"Só contamos com a solidariedade dos povos, não dos governos"

Os Capacetes Brancos salvam pessoas dos escombros nos bombardeamentos na guerra na Síria. Com cerca de quatro mil membros, de todas as religiões, tornaram-se um símbolo de resistência da sociedade civil neste conflito. Dois deles estão em Portugal.

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Os Capacetes Brancos em Fafe Manuel Meira

Em quatro anos, os Capacetes Brancos (CB) da Síria já resgataram 114 mil pessoas. “Se não fosse a esperança numa Síria em paz, já teríamos morrido”, dizem Ahmad Al Yousef, 38 anos, que era professor de matemática, e Nidal Izzden, 37, dentista de profissão. Os dois membros dos CB estão em Fafe desde quarta-feira, para participar num conjunto de iniciativas no âmbito do festival Terra Justa – Encontro de Causas e Valores da Humanidade.

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Em quatro anos, os Capacetes Brancos (CB) da Síria já resgataram 114 mil pessoas. “Se não fosse a esperança numa Síria em paz, já teríamos morrido”, dizem Ahmad Al Yousef, 38 anos, que era professor de matemática, e Nidal Izzden, 37, dentista de profissão. Os dois membros dos CB estão em Fafe desde quarta-feira, para participar num conjunto de iniciativas no âmbito do festival Terra Justa – Encontro de Causas e Valores da Humanidade.

Os CB já só esperam, agora, a solidariedade dos povos, já que os governos dos países mais poderosos ficam-se pelas condenações verbais. Com cerca de quatro mil membros, dos quais cerca de 400 mulheres, reunindo muçulmanos, cristãos “e até ateus”, os CB já pagaram também um preço alto da sua missão: 237 foram mortos quando socorriam outras pessoas.

Há alguma história que vos tenha marcado mais, nestes quatro anos de missões?

AHMAD AL YOUSEF (A.Y.) – Houve um voluntário dos CB que me ligou [ontem]: um dia foi chamado para ajudar depois de um bombardeamento; poucos minutos depois, os aviões voltaram para bombardear ali perto; disseram-lhe para ir ao segundo sítio e descreveram-lhe o local. Ele percebeu que era a casa dele; correu para lá, assustado e, quando chegou, a casa estava destruída. Viu a esposa e perguntou pela mãe, que tinha ficado no quarto, sob os escombros. Ficou em choque e começou a chamar por ela, a dizer que estava a salvar os outros e não tinha conseguido salvar a mãe...

Porque registam o que fazem?

A.Y. – Quando filmamos, não é para fazer propaganda. A razão mais importante é documentar o que acontece no terreno, documentar os crimes. A comunidade internacional não se vai mexer por ver uns vídeos de pessoas a morrer. Mas a nossa missão é dar voz a quem não tem voz, as vítimas também têm direitos.

O regime e a Rússia dizem que o ataque químico em Douma foi uma mentira. Qual é a vossa convicção?

N.I. – O regime diz que não usou armas químicas. Não só estamos convencidos do contrário, como documentámos o ataque. Não temos um laboratório para saber que agente químico foi usado, mas filmámos pessoas a salivar e outras cuja pele ficou azul. No início, o regime disse que não tinha armas químicas, mas depois assinou um acordo para as entregar. Como é que se disse que não se tem e depois se diz que entregam as armas?

A Rússia e o regime acusam-nos de estarem ligados a grupos terroristas. Como conseguem trabalhar mantendo a neutralidade?

N.I. – A única garantia para não sermos atacados por nenhum dos grupos que combatem é a nossa neutralidade. Caso contrário, seríamos o primeiro alvo dos ataques.

Sete anos depois do início da guerra, como se sai daqui?

N.I. – É muito difícil responder. Teremos de chamar à justiça os criminosos, que mandaram aviões para bombardear as pessoas, que permitiram que muita gente que estava nas prisões saísse para formar grupos da Al-Qaeda, do Daesh, etc. São os que ajudaram os mesmos grupos no Iraque. E são estes grupos a base do mal. Antes de 2011, havia um Estado. Depois de 2011 e da revolução, instalou-se um caos generalizado, formaram-se grupos armados para espalhar o pânico, abriram-se as fronteiras para deixar entrar toda a gente... O regime é que permitiu o que está a acontecer.

Os Capacetes Brancos têm pedido a intervenção da ONU, mas as Nações Unidas são o que os EUA, a Rússia e a União Europeia permitirem. O que se pode fazer?

N.I. – O povo sírio já perdeu a fé e a esperança na comunidade internacional. Agora, só contamos com a solidariedade dos povos, não dos governos. Todos os dias ouvimos condenações, mas o que acontece a seguir? Que passos concretos se dão? Nenhuns... Na ONU houve 12 vetos, seis deles só por causa do uso de armas químicas. Houve uma resolução para um cessar-fogo em Goutha, e o que aconteceu? Houve um deslocamento forçado das pessoas que, a seguir, foram bombardeadas com armas químicas...

Têm esperança numa Síria em paz, onde seja possível a convivência de diferentes culturas e religiões? É possível, numa Síria sem Assad, que a liberdade religiosa subsista?

N.I. – Se não fosse essa esperança, já tínhamos morrido. Uma das estratégias que temos é de espalhar a mensagem de que todos têm lugar. A convivência que existia na Síria não existia em muitos lugares do mundo. Há muitos lugares onde vivem cristãos, católicos ou outros, muçulmanos xiitas e outros. E nos CB também temos essa mistura, até temos ateus.

No início, pensávamos no que iria acontecer depois de Assad, se seria possível arranjar alternativa para ele sem acontecerem coisas piores. Mas Assad continua lá e o pior está a acontecer, não pode haver pior do que isto: um país destruído e cortado aos bocados...

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