Pedido pelos lisboetas, o 24 voltou e logo se encheu de turistas
Quem mora em Campolide aplaude o regresso do 24E não só porque lhe fazia falta mais um transporte público, mas também porque acredita que a freguesia precisa de turistas para “arrebitar um bocado”. E foi isso que obteve. Esta quarta-feira, as viagens são gratuitas.
O guarda-freio põe o espelho de fora da janela da frente do eléctrico para escolher o destino que se segue: Largo Camões. De Campolide já não partia para ali um eléctrico desde de que a carreira do 24E deixou os carris há 23 anos. Na terça-feira, numa freguesia fora do centro da capital, foi dia de festa. Pelo menos assim era para Natércia Santos, de 71 anos, ao lembrar-se do “tempo de menina”, em que andava no 24E para cima e para baixo, quando ainda se pagavam oito tostões pelo bilhete. “Veja lá o que isso hoje é, menina!”, atira, enquanto dá um sorriso a quem entra e logo avisa que não é preciso puxar dos passes nem da carteira. “Hoje é de borla.”
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O guarda-freio põe o espelho de fora da janela da frente do eléctrico para escolher o destino que se segue: Largo Camões. De Campolide já não partia para ali um eléctrico desde de que a carreira do 24E deixou os carris há 23 anos. Na terça-feira, numa freguesia fora do centro da capital, foi dia de festa. Pelo menos assim era para Natércia Santos, de 71 anos, ao lembrar-se do “tempo de menina”, em que andava no 24E para cima e para baixo, quando ainda se pagavam oito tostões pelo bilhete. “Veja lá o que isso hoje é, menina!”, atira, enquanto dá um sorriso a quem entra e logo avisa que não é preciso puxar dos passes nem da carteira. “Hoje é de borla.”
O eléctrico começou de mansinho a andar por aí. Primeiro em testes, entre a Praça Luís de Camões e a Praça de Campolide. A população pôs-se logo em alvoroço na praça dos dias de hoje que são as redes sociais, onde começaram a postar fotografias do 24E nos carris. Estaria a antiga carreira de volta? Tudo indicava que sim. O lançamento chegou a ser previsto para Maio, mas foi já na terça-feira, com viagens gratuitas para quem quiser recordar o trajecto, suspenso há mais de 20 anos. Esta quarta-feira, o passeio continua gratuito.
Sai de Campolide, desce a Rua das Amoreiras, passa pelo Jardim das Amoreiras e pelo Largo do Rato em direcção à Rua da Escola Politécnica, Príncipe Real. Daí continua pelo Miradouro de São Pedro de Alcântara, Largo Trindade Coelho, terminando, para já, na Praça Luís de Camões. Isto porque, “daqui a uns meses”, a ligação deverá ser estendida até ao Cais do Sodré, garantiu o presidente da câmara, depois da viagem inaugural do eléctrico.
“Eram tantas pessoas que nos tinham pedido isto e durante muitos anos não foi possível. Agora que a Carris passou para a câmara (em Fevereiro de 2017), assumimos que tínhamos de o fazer. E aqui está”, disse aos jornalistas Fernando Medina, acompanhado pelo vereador da Mobilidade, Miguel Gaspar, e pelo presidente da Carris, Tiago Farias.
“Fazia falta assim uma electricozinho para as pessoas mais idosas. O autocarro é muito brusco. Este é mais suave”, notava Natércia durante o percurso e lembrando que o 758 é o único autocarro a fazer aquele percurso, que liga a freguesia à Baixa.
A voltas do 24E
“Tivemos muita pena quando o eléctrico deixou de andar. É muito engraçado o eléctrico, uma coisa antiga. Fiquei muito contente quando soube que ia voltar”, diz Manuela, 79 anos para o mês que vem, que o apanhava na Avenida Miguel Bombarda, quando o 24E ainda passava na Praça do Chile.
Há 23 anos que o 24E estava fora dos carris, depois de 90 anos a percorrer as ruas da capital. Em Agosto de 1995, a circulação acabou suspensa por causa da construção de um parque de estacionamento subterrâneo, em Campolide que não ia permitir que os eléctricos continuassem a circular no decorrer das obras. Só que a empreitada acabou, mas o 24E não voltou aos carris.
O percurso que agora foi resposto é o mais curto que a carreira do 24 já viu. Quando foi inaugurada, em 1905, o eléctrico circulava entre o Largo do Carmo e Campolide. Já em 1942, foi prolongada à Praça do Chile, pela Avenida Almirante Reis e, em 1974, e por causa da fusão com a carreira 21, começou a seguir até à Rua da Alfândega. Era então uma das linhas mais extensas da Carris, dando uma volta à cidade, desde Santa Apolónia e passando pelo Alto de S. João, Praça do Chile, Avenida Duque de Ávila, Campolide, Amoreiras, Largo do Rato e Príncipe Real até chegar ao Largo do Carmo. Muito maior do que o troço actual.
Quatro anos antes do seu encerramento, em 1991, foi encurtada até ao Alto de S. João, inaugurando-se uma nova carreira, a n.º 23, entre a Praça do Chile e a Rua da Alfândega. Em 1994, o percurso acabou desviado do Largo do Carmo para o Cais do Sodré.
Cheio de turistas
Há muito que ver o 24E novamente nos carris se tornou uma luta dos lisboetas. Ao longo destas duas décadas foram lançadas algumas petições e a reactivação da carreira chegou a ser proposta no âmbito do orçamento participativo. “Tanto pedimos, tanto pedimos que ele aqui está agora”, diz Natércia, em jeito de missão cumprida, que reconhece, assim comos os outros munícipes com quem conversamos, que tanto a freguesia, como os turistas podem ganhar com o “amarelinho” na rua.
“Fazia falta. Mais ainda por causa do turismo. Os turistas adoram os eléctricos e vê-se que a maior parte são estrangeiros”, comenta António Cotovia, olhando para uma carruagem onde se ouve pouco falar português.
Fernando Medina, por seu lado, diz que o boom turístico da capital não pesou na decisão de reactivar a linha. “De todo. O que pesou foi mesmo a vontade dos lisboetas.”
“Até é bom para os nossos turistas. Para eles conhecerem o nosso Campolide que estava tão triste”, diz Natércia. Muitas lojas estão fechadas. “Nem há uma pastelaria para comer um bolinho bom”, diz Manuela, que espera que, agora, a freguesia “arrebite um bocado”. A avaliar pelas primeiras horas da nova vida do 24E, as visitas de estrangeiros não vão faltar.
O 15E até à Cruz Quebrada
A promessa deixada pelo autarca da capital é a de que é para continuar com a expansão de mais linhas de eléctrico e de mais carruagens. Primeiro, “porque é não só um meio de transporte sustentável”, notou Medina, mas porque “é também muito típico da cidade e muito acarinhado pelos lisboetas”. Para já, está também a ser pensado o prolongamento do eléctrico 15 até à Cruz Quebrada, “e até mais dentro do município de Oeiras”, disse o autarca. Para depois seguir para o lado ocidental da cidade, até Santa Apolónia, e depois para o Parque das Nações.
Para já, vão circular três carruagens naquele percurso — ainda que a ideia é que esse número seja ajustado consoante a procura, garantiu Tiago Farias —, que estavam afectos aos circuitos turísticos e foram agora repostos como carreira normal.
A frota vai também ser reforçada com a compra de mais 30 eléctricos, dos quais 20 serão dos articulados e dez dos clássicos. Com a reabertura da linha do 24E, foram ainda formados 32 guarda-freios.
“Isto é tão fantástico. É tão único”, observava uma turista, em inglês. Foram muitos os que aproveitaram para tirar fotografias ao eléctrico sobre os carris. Houve até quem aplaudisse a nova carreira.
“Dá gosto vê-las cheias”, dizia quem o estava a apreciar. Quem partilhou a viagem de regresso com o PÚBLICO à Praça Luís de Camões, não escapou, porém, a um percurso atribulado. Chegados ao Largo do Rato, um eléctrico “em formação”, que andava na frente do 24E, estacionou mesmo ali no largo. Quem seguia com tempo ali terá ficado à espera que as “questões técnicas” da carruagem fossem resolvidas. Quem não podia esperar saiu logo ali para apanhar o autocarro. “Olhe que triste, logo no primeiro dia não poder seguir viagem.” Difícil a jornada do 24E logo no primeiro dia desta nova etapa.