Qualidade do caudal que vem do outro lado da fronteira coloca muitas interrogações
Fertilizantes agrícolas, resíduos industriais, nutrientes e contaminação bacteriana vindos de Espanha escorrem para o Guadiana degradando a água.
Uma das razões pelas quais Espanha quer que um maior volume de água seja debitado para o troço internacional do Guadiana prende-se com o impacte negativo da construção da barragem do Alqueva no equilíbrio ambiental da foz do rio. O receio de Espanha fez com a União Europeia tivesse determinado em 1996 que fosse realizado um estudo à situação ambiental do estuário.
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Uma das razões pelas quais Espanha quer que um maior volume de água seja debitado para o troço internacional do Guadiana prende-se com o impacte negativo da construção da barragem do Alqueva no equilíbrio ambiental da foz do rio. O receio de Espanha fez com a União Europeia tivesse determinado em 1996 que fosse realizado um estudo à situação ambiental do estuário.
Mas antes de Alqueva, já tinham sido construídas na bacia hidrográfica em território espanhol cerca de três dezenas de barragens que armazenam mais do dobro da água (9040 hectómetros cúbicos) que pode ficar na grande barragem portuguesa (4150 hectómetros cúbicos). Os efeitos deste intenso represamento do caudal do rio já se faziam sentir na foz do Guadiana, com o seu progressivo assoreamento. Para além dos sedimentos que deixaram de chegar ao litoral algarvio, salienta-se a preocupante degradação da qualidade da água em território espanhol, reconhecida pelo Ministério da Agricultura e Pesca, Alimentação e Ambiente de Espanha.
No documento Monitorização e Levantamento dos Danos Ambientais Derivados das Invasões do Jacinto-d’Água na Bacia do Guadiana, que aquela entidade editou em Janeiro deste ano, e a que o PÚBLICO teve acesso, está descrita, desde logo, uma realidade associada à disseminação das plantas invasoras que será difícil de superar.
O levantamento à actual situação do Guadiana em Espanha destaca “o alto grau de transformação que o seu curso sofreu”, especialmente nos últimos 70 anos, “devido às culturas de regadio, regulação dos seus caudais, ocupação da margem e extracção de inertes” — acções humanas que vieram alterar “completamente o funcionamento natural do rio”.
Reportando-se ao percurso que atravessa a cidade de Badajoz, as acções de monitorização detectaram “altos níveis de nutrientes (amónio, nitrato, nitrito e fosfato) e contaminação bacteriana, sobretudo de coliformes totais fecais”. Para este “elevado” grau de poluição do meio aquático, prossegue o documento, contribui o emissário da Estação de Tratamento de Águas Residuais de Badajoz que debita, diariamente, “uma média de 56.000 metros cúbicos de efluentes de origem urbana e industrial”.
Fertilizantes e pesticidas
O rio recebe ainda as escorrências das culturas de regadio, praticadas numa área superior a 330 mil hectares, o dobro da que está programada para Alqueva.
A actividade agrícola baseada no regadio surge destacada pelo recurso ao “uso de fertilizantes”, com as consequências associadas a essa prática: o retorno à linha de água das escorrências produzidas que contribuem para um “apreciável enriquecimento em nutrientes” do rio. Em algumas áreas, é detectada “a contaminação por pesticidas”, constata o estudo.
Contribuem ainda para este cenário de poluição aquática, as “várias estações de tratamento de águas residuais que recebem descargas a partir das cidades de Mérida, Badajoz, Villanueva de la Serena, Valdívia, La Encomienda, Povoa de la Calzada, Montijo, entre outras.
O débito lançado por esta carga de efluentes no caudal do Guadiana é reforçado com “determinados resíduos industriais produzidos em fábricas de transformação de produtos alimentares em Medellin, Valdetorres, Villanueva de la Serena, etc.)”.
O estudo destaca as consequências resultantes da contaminação da água na degradação de vegetação autóctone, que associa a fenómenos de erosão e ao surgimento de outras espécies invasivas (especialmente peixes exóticos). As águas da bacia do Gaudiana em território espanhol têm-se revelado o “habitat ideal” para a concentração e proliferação de espécies invasoras, como o jacinto-d’água (Eichhornia crassipes), nenúfar mexicano (Nymphaea mexicana) e peixes exóticos com “alto potencial” de impacto no meio aquático e nas espécies autóctones, prossegue o documento.
As consequências são visíveis desde 2004. A disseminação do jacinto-d’água, uma das mais perigosas e resistentes pragas aquáticas do mundo, estende-se por uma extensão do rio que já ultrapassa os 150 quilómetros, sendo de “difícil controlo”.
Apesar de já terem sido aplicados em acções de limpeza quase 30 milhões de euros, não foi possível erradicar esta espécie, que já se encontra em território nacional.
A detecção de fragmentos de jacinto-d’água no Alqueva é quase diária e obrigou a EDIA a instalar três barreiras de retenção da planta oriunda da Amazónia, e a proceder à recolha semanal dos exemplares que germinam na albufeira.
Acresce, por fim, a “sobreexploração da água na bacia do Guadiana, um problema actual e bem conhecido”, observa o Ministério da Agricultura espanhol, destacando o impacto das barragens e represas, instaladas na bacia do Guadiana — cerca de meia centena —, que vieram transformar “drasticamente o habitat natural fluvial”.