Sustentabilidade financeira da Segurança Social: números, diagnósticos e entendimentos
Reforço a ideia, que há muito defendo, da criação de uma entidade pública com estatuto de independência, competindo-lhe fazer análises de sustentabilidade, avaliações actuariais, estudos e projecções financeiras das responsabilidades públicas com pensões e elaboração de recomendações
Uma das consequências do envelhecimento da população é a redução da população activa e o seu impacto no mercado de trabalho. As projecções, quer da Comissão Europeia, quer da OCDE, mostram que o crescimento do emprego e da produtividade não será suficiente para gerar um potencial de crescimento da economia capaz de compensar os impactos negativos do envelhecimento demográfico no sistema de pensões. Estudos recentes alertam para o risco do crescimento da massa salarial no longo prazo não acompanhar o crescimento do produto, o que coloca problemas ao actual modelo de financiamento do sistema de pensões assente no mercado de trabalho.
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Uma das consequências do envelhecimento da população é a redução da população activa e o seu impacto no mercado de trabalho. As projecções, quer da Comissão Europeia, quer da OCDE, mostram que o crescimento do emprego e da produtividade não será suficiente para gerar um potencial de crescimento da economia capaz de compensar os impactos negativos do envelhecimento demográfico no sistema de pensões. Estudos recentes alertam para o risco do crescimento da massa salarial no longo prazo não acompanhar o crescimento do produto, o que coloca problemas ao actual modelo de financiamento do sistema de pensões assente no mercado de trabalho.
É um excelente sinal que, no debate sobre os desafios da Segurança Social, estejam presentes os Parceiros Sociais e entidades como o Conselho Económico e Social. Vejo na sua intervenção o reconhecimento da necessidade de debater o problema da sustentabilidade financeira da Segurança Social e a vontade de contribuir para a sua dinamização com propostas concretas que permitam traçar um caminho sustentável articulado com o desempenho da economia e as questões da justiça e equidade contributiva.
Esta preocupação é tão ou mais importante quanto estas Entidades compreendem que podem e devem ter um papel activo nas decisões políticas sobre o futuro do Sistema de Segurança Social, alicerçado em estudos credíveis e sérios, colocando ao serviço desta vontade a combinação dos conhecimentos que têm sobre a realidade económica e social com as competências de especialistas externos, designadamente academias e instituições que estudam este tema.
Dentro deste quadro de actuação realço, pelo seu importante contributo, o livro da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal “O Sector dos Serviços e os Desafios da Segurança Social” e o livro do Conselho Económico e Social “Segurança Social: Modelos e Desafios”, ambos publicados em Fevereiro deste ano.
No primeiro caso, trata-se de um estudo no qual são apresentadas propostas concretas com base no princípio da diversificação das fontes de financiamento. No segundo caso, o livro reúne as comunicações apresentadas na Conferência “Segurança Social: Modelos e Desafios” na qual foi debatida a variedade de modelos de segurança social e foram apontados possíveis caminhos para responder aos desafios futuros que se colocam ao sistema de segurança social português.
Os decisores políticos têm vindo a ser interpelados para a necessidade de o País agir de forma estruturada sobre o Sistema de Segurança Social. Parece que todos os partidos políticos reconhecem que o sistema de pensões, no actual modelo, não é financeiramente sustentável, embora não haja consenso, quer quanto à necessidade de precisar o conceito de sustentabilidade financeira, quer quanto à escolha das metodologias mais indicadas para a respectiva quantificação.
Com efeito, parceiros sociais, academias, centros de investigação e outras instituições do meio económico e social, desde há muitos anos que procuram aprofundar e estudar o tema da sustentabilidade da segurança social, tarefa que se apresenta limitada pela impossibilidade de acederem aos dados oficiais.
Com efeito, sem uma estimativa dos desequilíbrios financeiros no médio e longo prazo, é difícil fazer uma leitura do problema e propor medidas concretas que actuem sobre a sustentabilidade.
A dívida implícita é um bom indicador de avaliação do nível de sustentabilidade financeira de um sistema de pensões financiado em regime de repartição, como é o caso português. Há dívida implícita quando, para um determinado horizonte temporal, o valor actual das contribuições e quotizações e de outras fontes de financiamento próprias do sistema é inferior ao valor actual das responsabilidades assumidas com o pagamento das pensões.
Uma boa estimativa da dívida implícita tem diversas vantagens do ponto de vista da análise macroeconómica e do processo de decisão política de escolha. Vejamos algumas delas:
a) Se as responsabilidades com pensões sem cobertura financeira não forem reconhecidas como um passivo, coloca-se a questão de saber como é que a decisão política influencia as escolhas individuais de utilização do rendimento ao longo da vida activa.
b) Constituindo as responsabilidades com pensões sem cobertura financeira dívida pública, então há impacto intertemporal em termos de constrangimentos orçamentais. No futuro estes constrangimentos terão que ser resolvidos com agravamento de impostos e/ou contribuições sociais, redução dos benefícios e/ou redução de despesa pública de outros sectores públicos. O conhecimento da dívida implícita acentua estas necessidades e as escolhas políticas por entre as várias opções.
Os governos em Portugal não têm tradição de realizar com regularidade avaliações actuariais que permitam conhecer, entre outros aspectos, a existência de dívida implícita e a sua dimensão, composição e estrutura.
O Governo publicou em 2015 uma avaliação actuarial do Sistema Previdencial da Segurança Social. O trabalho com informação relevante e detalhada não teve “honras” de apresentação pública, pelo contrário, o assunto foi politicamente desvalorizado e, rapidamente, morreu.
O Governo em funções assumiu como prioridade, no seu Programa do Governo, fazer uma avaliação rigorosa da evolução do sistema de segurança social, dos impactos das medidas tomadas e dos desafios que se colocam decorrentes das transformações demográficas e do mercado de trabalho. Até agora nada se sabe sobre este trabalho.
Todos os anos é publicado um relatório de sustentabilidade financeira da segurança social em anexo à proposta do Orçamento de Estado. Os relatórios evidenciam a persistência de desequilíbrios financeiros de médio e longo prazo.
Estes relatórios não incluem, no entanto, as responsabilidades públicas com pensões do regime da Caixa Geral de Aposentações, pelo que, sendo parciais, não retratam de forma completa a situação, deixando de fora uma parte significativa daquelas responsabilidades.
Estes relatórios levantam vários problemas que os fragilizam. Com efeito, as projecções financeiras registam, de ano para ano, elevada volatilidade quanto à dimensão dos desequilíbrios e sua distribuição no tempo. Evidenciam, invariavelmente, ano após ano, desvios significativos em relação aos pressupostos assumidos em exercícios anteriores, sem que sejam fornecidas explicações, nem disponibilizadas as metodologias utilizadas e as várias hipóteses assumidas em relação às variáveis críticas consideradas. A boa gestão de riscos financeiros recomenda que, nestes exercícios de projecção, se recorra à análise de sensibilidade de diferentes cenários de evolução das variáveis críticas, de modo a avaliar a amplitude dos riscos em presença, demográficos e económicos. Se esta metodologia é seguida, então os inputs e outputs destas análises deveriam ser publicados.
A falta de transparência constitui um “Calcanhar de Aquiles” para o debate que é necessário fazer. A utilidade do debate implica, em boa medida, dispormos de diagnósticos e estudos credíveis. Caso contrário, não evoluímos para além da opinião.
Por sua vez, os diversos actores políticos e sociais que querem estudar e trabalhar estes temas não têm acesso aos números relevantes (“microdados”) porque os governos entendem não os disponibilizar. A falta de números será sempre uma barreira que impede que sejamos capazes de nos entender sobre o diagnóstico. E sem um diagnóstico credível não haverá condições para nos entendermos sobre o que fazer.
Não há nenhuma justificação para abdicarmos de conhecer a sustentabilidade financeira da Segurança Social.
Neste quadro de fragilidades e necessidades, reforço a ideia, que há muito defendo, da criação de uma entidade pública com estatuto de independência, competindo-lhe fazer análises de sustentabilidade, avaliações actuariais, estudos e projecções financeiras das responsabilidades públicas com pensões e elaboração de recomendações.
CIDADANIA SOCIAL - Associação para a Intervenção e Reflexão de Políticas Sociais - www.cidadaniasocial.pt