Dor, luto e luta trazem Adriana Calcanhotto de volta ao palco
O que Adriana Calcanhotto quer dizer do mundo de hoje, di-lo em A Mulher do Pau-Brasil, que se estreia esta terça-feira em Lisboa, no Centro Cultural de Belém.
Quando Adriana Calcanhotto descobriu o modernismo e o antropofagismo brasileiros, quis mostrá-los ao mundo. Para isso, fez um espectáculo a que chamou A Mulher do Pau-Brasil, título inspirado no livro Pau Brasil, do poeta Oswald de Andrade, editado em 1925. Tinha 19 anos e estava “completamente deslumbrada com aquele mundo”. Hoje, passados muitos anos e muitos discos, e numa altura em que se encontra (até Maio) ainda a dar aulas na Universidade de Coimbra, Adriana volta à ideia de A Mulher do Pau-Brasil, mas com um foco bem diferente, centrado em três palavras: dor, luto e luta. Estreia-se esta terça-feira no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, às 21h. E a canção-título é nova, como ela conta.
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Quando Adriana Calcanhotto descobriu o modernismo e o antropofagismo brasileiros, quis mostrá-los ao mundo. Para isso, fez um espectáculo a que chamou A Mulher do Pau-Brasil, título inspirado no livro Pau Brasil, do poeta Oswald de Andrade, editado em 1925. Tinha 19 anos e estava “completamente deslumbrada com aquele mundo”. Hoje, passados muitos anos e muitos discos, e numa altura em que se encontra (até Maio) ainda a dar aulas na Universidade de Coimbra, Adriana volta à ideia de A Mulher do Pau-Brasil, mas com um foco bem diferente, centrado em três palavras: dor, luto e luta. Estreia-se esta terça-feira no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, às 21h. E a canção-título é nova, como ela conta.
“Em Coimbra, no ano passado, comecei uma canção chamada Mulher do pau-brasil, que cheguei a ensaiar mas achei que não estava pronta. Aí, neste semestre, para os alunos, eu dei um exemplo de que a gente não pode ficar satisfeito com qualquer coisa e falei nessa música.” Disse-lhes, conta ao PÚBLICO, que talvez até desistisse dela. Então uma aluna sentenciou: “Ora se nós temos de fazer uma canção para a semana que vem, você tem até ao dia 10 de Abril!” [dia do concerto]. Como se dissesse: faça. “E eu fiz”, conclui Adriana, sorrindo. O que estava a emperrar a canção era uma palavra: “Eu queria descrever a minha trajectória e estava a ser complicado. A canção era simples, eu é que estava atrapalhando tudo, estava insistindo na palavra ‘ultramar’, mas ela aqui é muito carregada. Até que substituí por ‘além-mar’ e fez-se clique: era mais sonora, melhor para o que eu queria dizer, e a partir daí a canção nasceu.”
Canções feitas em Portugal
Não há, aqui, uma continuidade em relação ao espectáculo anterior, que ela estreou na Gulbenkian em 2017: “Fiquei evitando usar o fio condutor do Das Rosas, porque é muito forte. Mas canto Mortal loucura, de Gregório de Matos, Ondas do mar de Vigo, de Martín Codax, encadeada com Onde andarás [de Caetano Veloso e Ferreira Gullar]… Porque se eu sou a mulher do pau-brasil, são as canções dos poetas que me interessam e que eu quero cantar hoje, como As caravanas [do último disco de Chico Buarque] ou Vamos comer Caetano.” Com elas virão Outra vez, de Isolda, ou Tigresa, de Caetano. “Canções que eu sempre quis cantar e nunca cantei. E estão aqui porque eu não quero fazer um show didáctico.”
Das canções mais antigas de Adriana ouvir-se-ão, por exemplo, Esquadros e Devolva-me. E Inverno vai ter, ao vivo, uma versão mais próxima da original: “Compus no violão, mas como agora temos pianista vai ser tocada ao piano, como na gravação original. E vou cantar músicas novas que eu fiz, acho que são todas portuguesas.” Como O que me cabe, composta em Lisboa em 2017, Dessa vez, ou uma melodia recém-acabada mas ainda sem título.
Luto e luta pelo Brasil
“Eu percebi que a palavra que atravessa o concerto é dor. Vou cantar o poema da Emily Dickinson, A dor tem algo de vazio, e uma canção nova que eu fiz chamada Oguntê, que é um tipo de Iemanjá, e onde eu falo da situação dos oceanos. Fiz no computador, com uma batida de programação.” Voltando à palavra inicial: “O show, de uma maneira geral, fala de dor, de luta e de luto. É o oposto do que eu tentei fazer na primeira Mulher do Pau-Brasil, quando eu tinha 19 anos e estava completamente deslumbrada com aquele mundo, querendo transmitir aquilo às pessoas.” Agora, nas canções que ela juntou, fala-se do mundo e do Brasil. “Tem o mundo, que a canção Oguntê marca; tem o luto pelo Brasil, pelo episódio da Marielle [Franco], pela situação no Brasil (13 milhões de desempregados é um Portugal desempregado!); a minha luta, quando eu era jovem, a militância que precisa continuar. Tem o meu luto pessoal e a minha luta pessoal, e o que atravessa tudo isso é a palavra dor.”
E se lhe perguntarem o que é possível fazer para ultrapassar essa dor, seja no plano pessoal ou no plano mais geral do Brasil, ela responde: “Luta. Para sair do luto, tem de lutar.”
Depois da estreia em Lisboa, A Mulher do Pau-Brasil segue para Ponta Delgada (Teatro Micaelense, dia 21) e Porto (Coliseu, dia 24). Acompanham Adriana Calcanhotto, no palco, Gabriel Muzak (guitarra, mpc e voz), e Ricardo Dias Gomes (piano, baixo e voz).