Os complementos solidários
Complementar os salários com suplementos e subsídios é, entre nós, uma forma habitual de governar. Entre o risco de aguentar com o populismo maledicente nas conversas de café e o de perder uma ferramenta muito útil de governação, qual é a dúvida?
Deveria ser simples e claro e os deputados deveriam ser os primeiros a querer que assim fosse. A remuneração é x e tem direito a reembolso de y, se essas despesas existirem. Mas tem-se preferido fazer algo que até podia passar despercebido no experimentalismo dos anos 80 ou na chico-espertice dos anos 90, mas em 2018 já não passa. Como os salários dos titulares de alguns cargos públicos são relativamente baixos e é impopular pagar mais, prefere-se atribuir sob a forma de acréscimo administrativo, por vezes de duvidosa legalidade, complementos manifestamente solidários de todos nós a quem exerça aquela função.
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Deveria ser simples e claro e os deputados deveriam ser os primeiros a querer que assim fosse. A remuneração é x e tem direito a reembolso de y, se essas despesas existirem. Mas tem-se preferido fazer algo que até podia passar despercebido no experimentalismo dos anos 80 ou na chico-espertice dos anos 90, mas em 2018 já não passa. Como os salários dos titulares de alguns cargos públicos são relativamente baixos e é impopular pagar mais, prefere-se atribuir sob a forma de acréscimo administrativo, por vezes de duvidosa legalidade, complementos manifestamente solidários de todos nós a quem exerça aquela função.
É isto um problema exclusivo da remuneração dos nossos políticos? Não e está mais do que diagnosticado. Não é diferente do que se foi fazendo nos diversos níveis e emanações da nossa administração e das nossas magistraturas: como o salário-base não podia ser aumentado sem visibilidade e generalização, foram sendo criados suplementos e subsídios ad hoc, aqui para contentar um sindicato, ali para agradar a uma categoria profissional com peso e dimensão, agora para calar uns descontentes ou recompensar uns contentinhos e, de quando em vez, até para procurar alguma justiça retributiva perante funções profissionais diferenciadas.
Portanto, “complementar” não é só um dever de justiça ou uma vicissitude administrativa – complementar é, entre nós, uma forma habitual de governar, que vem de há pelo menos dois ou três séculos e foi elevada a arte no Estado Novo, isto para aqueles que sintam a tentação de clamar pelo impoluto Botas também neste tema. Complementar com a casinha, com o dinheirinho, com os quilómetros feitos, com o bilhetinho, seja com o que for.
Já houve um governo recente que disse com pompa que ia rever as tabelas e os complementos salariais na função pública, que supostamente inventariou à exaustão. E inventariou com dificuldade, imagina-se. Mas claro que não o fez. E assim até ganhou as eleições seguintes... Podia ser útil retomar a tarefa, mas ninguém quer mexer nisso. Entre o risco de aguentar com o populismo maledicente nas conversas de café e o de perder uma ferramenta muito útil de governação, qual é a dúvida?