Jair Bolsonaro denunciado por racismo ao Supremo Tribunal Federal

Pré-candidato à Presidência do Brasil referiu-se a elementos de certas comunidades "como se fossem animais", argumenta a procuradora-geral.

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Jair Bolsonaro Stringer .

Jair Bolsonaro, o pré-candidato à Presidência do Brasil que elogia o passado de ditadura militar no país, poderá vir a ser julgado no Supremo Tribunal Federal por uma acusação de racismo.

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Jair Bolsonaro, o pré-candidato à Presidência do Brasil que elogia o passado de ditadura militar no país, poderá vir a ser julgado no Supremo Tribunal Federal por uma acusação de racismo.

A acusação foi apresentada ao Supremo pela procuradora-geral do Brasil, Raquel Dodge, por palavras ditas pelo pré-candidato, em várias ocasiões, "contra quilombolas, indígenas, refugiados, mulheres e LGBT".

Em destaque estão declarações de Jair Bolsonaro em Abril do ano passado, durante uma conferência no Clube Hebraica, no Rio de Janeiro, sobre as comunidades de quilombolas (descendentes de escravos negros que vivem em comunidades conhecidas como quilombos, onde se pratica uma cultura de subsistência com ligações culturais ao passado).

Nessa ocasião, Bolsonaro criticou a atribuição de subsídios estatais aos quilombolas, mas não foi essa a razão apontada pela procuradora-geral para acusar o pré-candidato de racismo: "O réu não expôs simplesmente que discorda da política pública que prevê gastos com o aludido grupo, mas inegavelmente proferiu palavras ofensivas e desrespeitosas, passíveis de causar danos morais colectivos", disse Rosa Dodge.

Durante a conferência, Bolsonaro disse que não dará "um centímetro demarcado" a reservas indígenas ou quilombolas se for eleito Presidente, e fez outros comentários considerados ofensivos pela acusação: "Onde tem uma terra indígena, tem uma riqueza em baixo dela. Temos que mudar isso daí. [...] Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador ele serve mais."

Reagindo à acusação, Bolsonaro disse que estava apenas a defender a necessidade de dar mais autonomia aos quilombolas, e disse que se isso foi interpretado como racismo, "paciência".

Este sábado, Bolsonaro partilhou no Twitter um vídeo em que aparece rodeado de brasileiros negros, com as frases "Muito racismo e homofobia juntos... Chega do politicamente correcto".

Um dos seus filhos, Flávio Bolsonaro, mudou o nome de utilizador no Twitter para "Flavio NEGÃO Bolsonaro" e comentou a acusação: "Racista é o cu da sua mãe, militante esquerdista nojento! Jair Bolsonaro foi forjado no quartel, lugar de gente decente, humilde, trabalhadora e cheio de negão!"

Mas a procuradora-geral tem um entendimento muito diferente: "Jair Bolsonaro tratou com total menoscabo os integrantes de comunidades quilombolas. Referiu-se a eles como se fossem animais, ao utilizar a palavra 'arroba'. Esta manifestação, inaceitável, alinha-se ao regime da escravidão, em que negros eram tratados como mera mercadoria, e à ideia de desigualdade entre seres humanos, o que é absolutamente refutado pela Constituição brasileira e por todos os tratados e convenções internacionais de que o Brasil é signatário, que afirmam a igualdade entre seres humanos como direito humano universal e protegido."

Por questões de agenda, o julgamento de Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal não deverá ser realizado antes das eleições presidenciais, marcadas para Outubro, o que limita a discussão sobre a sua inelegibilidade – se fosse condenado no Supremo por racismo antes das eleições, Bolsonaro arriscaria uma pena de prisão efectiva de um a três anos e poderia ser abrangido pela Lei da Ficha Limpa (que o impediria de se candidatar).

A Procuradoria-Geral da República pede também o pagamento de uma indemnização de 400 mil reais (95 mil euros), a distribuir por projectos de apoio às comunidades visadas.

Esta não é a primeira vez que Jair Bolsonaro se vê a contas com a Justiça por causa de declarações públicas. Por este mesmo caso sobre as comunidades quilombolas, o pré-candidato às eleições no Brasil foi condenado ao pagamento de 50 mil reais (12 mil euros) por um tribunal do Rio de Janeiro, em Outubro do ano passado – como essa foi uma acção da esfera cível, não se aplica a Lei da Ficha Limpa, que visa apenas a esfera criminal.

Para além desse caso, Jair Bolsonaro é réu no Supremo Tribunal Federal desde 2016 por incitação ao crime de estupro e injúria. Em 2014, o deputado federal pelo Rio de Janeiro e antigo capitão do Exército brasileiro disse à deputada Maria do Rosário, do Partido dos Trabalhadores, que não a "estupraria" apenas porque ela "não merecia". O julgamento no Supremo ainda não tem data marcada, mas Jair Bolsonaro foi condenado por esta acusação em Agosto do ano passado, num outro julgamento.