Anton Webern é a procura da essência da música
Pela primeira vez, a Casa da Música dedica o ciclo Música & Revolução a um só compositor, cuja obra será quase integralmente apresentada em quatro concertos na Sala Suggia.
Depois de abordar momentos e fenómenos históricos como o 25 de Abril e a repressão sobre grandes vultos da música pelo nazismo e pelo estalinismo, por exemplo, a Casa da Música vai este ano concentrar o ciclo Música & Revolução num só compositor, o austríaco Anton Webern (1883-1945).
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Depois de abordar momentos e fenómenos históricos como o 25 de Abril e a repressão sobre grandes vultos da música pelo nazismo e pelo estalinismo, por exemplo, a Casa da Música vai este ano concentrar o ciclo Música & Revolução num só compositor, o austríaco Anton Webern (1883-1945).
O programa começa esta sexta-feira e prolonga-se até 29 de Abril, com quatro concertos que vão percorrer todos os períodos criativos deste compositor nascido em Viena – mais um momento da programação do Ano Áustria –, que integrou, ao lado de Schönberg e Alban Berg, a chamada Segunda Escola de Viena, e cuja “obra revolucionária”, nota António Jorge Pacheco, “determinou a existência de um antes e um depois de Webern na história da música”.
O director artístico da Casa da Música realça que, além de uma iniciativa dedicada em Viena, há já mais de uma década, ao compositor, “jamais foi feito um festival tão abrangente da sua obra”. Para tal, a Casa da Música põe em palco não apenas as suas formações – a Orquestra Sinfónica do Porto, o Remix Ensemble e o Coro –, mas convida também o Arditti Quartet, formação de cordas londrina especializada em música de câmara.
Webern foi alguém que, sendo revolucionário, respeitava integralmente a tradição da música germânica. “É como um escultor que pega num grande bloco de pedra e começa a limpar, a limpar, até ficar reduzido à essência”, compara Pacheco, adiantando que “a sua música é muito contida, com muito poucas notas, com as quais consegue a expressividade máxima”.
Ainda num paralelismo com as artes plásticas, o responsável pela programação da Casa compara a edição de Música & Revolução deste ano com uma exposição monográfica num museu, que permite ao público “um raro momento de imersão” na obra de um autor. E arrisca mesmo dizer que a Casa da Música irá apresentar “quase 90% da produção musical de Webern”, que, no final, é “relativamente reduzida”, tendo em vista não apenas a sua grande auto-exigência criativa, mas também o facto de ter morrido precocemente aos 61 anos, em Setembro de 1945, baleado por engano por um soldado americano já após o termo da guerra.
Os dois primeiros concertos do programa, sexta-feira e sábado, têm ambos duas partes com actuações das três formações da Casa da Música. E o reportório vai da obra de juventude e de graduação de Webern, Passacaglia (1908), e de peças compostas antes do seu período dodecafónico, até às cantatas que compôs durante a guerra, com o seu país ainda ocupado pelo exército nazi, e às canções e melodias atonais, que serão cantadas pela soprano ucraniana Christina Daletska – que Baldur Brönnimann, maestro titular da Orquestra Sinfónica do Porto, diz ser “uma das poucas que podem interpretar esta música”.
No dia 22, o Arditti Quartet vai executar trios e quartetos de cordas, desde os reflexos do romantismo tardio que marcou o início da produção de Webern até ao refinamento expressionista da sua fase serialista.
A fechar o programa, dia 29, o Coro, dirigido por Paul Hillier, vai cantar “os motetes de Isaac”, revisitando a influência que o músico flamengo renascentista Heinrich Isaac (1450-1517) teve no compositor austríaco – que lhe dedicou, de resto, a sua tese de doutoramento –, mas também no estoniano Arvo Pärt.
Jazz e jovens em Maio
Na conferência de imprensa de quarta-feira, em que apresentou o programa de Música & Revolução, António Jorge Pacheco chamou também a atenção para o calendário da Casa da Música de Maio, que será um dos meses mais preenchidos do ano, com concertos quase todos os dias. Mas os momentos fortes serão, sobretudo, o festival Spring On, dedicado às novas tendências do jazz (dias 3 a 6), e o ECHO Rising Stars (19 e 20 de Maio).
O primeiro contará com quatro concertos, três deles duplos, com nomes emergentes do jazz – e os cruzamentos que ele sempre permite – que actualmente se faz em Portugal e na Europa. O trio B-Mesmo, os portugueses Paisiel, Heartbreakers e Roque, o quinteto norueguês Honest John, o alemão Julius Gabriel e o italiano Enrico Zanisi serão os protagonistas de Spring On.
Mais à frente, durante dois dias, a Casa da Música acolhe os seis nomeados para a presente temporada da rede ECHO (European Concert Hall Organisation), o clube muito selectivo das salas de concerto europeias – onde António Jorge Pacheco integra a comissão executiva.
No dia 19, actuam o duo Tamás Pálfalvi (trompete)-Marcell Szabó (piano), o percussionista Christopher Sietzen e o Quarteto Van Kuijk; no dia seguinte, será a vez dos duos Nora Fischer (voz)-Daniël Kool (piano) e Ellen Nisbeth (viola)-Bengt Forsberg (piano), e do violinista Emmanuel Tjeknavorian.
O ECHO Rising Stars faz, para cada temporada, uma selecção de seis intérpretes/formações antecipando carreiras promissoras e dando-lhes a oportunidade de circularem e actuarem nos principais palcos da Europa. Em anos anteriores, Portugal já esteve representado pelo Quarteto de Cordas de Matosinhos e pelo clarinetista Horácio Ferreira. Para a temporada 2019/20, António Jorge Pacheco revelou que outro português foi também já nomeado – pela própria Casa da Música e pela Fundação Gulbenkian, mas também pela Filarmonia do Luxemburgo –: o acordeonista João Barradas (n. Porto Alto, 1992).
Dois outros nomes ainda a reter no calendário de Maio: a visita, dia 13, do guitarrista e compositor norte-americano John Scofield, a apresentar o seu novo disco, Contry for Old Men; e, no final do mês (dias 25 a 27), em mais uma edição de Tributo a D. Helena [Sá e Costa, 1913-2006], a presença do maestro e pianista alemão Christian Zacharias para dois concertos, o segundo dos quais a solo, a tocar peças de Haydn, Bach e Schubert.