A guerra santa de Orbán contra Soros e a “imigração ilegal” vai a votos
O multimilionário húngaro tornou-se no inimigo número um do Governo húngaro por causa da crise dos refugiados. A retórica anti-imigração deverá garantir nova vitória do Fidesz nas eleições deste domingo.
É comum que durante as campanhas eleitorais, os partidos apresentem cartazes em que se mostram as caras dos candidatos. Mas na Hungria é outra a face que nos últimos meses mais tem aparecido na campanha, em outdoors, cartazes ou paragens de autocarro. Trata-se do multimilionário de origem húngara George Soros que se tornou no inimigo público número um do Fidesz, o partido anti-imigração que está no poder desde 2010 – e que pretende revalidar a sua posição nas eleições legislativas deste domingo.
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É comum que durante as campanhas eleitorais, os partidos apresentem cartazes em que se mostram as caras dos candidatos. Mas na Hungria é outra a face que nos últimos meses mais tem aparecido na campanha, em outdoors, cartazes ou paragens de autocarro. Trata-se do multimilionário de origem húngara George Soros que se tornou no inimigo público número um do Fidesz, o partido anti-imigração que está no poder desde 2010 – e que pretende revalidar a sua posição nas eleições legislativas deste domingo.
Há fortes possibilidades de que a coligação governamental entre o Fidesz e o Partido Democrata Cristão consiga renovar a larga maioria que detém na Assembleia Nacional – que entre 2010 e 2015 permitiu viabilizar várias alterações constitucionais que põem em causa princípios democráticos como a liberdade de expressão ou a separação de poderes.
Com o agudizar da crise humanitária dos refugiados na Europa, Soros tornou-se no símbolo de tudo aquilo que o Fidesz e o seu Governo rejeitam. Durante décadas, as suas fundações Open Society financiaram centenas de projectos e organizações não-governamentais em vários países para promover valores associados à democracia e aos direitos humanos. O seu raio de acção concentra-se sobretudo nos Estados que faziam parte da “cortina de ferro”, como a sua Hungria natal, onde fundou a Universidade Central Europeia, que enfrenta o sério risco de encerrar. O próprio líder do Fidesz e primeiro-ministro Viktor Orbán estudou na Universidade de Oxford no final dos anos 1980 ao abrigo de uma bolsa financiada por Soros, numa época em que era um activista contra o regime pró-soviético de Budapeste.
Mas desde que o investidor criticou a política altamente restritiva do Governo húngaro em relação aos refugiados durante o pico da crise em 2015, Soros passou a ser um alvo a abater. Nesse Verão, o Governo de Orbán proibiu a passagem de milhares de requerentes de asilo que pretendiam chegar à Alemanha e deu ordem para que se construísse uma vedação ao longo da fronteira com a Sérvia e a Croácia.
Orbán insiste que os milhares de pessoas que fogem de conflitos na Síria, Iraque, Afeganistão ou Eritreia, não são refugiados, mas sim “invasores muçulmanos”. No ano passado, o Governo organizou uma consulta popular para questionar os húngaros sobre o acolhimento de migrantes. A esmagadora maioria dos inquiridos mostrou-se contra a entrada de refugiados no país, mas o referendo teve uma participação abaixo dos 45%, acabando por ser invalidado. Porém, isso não tem impedido Orbán de declarar que os húngaros não querem imigrantes no país.
Para o líder nacionalista, o multimilionário passou a representar uma ameaça à própria soberania da Hungria e o seu afastamento tornou-se num desígnio nacional com reminiscências quase épicas. “Mandámos para casa o sultão e o seu exército, o imperador Habsburgo e os seus ataques, e os soviéticos e os seus camaradas. Agora vamos mandar embora o tio George”, declarou Orbán durante um discurso inflamado a 15 de Março, o dia nacional da Hungria, em Budapeste perante uma multidão de cem mil pessoas.
A política da conspiração
Há décadas que circulam teorias da conspiração envolvendo Soros e vários planos para interferir com Governos um pouco por todo o mundo. Na base de muitas das teorias está o episódio conhecido como “Quarta-Feira Negra”, quando em 1992 o Governo britânico teve de retirar a libra do Mecanismo das Taxas de Câmbio do sistema monetário europeu, depois de uma forte aposta contra a moeda britânica encabeçada por Soros. Recentemente, o Daily Telegraph publicou uma manchete com o título “Homem que faliu o Banco de Inglaterra está a apoiar plano secreto para derrubar o Brexit”.
Com o Fidesz, porém, estas teorias passaram a ter um significado político. Nos últimos meses, o Governo acelerou a sua campanha anti-Soros. Em várias cidades passaram a ser vistos cartazes com a cara do filantropo e o slogan “Não iremos deixar que George Soros seja o último a rir”. O sistema de distribuição de refugiados pelos Estados-membros da União Europeia passou a ser designado frequentemente como o “plano Soros”, com o objectivo de “islamizar” a Europa e a Hungria.
Em termos práticos, a perseguição a Soros e à sua rede de filantropia é feita através de uma lei aprovada no início do ano que obriga ao registo de todas as organizações não-governamentais com financiamento estrangeiro e que tenham como objectivo “apoiar a imigração ilegal”, dificultando o seu funcionamento. O diploma foi baptizado como “Parar Soros”.
O ódio que o Governo de Orbán tem movido contra o investidor, que tem raízes judaicas, é também reminiscente do sentimento anti-semita que é tradicionalmente forte na Hungria, mas que muitos consideravam adormecido. Nas imagens de Soros espalhadas por Budapeste foram encontrados graffiti com frases de teor racista, levando o líder da comunidade judaica húngara a pedir a retirada dos cartazes.
Nos quase dez anos que leva no poder, o Fidesz deixou uma marca profunda na política e na sociedade húngara. Investido de uma super-maioria de dois terços de lugares no Parlamento, o Governo apresentou várias mudanças constitucionais com o objectivo de permitirem a sua manutenção no poder – os círculos eleitorais foram redesenhados para benefício do Fidesz – e esmagar as vozes dissonantes. Os órgãos de comunicação públicos são hoje pouco mais do que caixas-de-ressonância do Executivo e os privados passaram para as mãos de empresários próximos do Fidesz.
Muito do sucesso do Fidesz está relacionado com a melhoria dos indicadores económicos e com os benefícios concedidos às famílias. No ano passado, a economia cresceu 4%, alavancada por um boom no sector da construção, mas também pelos apoios europeus – entre 2008 e 2015, a Hungria era o terceiro Estado-membro que recebia mais fundos europeus. Se o Fidesz voltar a vencer, nada disto impedirá, contudo, Orbán de continuar a sua cruzada contra Bruxelas, contra Soros e contra os refugiados.
Notícia actualizada às 13h54: Corrigiu-se informação relativa à "Quarta-feira negra" no sétimo parágrafo.