Novo julgamento de Bill Cosby começa esta segunda-feira e o movimento #MeToo poderá ter uma palavra a dizer

Uma opinião pública mais consciente do problema do assédio e mesmo da violação na indústria do entretenimento, seja no cinema seja na televisão, pode vir a prejudicar a defesa do popular comediante americano.

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A revista Variety resume assim o contexto do novo julgamento do comediante norte-americano Bill Cosby – há outro júri, outra equipa de advogados de defesa e outra atitude generalizada perante os homens ricos e famosos acusados de abuso sexual, graças aos movimentos #MeToo e Time’s Up.

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A revista Variety resume assim o contexto do novo julgamento do comediante norte-americano Bill Cosby – há outro júri, outra equipa de advogados de defesa e outra atitude generalizada perante os homens ricos e famosos acusados de abuso sexual, graças aos movimentos #MeToo e Time’s Up.

Cosby, 80 anos, até agora a única grande figura do entretenimento americano a sentar-se no banco dos réus neste clima de intensa consciencialização social para o problema do assédio na indústria do cinema e da televisão desencadeado pelo caso Weinstein, é acusado de três agressões sexuais agravadas e já se declarou inocente.

O julgamento que começa esta segunda-feira nos arredores de Filadélfia foi marcado depois de o primeiro, em Junho, ter terminado anulado porque o júri não chegou a um veredicto unânime, após seis dias de depoimentos e 52 horas de deliberações.

Cosby, que derrubou barreiras raciais na televisão americana e é por isso considerado um pioneiro no ramo do entretenimento, tendo recebido inúmeros prémios, está a responder por crimes que alegadamente cometeu há 14 anos. Andrea Constand, uma antiga funcionária da Universidade Temple que é agora massagista e vive no Canadá, acusa o actor de a ter drogado com comprimidos e de, em seguida, a ter violado. Cosby, por seu lado, garante que o sexo entre ambos foi consentido.

A antiga colaboradora da equipa feminina de basquetebol de Temple é uma das cerca de 50 mulheres que vieram a público acusar Cosby, que, asseguram, terá recorrido ao mesmo método para agredir sexualmente as suas vítimas durante 40 anos. A acusação de Constand, no entanto, foi a única que deu origem a um processo criminal, até porque muitos dos crimes que este comediante foi acusado de cometer já prescreveram (na Pensilvânia, estado em que decorre o julgamento, 12 anos é, neste tipo de crime, o limite).

Cosby, que durante muito tempo exibiu orgulhosamente o “título” de “pai da América” graças ao seu papel na série The Cosby Show (transmitida entre 1984 e 1992), viu a sua reputação seriamente afectada quando as primeiras acusações chegaram aos jornais e às televisões, em 2014.

No novo julgamento, o actor conta com outros advogados. A liderar a equipa jurídica que vai representá-lo está Thomas Meserau, que defendeu Michael Jackson de acusações de abuso de menores em 2005, lembra ainda a revista Variety.

A defesa deverá tentar provar, como no primeiro julgamento, que à queixosa falta credibilidade e que a única motivação de Constand para fazer esta falsa acusação é a possibilidade de vir a receber uma grande indemnização do actor. Meserau e a sua equipa vão insistir que o sexo entre ambos não foi outra coisa que não consensual.

Se for considerado culpado de drogar e violar Andrea Constand em 2004, Cosby poderá ser preso por dez anos, no mínimo.

Na primeira vez que Cosby respondeu em tribunal neste processo, o juiz permitiu que apenas uma das dezenas de outras mulheres que acusam o comediante de abuso sexual testemunhasse. Desta vez serão cinco a falar. Entre elas estará, segundo o diário The New York Times, a antiga supermodelo Janice Dickinson, que diz que Cosby a violou num quarto de hotel em 1982.

Bill Cosby, durante anos visto como um dos maiores entertainers da América – a isso deve, uma vez mais, o facto de ter interpretado o papel de Cliff Huxtable, um ginecologista e carinhoso pai de família na popular série televisiva com o seu nome –, tem sido apresentado pela acusação como um predador sexual que escapou impune durante décadas, graças à sua posição na indústria e ao seu dinheiro.

É impossível de prever, escrevem os jornais americanos, de que forma afectarão o novo julgamento os movimentos #MeToo e Time’s Up, que têm levado a inúmeras denúncias de abuso sexual em que os agressores são sobretudo homens poderosos dos estúdios e das televisões, e entretanto já alargadas às áreas das artes plásticas, da dança ou da música erudita. Certo é que, qualquer que seja o desfecho, ele vai ser lido à luz deste clima de acusação que já desencadeou uma série de reivindicações das mulheres e que está a dar origem, espera-se, a uma mudança cultural.