Passar a liberdade, de geração em geração
Imagine a Avenida da Liberdade já sem os pais, os fundadores, os capitães. Imagine daqui a 44 anos a liberdade, que já não será uma novidade.
Ao saudoso Baptista-Bastos tenho a dizer que não estava. Não estava no 25 de Abril de 1974, como não estava no 25 de Novembro de 1975. A revolução chegou dois anos mais cedo do que eu, os primeiros dois anos ganhos por Portugal numa luta que nunca acaba: a luta pela democracia, a luta pela liberdade — o primeiro dos nossos direitos. A mim, chamam-me por isso um filho de Abril. E aos nossos pais só podemos agradecer a herança.
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Ao saudoso Baptista-Bastos tenho a dizer que não estava. Não estava no 25 de Abril de 1974, como não estava no 25 de Novembro de 1975. A revolução chegou dois anos mais cedo do que eu, os primeiros dois anos ganhos por Portugal numa luta que nunca acaba: a luta pela democracia, a luta pela liberdade — o primeiro dos nossos direitos. A mim, chamam-me por isso um filho de Abril. E aos nossos pais só podemos agradecer a herança.
Agora, o dever é nosso: continuar a liberdade como continuamos quem a trouxe. Continuar Abril no dia-a-dia, e não só na palavra. Cultivar Abril, sobretudo na nossa memória. É quando nos vem à memória uma frase batida: a luta continua. Continua?
Quarenta e quatro anos depois da revolução, a luta continua entre quem viveu o dia, como vemos ano após ano nas manifestações, nas associações, nos partidos. Continua também entre os historiadores, também eles pais de Abril — como Pacheco Pereira, que através da Ephemera hoje nos mostra os cartazes dos que não desistiram de lutar.
Quarenta e quatro anos depois, a luta também continua entre os filhos. Porque a memória dos pais está em carne viva, porque estes a viveram na pele e nos passaram a palavra e o sentimento. Nós, os filhos, não o vivemos. E com os netos de Abril, como será?
Imagine a Avenida da Liberdade já sem os pais, os fundadores, os capitães. Imagine daqui a 44 anos a liberdade, que já não será uma novidade. Celebramos? Lembramos? Ainda a sentimos?
Infelizmente, nos dias de hoje, a pergunta já não é retórica, como a dos discursos na Assembleia. Não nos remete apenas para a memória, atira-nos para uma inquietação. É que, em 1974, o nosso Abril abriu as portas do mundo à terceira vaga das democracias; agora, em Abril de 2018, há democracias no mundo a fechar essas portas. Nestes dias, neste ano, discutimos líderes que afrontam, guerras que assustam, fronteiras que se fecham, mensagens que enganam, censuras que julgámos desaparecidas. Da América à Rússia, passando até pela Europa, a democracia parece-nos em erosão. Será uma ilusão?
Se não é retórica, então é uma obrigação. A nós, os filhos de Abril, cumpre-nos manter viva a herança. Não deixar que a Avenida perca gente, perca alma. Não deixar de cantar a Revolução, nas palavras tranquilas — mas determinadas — com que os militares a fizeram. A nós cumpre-nos não deixar cair no esquecimento, nem normalizar a celebração. Se hoje o país discute um Museu para os Descobrimentos, que tal um para a Revolução?