Quatro pilares para um “país startup”
Há já muitos espaços de coworking no país, mas precisamos de verdadeiras incubadoras, que preparem para entrar no mercado, e de aceleradoras, que fomentem o crescimento exponencial.
Em 1848, descobriu-se ouro na Califórnia e começou a Corrida ao Ouro. Os que conseguiram enriquecer mais com este período não foram os mineiros nem os prospetores, mas os que lhes vendiam produtos e serviços – afinal, para tentar a sua sorte, todos precisavam de baldes, pás e comida.
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Em 1848, descobriu-se ouro na Califórnia e começou a Corrida ao Ouro. Os que conseguiram enriquecer mais com este período não foram os mineiros nem os prospetores, mas os que lhes vendiam produtos e serviços – afinal, para tentar a sua sorte, todos precisavam de baldes, pás e comida.
Um dos que mais enriqueceu com este crescimento da Califórnia foi Leland Stanford que, mais tarde, viria a fundar uma universidade num vale a sul de São Francisco, cidade com comunicação social muito ativa. Do outro lado da baía, já se encontrava uma outra universidade, mais tarde chamada de U.C., Berkeley e que viria a ser fundamental em causas sociais no país.
Mais tarde, o Departamento de Defesa estado-unidense decide abrir uma base aeronaval naquele vale. Começou então a investir na área de forma substancial, consistente e duradoura.
Desta história simplificada de Silicon Valley podem extrair-se quatro ideias-chave para um desenvolvimento sustentável e duradouro do ecossistema empreendedor português. Deve haver um debate público intenso e transparente, pessoas qualificadas, acumulação de capital para investimento e regulação simples.
Começando pelo debate público, a resposta que recebi por parte de Simon Schäfer, CEO da Startup Portugal, ao meu último artigo foi muito encorajadora. Saúdo a abertura em debater publicamente a direção que o ecossistema está a tomar. O debate público sobre novas ideias e críticas construtivas é essencial para promover boas práticas, aprender com os erros e tornar o ecossistema mais resiliente, aberto, integrado e, principalmente, compreendido pela sociedade civil.
Será assim possível chegar a conclusões sobre o que as entidades públicas devem fazer e continuar a retirar o estigma ao falhanço. Apesar de falhar não ser bom, quem falha não pode ser “condenado”. Estamos a caminhar neste sentido, mas falta ainda podermos analisar crítica e abertamente estes acontecimentos com naturalidade.
Este debate público tem também de ser baseado em factos e isso só é possível se houver informação disponível ao público. A utilização do dinheiro de todos nós deve ser o mais transparente possível. Falando das duas entidades públicas portuguesas mais ligadas ao empreendedorismo, a Portugal Ventures é um exemplo muito bom de transparência, tendo vários documentos online que tornam possível a sua avaliação pública; já a Startup Portugal, apesar do excelente trabalho que tem vindo a desenvolver, tem muito pouca informação online sobre si, a sua estratégia, os seus objetivos e, crucialmente, as suas contas. Urge corrigir esta situação.
Para o ecossistema continuar o seu crescimento, é necessário que haja recursos humanos muito qualificados. Já temos excelentes universidades que colocam no mercado pessoas muito bem preparadas tecnicamente. No entanto, é também necessário que haja no país, como já antes defendi, talento capaz de vencer no mercado, independentemente da sua nacionalidade. O programa Startup Visa deve abranger mais do que apenas fundadores e as universidades devem abrir-se ao ecossistema, de modo a que, no futuro, comecem a formar nesta área ao alto nível que sabemos poderem atingir.
São também necessários espaços para os que não têm todas as ferramentas para singrar no mercado. Há já muitos espaços de coworking no país, mas precisamos de verdadeiras incubadoras, que preparem para entrar no mercado, e de aceleradoras, que fomentem o crescimento exponencial. A aposta deve ser na sua qualidade e não no volume, para diminuir a taxa de insucesso altíssima, com o consequente desperdício de recursos que são parcos – também sob este prisma, falhar é mau. Assim, com o incentivo à qualidade das incubadoras e aceleradoras, será possível ter mais casos de sucesso – que levarão a que o volume cresça naturalmente.
Quanto mais casos de sucesso houver, também maior será a acumulação de capital, devido a melhores resultados e a maiores “exits”. Tanto entradas em bolsa, como vendas de startups a outras empresas, implicam a entrada de novos recursos na economia, que poderão ser investidos direta ou indiretamente, através de mais capital de risco, na criação de novas startups, gerando mais emprego e salários mais altos. Este é um processo lento, embora, caso seja consistente e receba incentivos à qualidade, possa ser exponencial.
Devido ao historial do país, partimos de uma base muito reduzida de capital privado. Ao contrário dos Estados Unidos, não podemos contar com, por exemplo, fundos de pensões que podem investir em empresas de capital de risco. Sem essa possibilidade ou outras alternativas de relevo de capital privado, é o erário público que pode compensar a fraca acumulação de capital.
Esta intervenção pública deve, no entanto, ser encarada como temporária, de forma a alavancar um processo de acumulação sustentável e consistente de capital privado. Este investimento público deve ser calibrado para ter retornos elevados, aumentando as disponibilidades do Estado, e, simultaneamente, levando a um maior bem-estar social, através de mais emprego e salários altos. Ambos os objetivos só são possíveis se houver transparência e um controlo apertado dos investimentos, com análises rigorosas e critérios objetivos, salvaguardando o interesse público.
Neste capítulo, a Portugal Ventures precisa de alterar os seus procedimentos internos para que sejam mais criteriosos e transparentes, para ficar acima de qualquer suspeita e de modo a começar a recolher, com maior frequência, os frutos dos seus investimentos (a favor dos cofres estatais). A Startup Portugal, continuando as suas boas iniciativas, deve reformular algumas, privilegiando o estabelecimento de contratos por objetivos (que já faz nalgumas situações) e os reembolsos a prazo, de modo a proteger o dinheiro público e a responsabilizar os empreendedores.
É também necessária uma revisão sistemática de toda a regulamentação existente, onde Portugal se começa a atrasar. As zonas francas tecnológicas tardam em avançar e ainda discutimos os testes de automóveis autónomos quando nos Estados Unidos já se autoriza a sua utilização pública. É também moroso redigir acordos para receber investimento ou envolver funcionários na estrutura acionista da empresa, levando as startups a despender muitos recursos ineficientemente. As licenças necessárias para abrir estes negócios demoram muito tempo a ser emitidas e a lei da insolvência torna penoso o final de vida de qualquer empresa.
O Estado tem a obrigação de regulamentar o ecossistema, mas tal não significa dificultar todos os processos. Não basta um Simplex administrativo, é preciso pensar a fundo todo o edifício legislativo e regulamentar.
Mais haveria a dizer, mas, através destes quatro pilares para a promoção do empreendedorismo, podemos transformar Portugal num verdadeiro “país startup”.