Gato escondido com rabo de fora
A história da auditoria à Santa Casa é só mais um exemplo de como não é preciso um Rio para descobrirmos um bloco central.
Sempre que se vislumbra no sistema político uma aproximação ao centro, a conversa regressa ao medo: o bloco central é um perigo para a democracia, não apenas porque os maiores partidos anulam alternativas políticas que são necessárias, mas também e sobretudo porque os grandes interesses se juntam num só — e terão tendência para se proteger.
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Sempre que se vislumbra no sistema político uma aproximação ao centro, a conversa regressa ao medo: o bloco central é um perigo para a democracia, não apenas porque os maiores partidos anulam alternativas políticas que são necessárias, mas também e sobretudo porque os grandes interesses se juntam num só — e terão tendência para se proteger.
O caso que José António Cerejo hoje nos relata é a prova de que não é preciso um bloco central formal para que esse problema esteja entre nós. E mostra também como um dos maiores problemas do país — e do seu sistema político — é o da enorme falta de transparência com que os poderes públicos actuam.
O que se segue são factos: em 2014, depois de alguns órgãos de comunicação social (como o PÚBLICO) terem levantado dúvidas sobre a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), o Governo de Passos mandou fazer uma auditoria à instituição. Ela demorou a ser feita e só chegou ao Ministério dois anos depois, já com António Costa primeiro-ministro. Depois, passaram 20 meses até que Vieira da Silva lhe pusesse a assinatura, permitindo o seu envio para o Tribunal de Contas, a quem caberá fazer um julgamento e tirar as devidas consequências.
O que se segue também são factos: segundo a auditoria, os inspectores da Segurança Social identificaram na SCML numerosas irregularidades, queixando-se até de a Santa Casa lhes ter condicionado o trabalho; Santana Lopes foi reconduzido à frente da instituição pelo novo Governo; o relatório da inspecção chegou à mesa do ministro Vieira da Silva, onde ficou durante 20 meses à espera de uma assinatura, que só foi posta no papel depois de Santana Lopes ter anunciado que abdicava do lugar para concorrer à liderança do PSD (mais até, depois de ter pedido essas eleições internas, ficando por uma vez fora do palco político).
O que segue ainda são factos: durante todo este período, a auditoria ficou em segredo, sendo um caso raríssimo de demora na homologação de uma auditoria — e um caso também raro de um ministério que esconde os resultados das suas auditorias e inspecções; foi também neste seu último mandato à frente da Santa Casa que Santana Lopes lançou o processo de entrada da Santa Casa no Montepio, num momento sensível para a Mutualista, que, por sua vez, também é supervisionada pelo Ministério da Segurança Social.
A partir daqui, quero deixar claro, não são factos, só uma dúvida: quando todos estes factos se cruzam, quando todos eles são postos na mesma linha cronológica, onde é que está o gato?