William T. Vollmann, o escritor omnívoro
Tudo interessa a William T. Vollmann, romancista, contista, ensaísta, desenhador, o caso raro das letras americanas.
William T. Vollmann saiu por uns dias do seu estúdio, um antigo restaurante mexicano que comprou e transformou em segunda casa, na cidade de Sacramento, Califórnia, onde vive com a mulher, uma oncologista, e a filha. É que terça-feira, 10 de Abril, chegou às livrarias americanas o seu 27º livro, No Immediate Danger: Volume One of Carbon Ideologies, 600 páginas de um estudo sobre as alterações climáticas revelador, se dúvidas restassem, da multiplicidade de interesses deste escritor, jornalista, correspondente de guerra, cartoonista, pintor, homem avesso a catalogações a quem chamam caso raro.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
William T. Vollmann saiu por uns dias do seu estúdio, um antigo restaurante mexicano que comprou e transformou em segunda casa, na cidade de Sacramento, Califórnia, onde vive com a mulher, uma oncologista, e a filha. É que terça-feira, 10 de Abril, chegou às livrarias americanas o seu 27º livro, No Immediate Danger: Volume One of Carbon Ideologies, 600 páginas de um estudo sobre as alterações climáticas revelador, se dúvidas restassem, da multiplicidade de interesses deste escritor, jornalista, correspondente de guerra, cartoonista, pintor, homem avesso a catalogações a quem chamam caso raro.
Aos 58 anos, William Tanner Vollmann, a quem os mais próximos tratam por Bill, construiu uma carreira marcada pelo aventureirismo desde que abandonou a universidade e o curso de Direito que os pais tinham sonhado e foi atrás da sua curiosidade omnívora por todo o mundo, em empregos precários, vivendo em pensões baratas de bairros complicados, dormindo à noite no escritório onde trabalhava, às escondidas de todos e alimentando-se de barras de cereais, enquanto aproveitava cada minuto livre para escrever.
Escreveu sempre, um impulso que lhe veio da tragédia, como tem contado: em criança viu a irmã mais nova morrer à sua frente. Foi sempre a tentar entender o sofrimento que se estreou em 1987 com You Bright and Risen Angels, a história de uma guerra virtual entre insectos, publicado em Portugal em 2014 com o título Vós, Iluminados e Elevados Anjos (7 Nós). Não demorou a que o pusessem como discípulo de Thomas Pynchon ou William Gaddis, mas foi-se construindo de forma independente. Quando lhe perguntavam por influências nomeava também Ernest Hemingway, não apenas pelo modo de narrar mas pela forma como trazia a sua experiência para a escrita. Como ele, era repórter. Só que a síntese de um tem pouco a ver com a verborreia de outro. Vollmann gosta de palavras e não economiza nelas, apesar de afirmar que não as usa em vão. Em romances ou em ensaio sempre que as palavras não estão a resultar diz que é porque o texto não está a sair honesto e abandona-o. Custa acreditar dado o volume da sua produção.
Entre contos e romances extensos, sempre colados à realidade, publicou um vasto ensaio sobre violência, escreveu sobre prostituição e para tentar entender o que seria viver no corpo de uma mulher, criou uma personagem, Dolores, o seu alter-ego-feminino de que resultou, em The Book of Dolores, uma mulher encerrada no corpo gordo de um homem. Vollmann vestiu-se de mulher, fotografou-se como Dolores, actuou como Dolores — ri do modo como isso suscita a curiosidade. O interesse dele é o sofrimento. E depois como pôr isso em palavras, como chegar aos outros. É quase um mantra na sua vida e obra, onde se destacam ainda os sete volumes da série Seven Dreams, e as mais de três mil páginas de The Rising Up and Rising Down (2003), muito ambicioso ensaio sobre a violência. Mas entre todos, destaca-se Central Europa, o seu romance mais aclamado, um tratado sobre a História da Europa, e também aquele onde se ouve menos a sua voz de autor. Vollmann inclui-se enquanto personagem no que escreve, mas aqui menos, para dar voz a outras figuras reais da arte e da política europeias. A imaginação é, no entanto, reconhecidamente a dele. Como o traço em desenhos logo à entrada.
Muitos destes livros são acompanhados de desenhos. Numa conversa com o Ípsilon em 2014 descrevia o seu cenário: cheio de livros, de quadros, de desenhos, com frigorífico e cama, janelas entaipadas e um computador desligado da Internet. “Continuo a ir aos correios, já imaginou?!”. Confessava-se sem e-mail, sem telemóvel. Só um telefone que às vezes esquece. E a preferência pela pesquisa em bibliotecas. Mas conhece o mundo dos computadores: um dos seus empregos foi como programador. Por vezes faz consultas, mas é a rede que o incomoda. Não quer pertencer.
Vollmann construiu-se assim e o que faz vai sendo resultado do que lhe interessa aprender. Agora, no novo livro, é o clima, mas quer fazer uma BD. Está em viagem e quando voltar a Sacramento irá contar coisas.