São as mulheres com maior escolaridade que mais fumam. Nos homens é ao contrário
Independentemente do sexo, são os desempregados e os divorciados que apresentam maiores consumos de tabaco. Apesar das campanhas informativas sobre os malefícios de fumar, em 27 anos não se registaram alterações relevantes na prevalência global.
O perfil das mulheres e dos homens fumadores é muito diferente. Neles, o consumo verifica-se sobretudo nos grupos menos escolarizados, nelas é o contrário. Esta é uma das conclusões do trabalho Características Sociodemográficas dos Fumadores em Portugal, desenvolvido por investigadores do Instituto Nacional Dr. Ricardo Jorge (Insa). A análise retrospectiva aos cinco Inquéritos Nacionais de Saúde (1987 a 2014) é divulgada nesta sexta-feira.
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O perfil das mulheres e dos homens fumadores é muito diferente. Neles, o consumo verifica-se sobretudo nos grupos menos escolarizados, nelas é o contrário. Esta é uma das conclusões do trabalho Características Sociodemográficas dos Fumadores em Portugal, desenvolvido por investigadores do Instituto Nacional Dr. Ricardo Jorge (Insa). A análise retrospectiva aos cinco Inquéritos Nacionais de Saúde (1987 a 2014) é divulgada nesta sexta-feira.
O documento nota que a diferença detectada terá tendência a esbater-se à medida que os consumos se democratizem entre as mulheres com menos escolarização.
Outro dos dados que sobressaem nos 27 anos em análise é que, independentemente do sexo, são os desempregados e os divorciados que apresentam maiores consumos de tabaco. Apesar de todas as campanhas informativas sobre os malefícios de fumar, não se registaram alterações relevantes na prevalência global durante este período: há uma linha quase recta que resulta do facto de o consumo entre as mulheres estar a subir, fazendo o caminho inverso daquele se tem registado entre os homens.
“O consumo de tabaco em Portugal continental apresenta diferentes tendências para homens e mulheres, com a prevalência a diminuir nos homens e a aumentar nas mulheres desde 1987”, diz o relatório, que teve como objectivo caracterizar os principais factores socioeconómicos associados ao consumo de tabaco e sua tendência temporal.
Para isso, quatro investigadores do Insa analisaram os dados dos Inquéritos Nacionais de Saúde (INS) disponíveis (1987, 1995/96, 1998/99, 2005/06 e 2014). O que permitiu perceber que o consumo entre as mulheres passou de 6% em 1987 para 14,6% em 2014. Já nos homens confirmou-se uma descida de 35,2% em 1987 para 26,7% em 2014. O que faz com que globalmente não existam alterações relevantes na prevalência do consumo de tabaco no contexto da população total: entre 1987 era de 19,9% enquanto em 2014 era de 20,2%.
Desde logo sobressai outra diferença entre homens e mulheres. “Nos homens, a frequência mais elevada de consumo observa-se nos grupos socioeconómicos mais desfavorecidos, verificando-se o oposto nas mulheres”, aponta o documento.
Até ao INS de 1998/99, quem mais fumava eram mulheres com grau académico superior. Esta realidade alterou-se a partir de 2005, altura em que as maiores prevalências de consumo nas mulheres passaram a situar-se no 9.º ano de escolaridade e no ensino secundário. Também nessa altura, o maior consumo que se verificava entre os quadros superiores passou para os quadros intermédios.
Emancipação das mulheres
Nos homens, à excepção do primeiro INS em que a maior prevalência de consumo é entre aqueles que têm o ensino secundário e o ensino superior, os maiores consumos verificam-se entre aqueles que não sabem ler, têm menos que o 6.º ano de escolaridade e o 3.º ciclo. De forma global, os homens registam maior consumo de tabaco.
Embora este trabalho não analise causas, a investigadora aponta algumas hipóteses para o facto de o consumo nas mulheres estar associado a mais escolaridade: poderá estar a haver uma relação com o processo de emancipação da mulher. “Pode estar associado ao contexto cultural, a uma maior liberdade e vontade de ter comportamentos similares aos dos homens”, sugere.
“Aquilo que se passou com os homens há dez ou 15 anos está agora a passar-se com as mulheres. Em parte é esperável”, diz o presidente da Confederação Portuguesa de Prevenção do Tabagismo, Emanuel Esteves.
O médico estima que esta “oscilação pendular” vai continuar nos próximos anos, com a transferência dos padrões de consumo para as mulheres menos escolarizadas, “como se verificou nos homens há mais tempo”.
A socióloga Susana Henriques aponta a “facilidade de acesso, a publicidade, a necessidade de afirmação associada a mudanças nos papéis sociais das mulheres” como factores que podem explicar esta evolução.
Até 2005, foi a região de Lisboa e Vale do Tejo que registou maior prevalência de consumo feminino, passando o Algarve para primeiro lugar no último INS. Já nos homens é o Alentejo que sobressai na análise por regiões.
Grupos mais vulneráveis
Um dos objectivos da análise, explica a co-autora do estudo, Ausenda Machado, foi “sinalizar os grupos com maior probabilidade de consumo de tabaco para que em conjunto com a Direcção-Geral da Saúde (DGS) se pudessem desenvolver estratégias para reverter consumos”. No INS de 2005 a análise teve em conta as diferenças entre sexo e algumas variáveis sociodemográficas. Nessa altura, refere a investigadora, surgiram “os desempregados e divorciados com maiores probabilidades de consumo de tabaco”.
“Quisemos perceber se era um padrão só de 2005 ou se havia evidência de ser algo que acontecia de forma sistemática”, diz Ausenda Machado, acrescentando que a análise destes 27 anos permitiu perceber que há uma consistência temporal, sendo nestes dois grupos, quer nos homens, quer nas mulheres, que se concentram a maior prevalência de fumadores.
No relatório, os investigadores sugerem que “devem ser considerados no planeamento e na avaliação das estratégias de cessação” tabágica. “São pessoas numa situação mais frágil, de isolamento, solidão, que estão muito tempo sem se sentirem activos, o que poderá desencadear ou intensificar comportamentos adictivos”, explica, referindo que os dados do estudo já foram partilhados com a DGS.
Este é um trabalho que não está concluído. O grupo está agora a desenvolver uma análise semelhante, mas com outros determinantes como o consumo de álcool, consumo de vegetais e actividade física.