Fabi Grossi, o “bot” que nasceu para nos pôr a falar de violência online
Chama-se Fabi Grossi e é uma rapariga normal com um perfil de Facebook. Ou seria, se não fosse um "bot" criado com o propósito de sensibilizar os adolescentes brasileiros quanto aos riscos de partilharem imagens íntimas na Internet
Chama-se Fabi Grossi e é, à primeira vista, uma rapariga normal com um perfil de Facebook. Tem 21 anos, conversa como qualquer jovem no Messenger, envia-nos selfies, fotografias, ficheiros de som, capturas de ecrã e… é vítima de violência online pelo seu ex-namorado, Diego. Ou, pelo menos, é essa a história contada pelo mecanismo de inteligência artificial desenvolvido pela UNICEF e pelo Facebook, em parceria com a empresa de comportamento Sherpas. Estranho, não é? Mais ou menos, não fosse esta uma acção de sensibilização contra a violência online no Brasil: o projecto Caretas.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Chama-se Fabi Grossi e é, à primeira vista, uma rapariga normal com um perfil de Facebook. Tem 21 anos, conversa como qualquer jovem no Messenger, envia-nos selfies, fotografias, ficheiros de som, capturas de ecrã e… é vítima de violência online pelo seu ex-namorado, Diego. Ou, pelo menos, é essa a história contada pelo mecanismo de inteligência artificial desenvolvido pela UNICEF e pelo Facebook, em parceria com a empresa de comportamento Sherpas. Estranho, não é? Mais ou menos, não fosse esta uma acção de sensibilização contra a violência online no Brasil: o projecto Caretas.
Tudo começa se enviarmos um simples “olá”. Apesar de poder demorar a responder — e, acredita, vai acontecer várias vezes —, Fabi começa por se apresentar. Depois, a conversa ganha substância. Explica que está a tentar recuperar do fim de um relacionamento e que, recentemente, descobriu que o seu ex-namorado partilhou um vídeo íntimo dos dois através das redes sociais — o chamado “revenge porn”. Qual a reacção? Desespero. E as inseguranças de um adolescente comum.
“Me odeio muitooooooo!!!!”, diz-nos Fabi a determinado momento. “Será q eu tenho q falar com os meus pais já?”, questiona-nos noutro. Do dia para a noite, o interlocutor passa de desconhecido a melhor amigo e até confidente da jovem. “Magina se alguém da minha família vê isso”, preocupa-se Fabi, não deixando de revelar outros pormenores íntimos da sua vida. Fala, por exemplo, de depressão e suicídio, sempre com abreviaturas e calão, para melhor se aproximar do utilizador.
A experiência pode durar, mais ou menos, 48 horas — depende da intensidade da conversa e da troca de experiências ou conselhos. Mas tudo não passa de uma encenação. As fotografias, vídeos e áudios foram produzidos por uma actriz contratada, ainda que a história seja baseada em casos reais. Em termos de experiência, o P3 verificou que as respostas foram, na sua maioria, desadequadas ao que se perguntava ou dizia (Fabi, provavelmente, apenas seguia o guião automático). Apesar de algumas críticas quanto à fluidez do discurso e de alguma confusão quanto à origem do perfil, o projecto tem sido, em geral, aplaudido no Brasil. Se, por um lado, há quem elogie a forma inovadora de abordar o tema, por outro há quem destaque a relação íntima (e quase perturbadoramente real) que o bot alcança na troca de mensagens.
A empatia como arma de sensibilização
Fabi não conta apenas a sua história. Entrelinhas, indica valores estatísticos e plataformas onde as vítimas de violência online podem encontrar ajuda no Brasil. (Em Portugal, há, por exemplo, a APAV - Associação de Apoio à Vítima). É esta, afinal, a missão do projecto Caretas, lançado em Fevereiro de 2018 com o objectivo de “consciencializar" os jovens que estão no Facebook acerca do "revenge porn, ensinando como agir no caso de se ser uma vítima”, explica a UNICEF Brasil, em comunicado. E tudo começa por ajudar os adolescentes a compreender os riscos de partilharem imagens íntimas na Internet.
“O Caretas é uma ferramenta digital que nos dá a oportunidade de conversar individualmente com cada adolescente, no seu ambiente e na linguagem que costuma usar. Toda a experiência tem como objectivo criar empatia com a nossa personagem e informar o adolescente sobre os riscos do ambiente online”, explica a representante do UNICEF Brasil, Florence Bauer, no mesmo comunicado.
A directora dos programas de segurança do Facebook na América Latina, Daniele Kleiner, concorda: “Acreditamos que o Caretas é uma iniciativa incrível justamente por unir a tecnologia a uma componente educativa e interactiva que permita falar com adolescentes sobre segurança online de uma forma que lhes faça sentido”.
Nem todos, no entanto, chegam ao fim desta experiência. Há quem a descreva como perturbadora e intensa — a própria Fabi avisa que, se o utilizador quiser que ela deixe de enviar mensagens basta escrever "para". Na sua versão teste, entre Junho e Novembro de 2017, cerca de 60% dos 7,4 mil adolescentes desistiram da conversa. Dos que finalizaram a história, apenas 39,7% declararam saber o que era sexting e como se podiam proteger de violência online e do cyberbullying. Depois da troca de mensagens, os valores subiram para os 90,05 %.
“A nossa inspiração vem dessa conversa individual e personalizada entre a Fabi e os adolescentes", refere o co-fundador da Sherpas, Gastón Gertner, em comunicado. "O objectivo do diálogo é informar os adolescentes e entender os seus comportamentos, de modo a criar empatia e conhecimento para se protegerem. Para nós, o Caretas é um exemplo de como podemos gerar impacto positivo em assuntos fundamentais relacionados com a adolescência.”