Ministro da Cultura: “Nós vamos levar este concurso até ao fim”

Luís Filipe Castro Mendes e Miguel Honrado voltaram à Assembleia da República para prestar esclarecimentos sobre os concursos de apoio às artes. Na comissão de Cultura, foram confrontados com as mesmas críticas da oposição e dos partidos que sustentam a maioria parlamentar: o novo modelo não combate a precariedade nem olha à distribuição territorial.

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Luís Filipe Castro Mendes com Miguel Honrado ANDRÉ KOSTERS/ LUSA

O ministro da Cultura regressou esta terça-feira à Assembleia da República para voltar a falar do Programa de Apoio Sustentado às artes. À Comissão Parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto levou 16 páginas de gráficos para, como disse, acabar com a “desinformação” dos últimos dias, marcados por forte contestação do sector. E levou também a garantia de que os actuais concursos não voltarão atrás. 

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O ministro da Cultura regressou esta terça-feira à Assembleia da República para voltar a falar do Programa de Apoio Sustentado às artes. À Comissão Parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto levou 16 páginas de gráficos para, como disse, acabar com a “desinformação” dos últimos dias, marcados por forte contestação do sector. E levou também a garantia de que os actuais concursos não voltarão atrás. 

“Criámos um modelo que corresponde ao rigor, à justiça e à transparência”, disse Luís Filipe Castro Mendes, admitindo em seguida que “há pontos a melhorar”, como a plataforma em que são submetidas as candidaturas. “Os critérios vão ser examinados com certeza”, acrescentou, antes de reafirmar, peremptório, o respeito pelos resultados: “Nós não vamos anular concursos. Vamos levar este concurso até ao fim.”

Isto não significa, no entanto, que o modelo seja perfeito e, por isso, imune a revisões: “O modelo é evolutivo. É para repensar e reavaliar com o sector. Mas sempre foi”, disse o ministro, ladeado pelo seu secretário de Estado, Miguel Honrado.

O Programa de Apoio Sustentado às Artes 2018-2021 envolve seis áreas artísticas – circo contemporâneo e artes de rua, dança, artes visuais, cruzamentos disciplinares, música e teatro –, tendo sido admitidas a concurso, este ano, 242 das 250 candidaturas apresentadas. Os resultados provisórios começaram por dar como certa a concessão de apoio a 140 companhias e projectos, mas, entretanto, e após os acréscimos orçamentais que se seguiram à contestação do sector, que mobilizou artistas, companhias e presidentes de câmara, em reuniões plenárias e manifestações, esse número subiu para 183.

No total dos quatro anos, contando com apoios quadrienais e bienais, o programa tem agora disponíveis 81,5 milhões de euros, um aumento substancial face ao montante com que foi lançado – 64,5 milhões – e que só foi possível, insistiram esta manhã os deputados do PCP, BE e CDS-PP, porque os artistas se mobilizaram para contestar os resultados e se fizeram ouvir, de norte a sul do país.

“Em sete dias o concurso conheceu três orçamentos rectificativos”, disse a centrista Vânia Dias da Silva, falando dos reforços de verbas anunciados pela tutela e pelo próprio primeiro-ministro, António Costa, que fizeram passar, por exemplo, a verba consagrada ao presente ano dos 15 para os 19,2 milhões de euros. Ana Mesquita, do PCP, Jorge Campos, do Bloco, e João Almeida, também do CDS, acusaram o Governo de se ter limitado a agir em resposta à pressão pública e de continuar a não ter uma estratégia sólida para as artes.

“Há uma condução errática da política cultural”, uma “falta de coerência” face ao programa apresentado no Parlamento no arranque da legislatura, disse Almeida. Os dois partidos que apoiam o Governo, por seu lado, não pouparam críticas ao actual modelo, apontando a sua burocratização excessiva – “o formulário [de candidatura] é simplesmente infernal”, disse Campos – e a sua incapacidade de dar resposta às necessidades do sector.

Mesquita acusou a tutela de ter criado regras que não combatem a precariedade nem garantem uma justa distribuição territorial de verbas, e voltou a fazer coro com o BE quando classificou algumas das actas do júri que sustentam os resultados provisórios que deram origem aos protestos como “insultuosas” para com as companhias e os artistas.

Recusando-se a comentar casos concretos com o concurso ainda a decorrer, o secretário de Estado e o ministro da Cultura garantiram diversas vezes, ao longo de uma audição que durou quase três horas, que os artistas podem continuar a contar com o Governo para manter um diálogo capaz de introduzir melhorias no actual modelo. Mas sublinharam não estar dispostos a voltar à estaca zero.

“Não vamos deitar fora o bebé com a água do banho”, disse Castro Mendes, esclarecendo, mais tarde, que neste caso o “bebé” tanto pode ser o resultado dos concursos como o próprio modelo. Seria “absurdo”, acrescentou, que se deitasse para o lixo o trabalho feito na criação desta nova modalidade de apoios ouvindo os agentes do sector ao longo de dois anos. Assim como será sempre infrutífero misturar as críticas ao modelo com as reivindicações de mais verbas, algo que, na sua opinião, os deputados de vários partidos fizeram durante toda a audição parlamentar, requerida pelo PCP e pelo BE.

Modelo mais flexível

Para Miguel Honrado, não restam dúvidas de que o actual esquema de apoio às artes, apesar de não ser perfeito, é muito “mais flexível” e “adaptado às necessidades do sector” do que o anterior. “Como se pode dizer que o modelo falhou quando tem um alargamento disciplinar, um alargamento territorial?”, perguntou o secretário de Estado, para em seguida recorrer aos números do documento que a tutela fez chegar aos deputados no início da sessão de esclarecimento: dos 183 projectos contemplados, 70 foram apresentados por entidades que nunca antes tinham concorrido a apoios a dois e quatro anos (representam 38% do total), 102 viram o seu financiamento aumentar e apenas 11 tiveram um decréscimo de verbas.

“Com todos os elementos que possam ser corrigidos, [este modelo] é o corolário de um trabalho feito com o sector”, defendeu o secretário de Estado. “Não podemos pôr em causa as avaliações do júri nem este sistema. […] Não podemos encaminhar-nos para uma situação de descredibilização deste concurso.”

Para a deputada comunista Ana Mesquita, não se coloca o risco de descredibilizar um concurso que já está descredibilizado e o urgente é trabalhar para que o apoio às artes possa contar de imediato com os 25 milhões de euros que o PCP reivindica há muito; para a social-democrata Margarida Mano, o importante é que se resolvam e que ministro e secretário de Estado criem condições para que os contratos com as estruturas se assinem rapidamente, e que se explique por que razão o novo concurso prevê apoios para a área metropolitana de Lisboa e não faz o mesmo com a área metropolitana do Porto.

Honrado fez a vontade a Mano e esclareceu: “A matriz do concurso é a das chamadas regiões-plano, fixadas por lei, e nelas não existe a área metropolitana do Porto. […] A região-plano Norte integra tudo aquilo que é a área urbana do Porto.”

Os deputados quiseram saber ainda o que vai ser feito para reforçar o apoio a estruturas como a Companhia de Teatro de Almada, responsável por um dos mais importantes e históricos festivais do país – apesar de ser a mais apoiada das entidades no âmbito do Programa de Apoio Sustentado para o quadriénio 2018-2021 (quase 1,3 milhões de euros), sofreu um corte de 110 mil euros/ano que põe em risco o referido festival –, e como vai decorrer o processo no que toca às companhias “repescadas” pós anúncio dos reforços de verbas, mas ficaram sem resposta.

Entre os grupos e projectos “repescados” na sequência do último incremento de verbas de 2,2 milhões de euros anunciado pelo próprio primeiro-ministro no dia 5 de Abril estão, por exemplo, a Circolando (Porto), os Encontros de Fotografia de Coimbra, a Escola da Noite (Coimbra), o Centro Dramático de Évora (Cendrev), a Orquestra de Câmara Portuguesa (Lisboa), o Teatro Experimental de Cascais, o FITEI – Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (Porto), a Real Pelágio ou o C.E.M. – Centro em Movimento (Lisboa).

As intervenções de António Costa na semana passada, quando o Governo estava no olho do furacão devido aos resultados provisórios dos concursos para o quadriénio 2018-2021, tinham já levado o CDS e o PSD a voltarem a falar na falta de peso político de Luís Filipe Castro Mendes, um ministro totalmente dependente da Presidência do Conselho de Ministros e das Finanças.

“Apesar de o país não estar intervencionado, quem decide a Cultura é o ministro das Finanças e o senhor primeiro-ministro”, defenderam no Parlamento os sociais-democratas.

Foi precisamente António Costa que, numa carta aberta ao sector da cultura, anunciou o reforço de 2,2 milhões para que uma “eventual correcção” do actual modelo, que veio incendiar o meio artístico, seja feita com a “serenidade necessária”. 

O chefe do Governo elogiou então o trabalho feito por Castro Mendes e por Miguel Honrado e garantiu que as decisões do júri serão integralmente respeitadas, rejeitando a ideia, decorrente das palavras do ministro sobre a necessidade de “não deixar cair” certas companhias e projectos, de que há apoios “vitalícios”.

No mesmo dia em que Castro Mendes e Honrado responderam aos deputados em sede de comissão, o vereador da Cultura da câmara de Viseu, Jorge Sobrado, dava conta de que a autarquia pedira já ao Estado que corrigisse o “paradoxo” de considerar o Teatro Viriato "um projecto modelar e exemplar" ao mesmo tempo que lhe aplica um corte de 23% no seu financiamento.

Não é só o concurso que não vai parar – os protestos, ao que parece, também não.