“Sempre pensei que a esquerda se distingue pelo internacionalismo”
Yanis Varoufakis explica o 25 no nome do movimento que fundou e que hoje se reúne em Lisboa para trabalhar para uma lista transnacional às eleições europeias.
Depois de deixar a política com estrondo em 2015, após a vitória do “não” no referendo grego e abrindo caminho a que o Governo de Alexis Tsipras aceitasse o programa que tinha acabado de ser chumbado, Yanis Varoufakis voltou com o movimento pan-europeu DiEM25, que co-fundou com o filósofo croata Srecko Horvat, e que pretende concorrer às eleições europeias do próximo ano com o mais parecido com uma lista transnacional (que formalmente o Parlamento Europeu não admite). O segundo conselho da lista transnacional reúne-se hoje em Lisboa com seis membros e dois observadores.
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Depois de deixar a política com estrondo em 2015, após a vitória do “não” no referendo grego e abrindo caminho a que o Governo de Alexis Tsipras aceitasse o programa que tinha acabado de ser chumbado, Yanis Varoufakis voltou com o movimento pan-europeu DiEM25, que co-fundou com o filósofo croata Srecko Horvat, e que pretende concorrer às eleições europeias do próximo ano com o mais parecido com uma lista transnacional (que formalmente o Parlamento Europeu não admite). O segundo conselho da lista transnacional reúne-se hoje em Lisboa com seis membros e dois observadores.
Disse numa entrevista que o país em que o movimento DiEM25 tem mais sucesso é na Alemanha.
Sim, é verdade.
Mas é também um país em que não tem nenhum partido associado. Porquê?
O problema na Alemanha (não só, mas a pergunta foi sobre a Alemanha) é que há muitos progressistas mas estão divididos entre vários partidos. E cada partido progressista está também ele próprio dividido. O SPD [Partido Social-Democrata] tem excelentes pessoas mas está totalmente dominado por Scholz, que é uma outra versão de Schäuble. As pessoas com quem devíamos trabalhar do SPD estão apanhadas nesta mistura. O mesmo com os Verdes: há lá pessoas, especialmente na ala dominante, que pensam como Schäuble mas que reciclam. E Die Linke (A Esquerda) está muito dividido entre pró e anti-europeus. Seria fantástico se estes partidos se dividissem e tivéssemos a criação de um partido progressista, radical, europeísta, na Alemanha.
Isto é um pouco o que estamos a tentar fazer: não dividir os partidos mas criar a infra-estrutura para os progressistas europeus se juntarem. Nos próximos meses vamos estabelecer o nosso próprio partido na Alemanha – claro que não sabemos que impacto é que vamos ter, mas estamos a mexer-nos para criar o nosso presente porque achamos que a nossa ideia de política de "New Deal" [um programa de investimento que comtempla outras medidas como limites à actuação dos bancos e estabeleça direito de todos a bens básicos] é o que a Europa precisa em todo o lado.
Trabalham com vista às próximas eleições europeias. Mas em quantos países estão presentes?
Bom, estamos presentes em todo o lado. Mas temos aqui em Lisboa a reunião do conselho do nosso movimento transnacional e vamos anunciar o seu nome. E temos representantes da Grécia, Alemanha, França, Benoît Hamon [do movimento Génération.s, ex-Partido Socialista] está cá, o Partido Comunista Francês está cá, Dinamarca, Polónia, e claro o Livre. Como observadores temos partidos da Croácia, Eslovénia, e estamos constantemente a fazer uma "open call" para juntar mais forças políticas para o resto da Europa.
Uma das últimas cartas abertas foi dirigida a quatro políticos, incluindo Catarina Martins, do Bloco de Esquerda. Teve alguma resposta?
Temos uma resposta do Bloco de Esquerda dizendo que não vão estar presentes porque discordam de nós em duas coisas: primeiro nas listas transnacionais que propomos, e segundo na nossa agenda federalista, acham que devia haver um processo de assembleia democrática que levasse a uma Constituição europeia.
É uma pena porque sempre pensei que a esquerda se distingue pelo seu internacionalismo e não por se esconder sob a fachada do Estado-nação. Mas queremos ser uma força unificadora e continuaremos a falar com os nossos amigos e colegas potenciais, Catarina, Pablo [Iglésias], Jean-Luc [Melénchon], todos. Porque isto é uma altura muito difícil na Europa, e uma altura difícil para os progressistas. Os únicos que sabem unir-se são os banqueiros e os fascistas.
O 25 no nome do movimento é um prazo-limite?
Queríamos que tivesse um significado. Que mostrasse uma urgência, que a Europa não tem muito tempo, que cada mês em que está paralisada a União Europeia perde legitimidade, e a imposição das mesmas políticas falhadas tem de se tornar mais autoritária, o que causa ainda mais perda de legimitidade.
E começámos a pensar em 2015, em juntar-lhe dez anos. É arbitrário mas tem um significado, essa a urgência, e também reflecte a crença que temos que os movimentos políticos têm de ter uma data de validade. Não acreditamos em políticos que querem manter-se para sempre.
Mas não há a tentação de, se está a fazer um bom trabalho, querer continuar a fazê-lo, e até melhorar?
Não. No meu caso não. Se não criamos um movimento que procura ter outras pessoas mais jovens que nos sigam, então falhámos como movimento.
Uma vez disse que ser economista era como ser um ateu num mosteiro...
[interrompe] É verdade. Não acredito na economia como uma ciência, é uma pseudo-ciência. Passei a minha carreira a estudar os modelos mais sofisticados e posso dizer que foram construídos para não ter nada a ver com o capitalismo existente. Isto é exactamente o contrário da física. Não houve progresso na economia: não há crise ou recessão que tenha sido correctamente prevista pelos economistas, e nunca vai haver.
E como se vê como político?
Ainda não sou um político. Mas sempre fui altamente politizado desde muito jovem porque vivia num Estado fascista, como muitas pessoas em Portugal viveram num estado fascista, cujo fim é o que hoje acabámos de celebrar.
Mas nunca quis ser político, ministro, deputado. E acredito que esses cargos só devem ir para quem não os quer. Alguém que quer devia ser imediatamente desqualificado. Devia ser serviço obrigatório. É isto que estamos a tentar fazer no DiEM25.
Há quem o acuse de populismo.
Se há coisa que não sou é populista. Esse tenta prometer tudo a todos. Fala aos medos das pessoas para as convencer; isso é o que é para mim um populista. Em Setembro de 2014, alguns meses antes das eleições em que fui eleito deputado pelo Syriza (nunca fui membro do partido) e depois me tornei ministro das Finanças, o partido publicou, sem o meu consentimento, o seu programa económico onde prometiam algumas coisas, não muitas, mas algumas. E eu publiquei um artigo, que pensei que significaria o fim da minha relação com Alexis Tsipras e o partido, onde critiquei as promessas e disse que as únicas coisas que podia prometer ao povo grego era sangue, suor e lágrimas. Não é algo que um populista diga.
O que espera da reunião do DiEM25 de amanhã?
É o segundo encontro do nosso conselho da lista transnacional, o primeiro foi a 10 de Março em Nápoles. Estamos a avançar. Vamos finalizar uma parte muito importante do programa, o programa de Lisboa, que passou de duas para oito páginas, vamos especificar o que queremos dizer com um "New Deal" para a Europa: um "New Deal" para trabalho, "New Deal" para cidadãos enfrentando bancos e instituições financeiras, "New Deal" para a zona euro, "New Deal" para o ambiente... Estamos a avançar para um programa político completo: não apenas ter uma aliança para ir a eleições.
Queremos apresentar um manifesto muito claro e igual para todos os cidadãos europeus. Não dizer apenas "queremos cuidar dos cidadãos" mas sim explicar como o vamos fazer, onde vamos buscar o dinheiro, como o vamos gastar, que instituições queremos criar, o que queremos das instituições actuais.
Olhando para as europeias, com quantos países gostariam de conseguir participar?
Eu gostaria de contar com cem países porque somos internacionalistas. Não acreditamos que os países acabem nas fronteiras e vamos fazer campanha, de modo simbólico, no Reino Unido. Gostávamos de espalhar esta ideia porque achamos que este "New Deal" europeu é importante para outros progressistas noutros locais.
Como vê as críticas à presença de Julian Assange na vossa plataforma, especialmente quanto às acções durante a campanha americana?
Não vejo que tenham sentido. Assange está prisioneiro num edifício horrível nos últimos cinco, seis anos, sem poder ver o sol, simplesmente porque os EUA, tanto o Partido Democrata como [Donald] Trump estão a tentar fazê-lo desaparecer. Porque revelou a todos crimes que estavam a ser cometidos pelos nossos governos. Por essa razão, precisa de ser protegido, respeitado, defendido. Se concordamos com tudo, claro que não, também discordo da minha família em muita coisa, com outros membros do DiEM 25. A quem quer que me diga que discorda da divulgação dos mails de Hillary Clinton respondo: a WikiLeaks sempre teve como política revelar segredos de Estado e não deixar os poderosos descansar porque podem ser reveladas coisas desagradáveis sobre eles. Porque não revelou nada sobre Trump? Porque não tinha.
A Grécia está prestes a completar o programa e fala-se de uma saída limpa para Julho ou Agosto. Acha que é possível?
[Ri-se] Isto é uma piada de muito mau gosto que está a ser feita contra os gregos. Vivendo em Portugal sabe muito bem o que é um acordo de empréstimo, tem três componentes: novos empréstimos, novas medidas, novos pagamentos. E depois há o sistema de vigilância. Nós não vamos ser Portugal, não vamos ter a vigilância que Portugal tem: vamos ter um processo trimestral, com supervisão da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu, em associação com o FMI – isso é a troika. A única coisa que acaba no Verão são os empréstimos.
Por isso têm 30 milhões para pagar, não há mais dinheiro, e tenta-se estender e fazer parecer que não há crise, esperando que quando Merkel não for chanceler possam fazer qualquer coisa, mas entretanto a Grécia está num processo de desertificação, como já disse. Porquê esperar? Estamos a perder 15 a 20 mil jovens todos os meses. Claro que vão ter de fazer qualquer coisa porque a dívida não é possível de pagar. E a Grécia vai-se tornar num Kosovo à beira-mar, vazia, sob controlo de máfias locais e protectorado da União Europeia.