Estratégia Orçamental 2018-2022

Quando foi “necessário” apertar o cinto, as medidas de austeridade sucediam-se, em face de uma execução orçamental que desapontava. Agora, nada se faz quando os desvios são favoráveis.

O Governo apresenta em breve o Programa de Estabilidade (PE) 2018-2022. A imprensa refere que o Governo pretende rever o objectivo para o défice de 2018, de 1,1% para 0,7% do PIB, face à execução orçamental de 2017: um défice de 0,9% do PIB se se excluir a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos.

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O Governo apresenta em breve o Programa de Estabilidade (PE) 2018-2022. A imprensa refere que o Governo pretende rever o objectivo para o défice de 2018, de 1,1% para 0,7% do PIB, face à execução orçamental de 2017: um défice de 0,9% do PIB se se excluir a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos.

Note-se que o défice público de 2017 (e também o de 2018) é mais elevado devido às decisões tomadas sobre a banca nos últimos anos pelo Governo e Banco de Portugal. Só as injecções de capital público na CGD e no Banif, decididas pelo actual Governo, onerarão a despesa com juros e, por conseguinte, as contas públicas de 2018, em cerca de 0,1 % do PIB.

Diversos outros factos, ocorridos no decurso de 2017 e que não eram previsíveis, impediram que o défice nesse ano fosse inferior a 0,9% do PIB. Refira-se apenas dois: se, como inicialmente previsto, a devolução da garantia do BPP tivesse ocorrido em 2017 o défice teria sido inferior em cerca de duas décimas; o empréstimo público concedido ao fundo que irá reembolsar os lesados do BES deverá ter onerado o défice de 2017 em quase uma décima do PIB (inicialmente estava prevista uma garantia estatal que, ao contrário de um empréstimo, e de acordo com os procedimentos estatísticos em vigor, não seria contabilizada no défice).

Ou seja, o desvio favorável do défice de 2017 em relação às previsões iniciais de um défice de 1,6% do PIB no OE2017, e mesmo em relação às previsões de um défice de 1,5% do PIB no PE de Abril de 2017, foi enorme. E o Governo que, nas negociações para o OE2018 com os partidos à esquerda, defendia que não havia folga orçamental para ir de encontro às pretensões desses partidos, nos últimos meses, foi revendo em baixa, décima a décima, a previsão para o défice de 2017.

As previsões da Comissão Europeia foram ainda mais conservadoras do que as do Governo. Em Junho de 2017 estimavam um défice de 1,8% do PIB e um défice estrutural de 2,2% do PIB.

Relativamente ao défice de 2018, se se considerar que no OE2018 se previa uma redução de 0,4 p.p. em relação ao valor então previsto do défice de 2017 (1,4%), como o valor observado do défice em 2017 foi de 0,9% do PIB, então o défice público previsto para 2018 deveria cair para cerca de 0,5% do PIB.

Acresce ainda que, por um lado, o défice público inicialmente previsto no OE2018 (1,0% do PIB) continua estimado de forma conservadora e, por outro lado, que o crescimento económico e a despesa com juros irão, provavelmente, surpreender pela positiva. De facto, o Governo prevê uma redução da taxa de crescimento económico – de 2,7% para 2,3% – que parece pouco plausível face aos dados disponíveis. Acresce que as taxas de juro da dívida pública têm continuado a diminuir.

Contudo, por ocasião da elaboração do OE2018, não estavam contabilizadas: as despesas resultantes dos incêndios de 2017 (0,1% do PIB); parte dos créditos fiscais para a banca; e sobretudo a despesa com a garantia contingente para o Novo Banco/Lone Star (quase 800 milhões de euros, 0,4% do PIB, saem do perímetro do Estado para o Novo Banco em 2018),  despesa que irá certamente continuar a onerar as contas públicas nos próximos anos.

Mesmo assim, se se considerar a devolução das garantias do BPP que terá de ser contabilizada em 2018, afigura-se que a nova previsão para o défice público de 0,7% do PIB, recentemente anunciada, continua a ser conservadora.

Os partidos à esquerda não apoiam a redução do objectivo para o défice, de 1,1% do PIB para 0,7% do PIB, porque defendem uma trajectória de consolidação orçamental menos ambiciosa.

Contudo daí resultam dois problemas:

Por um lado, com o OE2018 aprovado na Assembleia da República e em vigor no presente, o défice já deverá ser inferior a 0,7% do PIB, ao invés dos 1,1% do PIB formalmente indicados no OE2018 (revistos em alta devido à despesa com incêndios). Ou seja, o OE2018 já não tem correspondência com a realidade.

Por outro lado, o objectivo deveria ser, evitar novo desvio favorável na execução orçamental de 2018, utilizando plenamente qualquer folga orçamental. Ou seja, seria bom que o défice não fosse inferior a 0,7% do PIB.

Parece pois justificar-se um Orçamento do Estado de 2018 rectificativo, que aumente a despesa pública de forma a que fosse de facto possível cumprir o novo objetivo para o défice de 0,7% do PIB, recentemente proposto pelo Governo.

Quando foi “necessário” apertar o cinto, as medidas de austeridade sucediam-se, em face de uma execução orçamental que desapontava. Agora, nada se faz quando os desvios são favoráveis.

A situação orçamental do país permite antecipar que, em 2018, com políticas invariantes, se poderá cumprir as duas regras fundamentais do Tratado Orçamental: o défice estrutural inferior a 0,5% do PIB e a redução do peso da dívida no PIB em 1/20 avos. Somente não se deverá cumprir uma regra complementar que é definida cada três anos pela Comissão Europeia e varia de país para país, o designado “Objectivo de Médio Prazo (OMP)” que, no caso de Portugal, corresponde a um saldo estrutural de +0,25% do PIB e que de qualquer forma só seria em teoria necessário cumprir em 2021. Mas, é provável que o país venha a cumprir o OMP em 2020, ou mesmo já em 2019.

Afigura-se pertinente a questão: depois de cumprir todas estas regras o que mais se exigirá?

É importante não esquecer que a actual estratégia orçamental, baseada num apertar de cinto, que já dura há décadas, tem enormes custos para o desenvolvimento do País e é, por isso, insustentável. Com efeito, é prejudicial ao país um ritmo de consolidação orçamental demasiado rápido, com saldos primários demasiado elevados, como se defende num livro que irá ser apresentado amanhã, terça-feira, no ISEG em Lisboa[1].

 

P.S. – Um leitor do artigo da semana passada “O Governador” notou que o valor da injecção de capitais públicos no Novo Banco em Agosto de 2014 foi de 4,9 mil milhões de euros, e não 4,3 mil milhões de euros como incorrectamente por mim referido. De facto, o empréstimo da banca ao Fundo de Resolução não diminui o montante da injecção de capitais públicos no Novo Banco.

 


[1] Paulo Trigo Pereira, Ricardo Cabral, Luís Morais e Joana Vicente (2018) Uma estratégia orçamental sustentável para Portugal. Coimbra: Almedina.