de mortos na estrada nas últimas décadas, de sete para menos de dois por dia, é uma inegável história de êxito nacional. Mas mais de 500 são muitos e o aumento em relação ao ano anterior aterrador desastroso. Desastroso porque o objectivo deve ser zero mortos. E porque as mortes na estrada são mais susceptíveis de ser evitadas do que as das catástrofes naturais, que justificadamente tanta comoção e revolta provocam e tanta solidariedade mobilizam.
O choque com o aumento da mortalidade rodoviária veio, felizmente, focar a atenção sobre esta tragédia rotinada e terá alertado para ela a atenção construtiva das entidades públicas e privadas do sector. Levou até que se adiantassem algumas possíveis medidas para a combater.
A que suscitou mais atenção foi de impor a velocidade limite de 30 km/hora nas zonas urbanas onde ocorrem mais acidentes fatais. A ideia poderia ser boa, se as leis da condução fossem respeitadas. Mas será totalmente inútil, como é manifesto para qualquer pessoa que conduza em Lisboa — e não creio que seja muito diferente na maioria das outras cidades com trânsito intenso.
Desafio os responsáveis a circular pela cidade. Verificarão que os automobilistas violam, determinada, persistente, metódica, pertinaz, constante e sistematicamente todas as mais elementares regras do Código da Estrada. Ignoram os semáforos, não fazem sinal de mudança de direcção, desrespeitam os sinais horizontais, colocam-se na faixa da seta que indica direita quando querem virar para a esquerda, não respeitam a prioridade da direita, que a maioria parece aliás ignorar porque também não a observam quando vêm da direita, estacionam em segunda fila nas ruas onde é permitido estacionar e param indiferentemente naquelas onde é proibido, tornando as ruas numa gincana, circulam pelas faixas BUS, utilizam os máximos dentro da cidade, etc., etc..
As únicas regras que parecem ser respeitadas são a da prioridade nas rotundas e a das passadeiras dos peões. Mas esta última tornou-se um risco acrescido, porque os peões interpretam a prioridade de que disfrutam como um direito divino e atravessam sem olhar com um ar soberano, sem cuidar de garantir que o automobilista que se aproxima tem tempo de os ver e de parar, além de desrespeitarem constantemente os semáforos.
Não sou especialista nesta matéria. Estou consciente que posso ao abordá-la aqui estar a cometer erros. Mas é um assunto que sempre me atormentou. Perdi na estrada muitos amigos. E estou convicto de que, com determinação, é possível eliminar ou pelo menos reduzir ao mínimo possível as mortes na estrada.
A fantástica diminuição das mortes na estrada em Portugal, que passaram de cerca de sete por dia (sete, sete por dia, um massacre caído na rotina e na indiferença durante anos), para menos de duas, não foi obra do acaso, mas de uma acção deliberada e continuada, que passou pela construção das auto-estradas e de uma melhoria notável da rede rodoviária, hoje uma das melhores do mundo, bem como, de forma que julgo decisiva, pelo aumento, infelizmente descontínuo, da fiscalização que, quando activa criou uma maior cautela nos condutores. Verdade que também pela modernização do parque automóvel.
Ao longo da minha carreira, dei alguma atenção ao modo como em cada país se combatia os acidentes na estrada. Pelo que observei — e também pelo que li na apreciação desses esforços —, estou convicto que a única arma eficaz para combater a sinistralidade rodoviária é o aumento da fiscalização e a decorrente percepção, por automobilistas e peões, de que, se violarem as normas do Código, serão apanhados e sofrerão as respectivas consequências. Quando essa percepção atinge determinados patamares, que creio estão estudados, as baixas caiem a pique, como sucedeu na Suécia ou no Reino Unido. Quando essa percepção baixa, a sinistralidade volta a subir.
Sei que a fiscalização é cara. Mas muito menos do que as mortes que a sua redução pode provocar. Afigura-se-me que se poderia fazer um uso mais eficiente dos recursos existentes, designadamente as câmaras móveis, ou os radares, tantas vezes avariados, e naturalmente a presença policial.
Mas os drones, felizmente já mencionados por entidades responsáveis como um bom meio de fiscalização, pela mobilidade rápida que os caracteriza, e pela sua presença ou risco da sua súbita aparição, podem ser um auxiliar precioso de dissuasão. Têm ainda a vantagem de ser capazes de detectar a nova e mais perigosa violação das regras de condução, a utilização de telemóveis para ler mensagens e ver imagens ou para digitar. Moda cada vez mais frequente nas ruas, estradas e auto-estradas do nosso país. O mínimo que se pede a um condutor é que esteja a ver o trajecto por onde segue. Conduzir a digitar é um crime e como tal deve ser considerado e punido. Quem o faz deveria ter a carta revogada para sempre.
O aumento de sinistralidade e de fatalidades na estrada no ano passado parece ter despertado a atenção devida. Espero que, na sequência do que já foi adiantado, especialistas e responsáveis saibam encontrar as adequadas respostas para inverter imediatamente essa tendência e que a abolição da morte nas estradas passe a constituir uma prioridade nacional.