Juiz Eurico Reis demite-se em protesto contra decisão do Tribunal Constitucional

Acórdão do Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais várias normas na lei da gestação de substituição e das técnicas de procriação medicamente assistidas.

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Eurico Reis em Dezembro de 2006 no momento em que o Movimento Cidadania e Responsabilidade pelo Sim entregou 11.615 assinaturas na Comissão Nacional de Eleições para poder participar na campanha para o referendo sobre a despenalização do aborto NUNO FERREIRA SANTOS

Eurico Reis demitiu-se nesta quinta-feira do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA) em protesto contra o acórdão do Tribunal Constitucional (TC), que declarou inconstitucionais várias normas da lei da gestação de substituição e procriação medicamente assistida.

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Eurico Reis demitiu-se nesta quinta-feira do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA) em protesto contra o acórdão do Tribunal Constitucional (TC), que declarou inconstitucionais várias normas da lei da gestação de substituição e procriação medicamente assistida.

O juiz-desembargador foi o presidente do CNPMA durante dois mandatos, sendo desde Março vogal daquele organismo. Assumiu na mesma altura a função de relator dos processos de gestação de substituição.

"Demito-me em forma de protesto. Não concordo com aquela solução. Como já disse, aquela decisão é para cumprir, mas acho que é um desastre completo. São ali usados argumentos que, do meu ponto de vista, são muito perigosos", disse ao PÚBLICO.

Eurico Reis, que foi um dos rostos mais vísiveis pela defesa da criação de uma lei que permita a gestação de substituição, disse que esta é uma decisão individual. "Cada pessoa fará o que entende", acrescentou.

A decisão foi tomada na quarta-feira, mas só agora foi tornada pública, depois de comunicada ao presidente da Assembleia da República, aos restantes membros com CNPMA, ao Conselho Superior da Magistratura e ao Tribunal da Relação de Lisboa.

Eurico Reis ainda vai participar na reunião que o CNPMA realiza amanhã, em que o acórdão do TC vai ser analisado. "Acho que é minha obrigação tentar descodificar este acórdão e fazê-lo com os meus colegas e tentar ajudá-los a resolver estes imbróglios que o acórdão do TC vai causar", disse, referindo que a partir de segunda-feira deixa de exercer funções.

Apesar da saída, não se afasta do tema. "Irei ter uma reunião com a Associação Portuguesa de Fertilidade para oferecer os meus préstimos para o que for necessário", acrescentou.

O acórdão do TC, feito na sequência de um pedido de fiscalização apresentado pelo CDS e alguns deputados do PSD, foi conhecido na terça-feira. Apesar de afirmarem que a gestação de substituição, "só por si, não viola a dignidade da gestante nem da criança nascida em consequência de tal procedimento nem, tão-pouco, o dever do Estado de protecção da infância", os juízes consideram contudo que alguns aspectos do diploma legal lesam "princípios e direitos fundamentais consagrados na Constituição".

Nomeadamente a "excessiva indeterminação" da lei no que toca aos limites da autonomia das partes do contrato de gestação de substituição e o prazo de arrependimento da gestante, que consideram curto. O que estava previsto eram as dez semanas de gestação, prazo semelhante ao que existe para a interrupção da gravidez.

Outra norma considerada inconstitucional diz respeito à identidade genética, deixando de estar garantido o anonimato do dador. A doação de gâmetas aplica-se a várias técnicas e dela são beneficiários casais heteressexuais e todas as mulheres que queiram engravidar com recurso a este tipo de tratamento. Também na gestação de substituição pode existir uso de esperma ou ovócitos doados.