Bloco junta-se ao Podemos e a Mélenchon para lançar novo movimento político europeu

“Agora, o povo” quer juntar partidos e movimentos sociais de vários países para encontrar uma política alternativa para a Europa.

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Agora, o povo: nasceu nesta quinta-feira ao fim da tarde, em Lisboa, um novo movimento político de esquerda europeu pela mão do Bloco de Esquerda, do Podemos e do França Insubmissa.

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Agora, o povo: nasceu nesta quinta-feira ao fim da tarde, em Lisboa, um novo movimento político de esquerda europeu pela mão do Bloco de Esquerda, do Podemos e do França Insubmissa.

Os três partidos assinaram a chamada “declaração de Lisboa por uma revolução cidadã na Europa” apelando aos países europeus que ajudem a construir um “movimento político internacional, popular e democrático” para fazer um “novo projecto de organização para a Europa”. Para tornar a Europa uma “organização democrática, justa e equitativa que respeita a soberania dos povos” e que esteja “ao serviço das pessoas”.

A "declaração de Lisboa", de página e meia, foi subscrita pela coordenadora do Bloco, Catarina Martins, pelo ex-candidato presidencial francês e líder do partido La France Insoumise (em português, A França Insubmissa), Jean-Luc Mélenchon, e pelo líder do partido espanhol Podemos, Pablo Iglesias.

Pablo Iglesias considerou que este movimento é um “passo em frente para uma Europa que se fundamente na justiça social, nos direitos sociais, nos direitos humanos e nos direitos civis”. Salientou que o Agora, o povo quer dar a mão a todos os sectores sociais e políticos que se revejam nestes objectivos de construir uma nova Europa mais democrática, inclusiva e justa e falou da vontade do Podemos de “construir com o Bloco de Esquerda e o França Insubmissa uma alternativa de futuro para os cidadãos europeus”.

O dirigente do Podemos assinalou o fracasso das políticas europeias liberais fundamentadas na necessidade da austeridade, em alguns casos porque se criaram movimentos no sul da Europa que acabaram por ser a chave para uma estratégia diferente em alguns territórios.

Numa curta intervenção, Jean-Luc Mélenchon, falando tanto em francês como em castelhano, vincou com insistência a ideia da urgência sentida na Europa por uma “alternativa” e uma “veia progressista”, chegando mesmo a extremar o discurso ao afirmar que, “claramente, o projecto europeu está morto” e que a Europa “se dirige para a guerra”.

Catarina Martins explicou que o objectivo desta iniciativa política é “criar uma alternativa à actual ideia da Europa e da União Europeia”, recusando os tratados em vigor que se sobrepõem aos interesses de cada país, não se correspondem às necessidades diferentes dos Estados nem respeitam a sua soberania, e “que têm as prioridades de pernas para o ar”. Ou seja, que impõem regras inflexíveis no défice dos países impedindo, por exemplo, investimentos em escolas e hospitais, exemplificou a coordenadora bloquista, tendo em mente, por exemplo, o caso recente das crianças a realizar tratamentos oncológicos no corredor do Hospital São João, no Porto.

O movimento procurará “criar alternativas concretas e credíveis no seio da Europa que possam respeitar os nossos povos, a democracia social o Estado social, conquista dos mecanismos da igualdade”, apontou a líder do Bloco.

Ficou por especificar como será, em termos práticos, o processo de candidatura eleitoral às europeias do próximo ano, escrutínio para o qual já se perfilam diversos movimentos de natureza pan-europeia, embora este tipo de listas não seja permitido.

Começando com estes três partidos dos países da região mais a sudoeste da Europa, como pretende o movimento conquistar terreno? Catarina, Mélenchon e Iglesias não entraram em pormenores, mas a bloquista disse que já começaram a “conversar” com outros partidos e países e que “a seu tempo” há expectativas para o alargamento a outras “forças progressivas”. Também em Portugal? “[O movimento] nasce aqui…”, disse apenas Catarina Martins, rematando os comentários.

Afastados de Varoufakis

Se esta aproximação entre o Podemos e o Bloco já é antiga – Pablo Iglesias chegou a estar na campanha eleitoral de Marisa Matias à Presidência em Janeiro de 2016 -, é mais recente a que faz aos ideais de Mélenchon. Tanto o Bloco como o Podemos chegaram a ter o Syriza de Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis como referência política, mas ambos acabaram por se afastar dos dois políticos helénicos.

O afastamento é mais notório em relação ao segundo, que lançou há dois anos o Movimento Democracia na Europa 2025 (com a sigla em inglês DiEM25) de natureza pan-europeia e que já tem os olhos nas eleições de Maio do próximo ano e nem o Bloco nem o Podemos ali estão representados. Aliás, o movimento Agora, o povo, acaba por ser um concorrente do DiEM25 de Varoufakis, que já conseguiu arregimentar o movimento Génération.s de Benoît Hamon, do antigo PS francês, e também o dinamarquês Alternativet ou o polaco Razem.

No caso de Portugal, o parceiro de Varoufakis no DiEM25 é Rui Tavares, historiador e antigo eurodeputado do Bloco e que depois ajudou a fundar o Livre. Depois de há um mês ter feito a primeira cimeira internacional do DiEM25 em Nápoles para organizar um manifesto comum e debater a organização eleitoral, há duas semanas Varoufakis lançou também um partido na Grécia, alegadamente para cavalgar o momento e que se fala em eleições antecipadas.

Manifesto de revolta

“A Europa nunca foi tão rica como hoje. Ao mesmo tempo, nunca foi tão desigual”, afirmam os três partidos no documento. “A aplicação dogmática, irracional e ineficaz das políticas de austeridade não conseguiu resolver nenhum dos problemas estruturais causados por esta crise. Pelo contrário, gerou muito sofrimento desnecessário aos nossos povos”, acrescentam.

“Neste espírito de insubmissão ao actual estado de coisas, de revolta cidadã, de confiança na capacidade democrática dos nossos povos perante o extinto projecto das elites de Bruxelas, hoje em Lisboa damos um passo em frente”, lê-se a meio do texto. “Apelamos aos povos da Europa para que se unam na tarefa de construir um movimento político internacional, popular e democrático de forma a organizarmos a defesa dos nossos direitos e a soberania dos nossos povos face a uma velha ordem, injusta e que nos conduzirá ao desastre.”

“Estamos cansados de esperar. Estamos cansados de acreditar naqueles que nos governam de Berlim e de Bruxelas”, lê-se no remate da declaração, que acrescenta: “Estamos a trabalhar arduamente para construir um novo projecto de organização para a Europa. Uma organização democrática, justa e equitativa que respeita a soberania dos povos. Uma organização que responde às nossas aspirações e necessidades. Uma nova organização ao serviço das pessoas.”