Quanto mais depressa se corre, mais depressa se aprende
Em experiências em ratinhos no Centro Champalimaud percebeu-se que melhoravam a sua capacidade de aprendizagem se os fizessem correr mais depressa. Pensa-se que o mesmo poderá acontecer nos humanos.
Será que se corrermos mais depressa, aprendemos mais depressa e melhor? Sim, pelo menos se os corredores forem ratinhos. Este é o principal resultado de um estudo de cientistas do Centro Champalimaud, em Lisboa, e publicado esta segunda-feira na revista Nature Neuroscience. A equipa também descobriu onde este fenómeno se desenrola no cérebro dos ratinhos.
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Será que se corrermos mais depressa, aprendemos mais depressa e melhor? Sim, pelo menos se os corredores forem ratinhos. Este é o principal resultado de um estudo de cientistas do Centro Champalimaud, em Lisboa, e publicado esta segunda-feira na revista Nature Neuroscience. A equipa também descobriu onde este fenómeno se desenrola no cérebro dos ratinhos.
No início, o objectivo da equipa era perceber como os circuitos neuronais do cerebelo (região do cérebro importante para o controlo do movimento) se alteram com a aprendizagem de uma tarefa motora. “O nosso objectivo era relacionar a plasticidade celular no cérebro com a aprendizagem”, conta Catarina Albergaria, principal autora do estudo, num comunicado do Centro Champalimaud. Por quê o cerebelo? “O cerebelo é importante para a aprendizagem de movimentos com precisão”, frisa Megan Carey, coordenadora do trabalho, no mesmo comunicado.
Para isso, a equipa testou em ratinhos a aprendizagem perante um novo estímulo. O cenário era o seguinte: enquanto os ratinhos corriam numa passadeira, tinham de aprender a fechar as pálpebras em resposta a um flash (estímulo visual) antes de receberem um sopro de ar nos olhos, explica-se no comunicado. Mas os testes não estavam a correr bem: os resultados variavam muito entre os ratinhos e não se viam os efeitos da aprendizagem.
O que estava errado? Descobriu-se que os ratinhos mutantes usados não conseguiam correr muito bem. “Quando fizeram todos os animais correr mais depressa e à mesma velocidade, as suas curvas de aprendizagem tornaram-se semelhantes e o seu desempenho melhorou”, lê-se no comunicado.
Concluiu-se assim que havia uma ligação entre a velocidade da corrida e o melhoramento da aprendizagem. “O nosso principal resultado é que podemos melhorar a capacidade de aprendizagem dos ratinhos fazendo-os correr mais depressa”, considera Catarina Albergaria. Também se percebeu que, mesmo depois da aprendizagem inicial, os ratinhos continuavam a depender da velocidade da locomoção para as outras tarefas. “O desempenho dos ratinhos piorava quando diminuíamos a velocidade da passadeira, e isto acontecia em poucos segundos”, conta.
Entrar no cerebelo
Mas a experiência não acabou aqui. A equipa quis perceber onde ocorria exactamente esta aprendizagem. Como tal, além do estímulo visual, testaram nos ratinhos outros estímulos, como ouvir um som ou sentir uma vibração nos bigodes. O resultado foi o mesmo: quanto mais depressa os ratinhos corriam, melhor era a aprendizagem. Isto significava que esta aprendizagem acontecia independentemente do sistema sensorial.
O passo seguinte foi então “entrar” no cerebelo. Para isso, os cientistas substituíram a actividade motora pela estimulação dessa parte do cérebro, usando a optogenética, uma técnica que, ao introduzir certos genes nos neurónios, permite que as células que queremos estudar no cérebro se “liguem” e “desliguem” recorrendo a lasers. E que observaram foi que, quando conseguiam aumentar a actividade num tipo de axónios – as fibras musgosas –, a aprendizagem melhorava. “Conseguimos identificar o local do cerebelo onde decorre esta modulação”, frisa Megan Carey.
No comunicado, Catarina Albergaria explica ainda qual é a importância deste trabalho: “O que causa este efeito não precisa de ser a locomoção. Tudo o que provoca um aumento de actividade nas fibras musgosas poderá igualmente modular a aprendizagem”, adiantando ainda a investigadora que, para já, não consegue responder se o mesmo acontece noutro tipo de aprendizagens noutras zonas do cérebro.
Por isso, num comentário na mesma revista, Jennifer Raymond, da Universidade de Stanford (EUA), considera: “Como muitas novas descobertas, os resultados da equipa de Albergaria abrem outras direcções para mais investigação.” E enumera alguns pontos. Primeiro, é preciso olhar para a generalidade dos resultados. “Por exemplo, a locomoção pode ter alguns efeitos na aprendizagem a estímulos mais complexos?” Depois, se a locomoção melhora todas as respostas comportamentais dependentes do cerebelo ou se só afecta algumas respostas.
E, já agora, o efeito da actividade física no cérebro dos ratinhos pode ser observado nos humanos? “O cerebelo é uma estrutura que se manteve conservada nas diversas espécies e existem circuitos que são comuns às várias espécies. [Os resultados] bem poderiam aplicar-se a outras formas de aprendizagem cerebelar nos humanos”, refere Catarina Albergaria no comunicado. Ao que Megan Carey acrescenta: “Há uma tendência para pensar que, para as pessoas melhorarem a sua capacidade de aprendizagem, têm de recorrer a medicamentos. Mas aqui, a única coisa que tivemos de fazer para obter uma melhoria foi controlar a velocidade de locomoção dos ratinhos. Seria interessante ver se isto se aplica aos humanos nas formas cerebelares de aprendizagem – e até noutros tipos de aprendizagem.”
Jennifer Raymond termina o seu comentário levantando essas hipóteses: “Será que se pode melhorar as funções do cerebelo humano durante os movimentos, como nadar, andar de bicicleta, andar a pé e correr? E que tal ao conduzirmos? Antes de pôr de parte o meu carro, vou dar um passeio e pensar neste assunto.”