Vieira da Silva levou 20 meses a aprovar auditoria à Misericórdia de Lisboa
Concluída em Abril de 2016, a auditoria à SCML só foi homologada em Janeiro deste ano. Por isso, só agora pôde ser conhecida e seguiu para o Tribunal de Contas. Vieira da Silva diz que o tempo de aprovação “não se destaca da média”.
O ministro da Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva, demorou 20 meses a homologar o relatório da auditoria que o seu antecessor, Mota Soares, mandou fazer à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. A aprovação governamental do documento, concluído pela Inspecção-Geral do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (IGMTSSS) em Maio de 2016, ocorreu em Janeiro deste ano, semanas depois de o PÚBLICO ter começado a questionar o ministro sobre a actividade da IGMTSSS e três meses depois de Santana Lopes ter cessado as suas funções de provedor.
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O ministro da Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva, demorou 20 meses a homologar o relatório da auditoria que o seu antecessor, Mota Soares, mandou fazer à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. A aprovação governamental do documento, concluído pela Inspecção-Geral do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (IGMTSSS) em Maio de 2016, ocorreu em Janeiro deste ano, semanas depois de o PÚBLICO ter começado a questionar o ministro sobre a actividade da IGMTSSS e três meses depois de Santana Lopes ter cessado as suas funções de provedor.
Devido ao atraso da homologação, só no fim de Janeiro é que o relatório foi enviado à Misericórdia, para cumprimento das respectivas recomendações, e ao Tribunal de Contas, para apreciação das infracções financeiras detectadas quase dois anos antes. Só a investigação do Ministério Público (MP), ainda em curso e em segredo de justiça, aos contratos celebrados entre a SCML e alguns dos seus fornecedores entre 2012 e 2014 é que não terá sido prejudicada pelo aquele atraso. Não pelo facto de a inspecção ter comunicado ao Ministério Público, em Julho de 2016, os indícios criminais detectados pelos seus auditores, mas porque a Polícia Judiciária já estava a investigar o assunto, pelo menos desde meados de 2015, na sequência da publicação de várias notícias do PÚBLICO sobre essa matéria.
Relatório também esperou
Muito lenta foi também a aprovação ministerial do relatório anual de actividades da IGMTSS referente a 2015. O documento foi homologado a 21 de Dezembro do ano passado, seis dias depois de o PÚBLICO ter perguntado se isso já tinha acontecido e 20 meses depois da sua conclusão. No mesmo dia foi homologado o relatório de 2016, concluído em Abril de 2017.
A juntar ao atraso do relatório de 2015, a sua homologação, bem como a da prestação e contas do ano seguinte, só foi comunicada à inspecção-geral no início de Fevereiro deste ano. A publicação de ambos no site da secretaria-geral do ministério, porém, só foi feita em meados de Março, dois dia após o PÚBLICO ter requerido a respectiva consulta ao abrigo da Lei de Acesso e Reutilização de Documentos Administrativos (LARDA).
Mais rápida do que Vieira da Silva mostrou-se a ministra da Justiça, Francisca Van Dunen, que ao fim de um mês já tinha aprovado o relatório da Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça referente a 2016. Despachado foi também Mário Centeno, que em dois meses deu andamento ao relatório de 2015 da Inspecção-Geral de Finanças (IGF). Já no ano passado levou os mesmos oito meses que Vieira da Silva a aprovar o de 2016. Perdido no seu gabinete deve estar o de 2014: a julgar pelo site da IGF, nunca foi homologado.
O mesmo verifica-se com algumas das últimas prestações de contas anuais de outras inspecções-gerais, entre as quais se conta a da Educação e Ciência, das Actividades de Saúde, da Administração Interna, dos Serviços de Justiça e da Agricutura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território (IGAMAOT). A diferença está em que, ao contrário do Ministério do Trabalho, que só publicou os documentos depois de eles serem aprovados por Vieira da Silva, todos estes ministérios, apesar de não terem alguns dos relatórios homologados como a lei manda, ou pelo menos não aludirem a tal homologação, têm-nos publicados nos sites das suas inspecções.
Vieira da Silva desvaloriza
No caso da auditoria à contratação pública na Misericórdia de Lisboa, Vieira da Silva desvaloriza a demora registada na apreciação do relatório, admitindo mesmo que é normal levar vinte meses para o fazer. Em resposta ao PÚBLICO, afirma que esse prazo “não se destaca da média do tempo gasto na análise em processos de igual complexidade”. Ainda assim, não adianta qualquer quantificação ou exemplo de situações idênticas, nem a escassa informação publicada online pela IGMTSSS permite efectuar comparações.
Contrariamente ao que faz uma boa parte dos outros ministérios, o MTSSS não divulga os relatórios das auditorias realizadas pela sua inspecção-geral. Quem os quiser conhecer tem de requerer a sua consulta nas instalações da inspecção-geral ao abrigo da LARDA - como fez o PÚBLICO depois de constatar, no relatório de actividades de 2016, que a auditoria à SCML já estava à espera de homologação no final de 2016 e sem saber que ela só ocorrera em Janeiro.
Também ao contrário de quase todas as outras inspecções-gerais, a do MTSSS não possui um site institucional próprio, usando, apenas para divulgação dos seus relatórios anuais, o site da secretaria-geral do ministério.
O facto de as auditorias da IGMTSSS não serem tornadas públicas inviabiliza, portanto, qualquer comparação com os vinte meses que foram precisos para homologar o relatório sobre a Misericórdia. No entanto, a análise de 60 das auditorias disponíveis nos sites das inspecções-gerais que publicam a totalidade ou parte dos seus relatórios mostra-se esclarecedora: apenas um deles, neste caso na área da Agricultura, demorou também 20 meses a aprovar. Um outro esperou 13, um segundo 10 e todos os restantes menos do que isso - com 30 a levarem no máximo três meses.
Explicações ou coincidências?
Ao sublinhar que o tempo decorrido entre a conclusão da auditoria à SCML e a sua aprovação está dentro da média, Vieira da Silva poderá querer antecipar-se a alguma eventual polémica. Tanto mais que, enquanto o documento - especialmente crítico em relação às práticas contratuais da administração de Santana Lopes na Misericórdia - aguardava luz verde para ser divulgado, a controvérsia sobre a entrada da SCML no capital do Montepio Geral fazia mossa nas hostes governamentais. Seja como for, o texto foi homologado quatro dias depois da derrota de Santana nas eleições para a liderança dos PSD.
Tanto no que respeita ao relatório sobre a SCML, como aos relatórios de actividades da IGMTSSS, Vieira da Silva salienta ainda que os respectivos processos “nunca estiveram parados ou retidos no gabinete do ministro, tendo antes percorrido o circuito normal de análise e pareceres pelos serviços deste ministério fundamentais para a tomada de uma decisão esclarecida sobre a homologação ou não homologação”.
Por outro lado, assegura que nesta legislatura, desde o final de 2015, já homologou “mais de duas dezenas de relatórios da IGMTSSS”, encontrando-se “igual quantidade em processo de análise” no seu gabinete. Todavia, nos relatórios anuais de 2015 e 2016, que acompanham a situação até 31 de Março de 2017, são identificados 44 relatórios dos quais apenas 9 constam como homologados. Em 2015 são 6, provavelmente a maior parte deles ainda homologados por Mota Soares, e em 2016 e nos três primeiros meses de 2017 são três. No fim de Março do ano passado aguardavam despacho 17 relatórios. A estarem agora homologados “mais de duas dezenas”, como afirma o ministro, terá de se concluir que o ritmo, ou os números dos relatórios não reflectem a realidade, ou o ritmo dos despachos disparou nos últimos doze meses.
Ainda sobre a auditoria à SCML, Vieira da Silva refere que o relatório só lhe chegou às mãos em 17 de Junho de 2016 e que, “dada a sua complexidade e dimensão”, o seu gabinete “entendeu pedir esclarecimentos adicionais à IGMTSSS”. Após resposta da inspecção, acrescenta, o documento “foi ainda enviado à Secretaria-geral do ministério para análise jurídica, o que se traduziu num processo moroso”.
A “dimensão” alegada corresponde exactamente às 34 páginas do relatório e às 252 páginas dos seus anexos. Já quanto ao “processo moroso” que conduziu à homologação do documento, o PÚBLICO solicitou ao gabinete do ministro cópia do parecer jurídico emitido pela sua secretaria-geral acerca do mesmo, mas não obteve resposta. Sem resposta ficou igualmente o pedido de cópia dos documentos em que os serviços propuseram ao ministro a aprovação dos relatórios anuais de 2015 e 2016 e que muitas vezes, mas não nestes dois casos, são publicados juntamente com os relatórios.
Em jeito de última explicação, Vieira da Silva salienta que “a lei não impõe qualquer prazo para homologação pelos ministros da tutela” dos relatórios da IGMTSSS, “sendo que a complexidade de cada processo pode implicar períodos de apreciação mais ou menos longos”.