Serviços do Património insistem que município aprovou obra sem o seu parecer obrigatório
Construção de residência sénior na Foz Velha está parada por ordem judicial e contra a vontade da autarquia, que diz ter cumprido a lei.
A Direcção Regional de Cultura do Norte acusa a Câmara do Porto de ter sustentado a aprovação do início das obras de uma residência sénior na Foz Velha, uma zona classificada, numa interpretação errada de um parecer da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC). Os trabalhos estão parados, por ordem judicial, e numa resposta à providência cautelar que deu origem a este embargo, a DGPC considera que até à emissão de um novo parecer “os trabalhos não podem ser iniciados”.
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A Direcção Regional de Cultura do Norte acusa a Câmara do Porto de ter sustentado a aprovação do início das obras de uma residência sénior na Foz Velha, uma zona classificada, numa interpretação errada de um parecer da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC). Os trabalhos estão parados, por ordem judicial, e numa resposta à providência cautelar que deu origem a este embargo, a DGPC considera que até à emissão de um novo parecer “os trabalhos não podem ser iniciados”.
No mês passado, ainda antes de ser decretada, pelo tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAFP), a paragem das obras, a Direcção Regional de Cultura do Norte (DRCN) exigiu à Câmara do Porto a "imediata suspensão" daquela empreitada por ausência do seu "parecer prévio, obrigatório e vinculativo", como teria de acontecer numa zona que tem o estatuto de Interesse Público.
A esta intervenção, o presidente da câmara, Rui Moreira, respondeu, publicamente, a 27 Março, afirmando que "já houve um parecer [favorável à obra] da DGPC que é vinculativo. Se a direcção-geral ou a direcção regional entendem que se arrependeram dos pareceres ou se acham que os pareceres não estão em forma, então devem eles mandar parar as obras", acrescentou o autarca, citado pela Lusa.
Perante este entendimento da autarquia, expresso num ofício enviado à DRCN, esta respondeu a 11 de Abril, um dia antes de o juiz Marcelo Mendonça, do TAFP, ter mandado notificar as partes envolvidas de que deveriam parar as obras. E nessa resposta, a que o PÚBLICO teve agora acesso, recorda que, quando foi chamada a avaliar uma proposta de alteração ao loteamento – que incluía uma mudança de uso das edificações previstas, de habitação para residência de idosos – o parecer da direcção-geral “foi claro e assertivo quanto à imposição de condicionantes” e terminava mesmo com a fórmula “aprovo, condicionado à correcção dos parâmetros urbanísticos anteriores”.
O projecto tramitou nos serviços do urbanismo da câmara tendo em conta um trecho desse parecer: “atenta a informação da DRCN, com o qual concordo genericamente, verifica-se que a alteração funcional proposta de “habitação” para “residência de idosos” poderá vir a ser aceite na medida em que é enquadrável nas condicionantes definidas na Portaria de classificação da “Foz Velha” considerando que esta nova função é compatível com a função habitacional e não provoca “uma intensidade de tráfego, ruído ou outro tipo de poluição ambiental”.
No entanto, a DRCN argumenta que o parecer “não atribui ao promotor privado qualquer direito de construir” sem que o subsequente aditamento ao loteamento seja enviado à administração do património cultural “com as devidas correcções para emissão de parecer prévio e vinculativo, como resulta claro e evidente da sua leitura”. E, acrescenta, o mesmo teria de acontecer com o “posterior projecto de arquitectura”, que nunca foi enviado àquela entidade, que se insurge contra o facto de os trabalhos de construção terem sido autorizados mediante “uma comunicação prévia apresentada pelo privado” antes de terem sido dados aqueles passos.
Num loteamento em vigor, a comunicação prévia é mecanismo bastante para o avanço de uma obra, como previsto no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, mas, no caso de uma empreitada numa área classificada, e face ao “valor reforçado” da lei 107/2001 que estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural, a Direcção Regional de Cultura entende que o procedimento não poderia ter sido esse porque seria exigível “uma autorização expressa e o acompanhamento” dos órgãos competentes em termos de gestão do património que, segundo a mesma legislação, “têm de ser previamente informados dos planos, programas, obras e projectos, tanto públicos como privados, que possam implicar risco de destruição ou deterioração de bens culturais, ou que de alguma forma os possam desvalorizar.”
A lei prevê a dispensa de parecer de entidades da administração do património cultural. Só que, argumenta a DRCN, esta dispensa só poderia ter sido concedida se tivesse sido realizado “um plano de pormenor de salvaguarda, na sequência da classificação de monumentos, ou um outro plano integrado, facto que ainda não se verificou no caso em apreço”, nota. E não tendo havido um plano, nem o parecer prévio, entende este organismo que os actos administrativos praticados pelo município podem ser considerados nulos.
CDU estranha "pressa" do município
Esta argumentação acompanha a tese da Associação dos Moradores e Amigos da Foz Velha, que interpôs uma acção contra a aprovação e licenciamento do loteamento na Rua de Montebelo/Travessa Alegre, já em 2016, e que perante o deferimento da comunicação prévia, já este ano, e do subsequente arranque das obras, interpôs uma providência cautelar. A 12 de Abril, o TAFP apoiou a pretensão da associação, dando ordem de paragem das obras enquanto a acção principal é apreciada.
Esta quinta-feira a vereadora da CDU na Câmara do Porto, Ilda Figueiredo, considerou que o processo urbanístico em Montebelo "é, no mínimo, confuso" e revela, "no mínimo, pressa excessiva" da autarquia "de passar por cima de procedimentos legais obrigatórios". "A CDU vai apresentar de imediato um requerimento ao senhor presidente da Câmara, tendo em conta esta situação" , disse Ilda Figueiredo.
A comunista, que esteve esta tarde no local e reuniu com o presidente da Associação de Moradores e Amigos da Foz Velha, disse pretender saber "o porquê de ter sido dada autorização à obra em Montebelo sem o parecer necessário", "mas também perceber o porquê de ainda hoje se ouvir ruído dentro do terreno, quando a obra já está suspensa".