Por detrás de Lula espreita Bolsonaro
No caso de Lula não há lugar a “santificações”, ao contrário do que sucedeu com Tancredo. Mas Bolsonaro dispensa “santificações”. Bastam-lhe as armas e a distracção do Brasil.
Ainda perdura na memória do Brasil um dos episódios mais tocantes da sua história recente: milhões de brasileiros, com velas acesas ou apenas em silêncio, a zelar pela saúde de Tancredo Neves, eleito presidente em Janeiro de 1985 (por voto indirecto) nos alvores da democracia. Mas Tancredo, que adoecera gravemente na véspera de tomar posse, acabou por morrer sem nunca ocupar o cargo. Foi a primeira tragédia depois da esperança, num país que acabava de sair de uma terrível ditadura militar.
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Ainda perdura na memória do Brasil um dos episódios mais tocantes da sua história recente: milhões de brasileiros, com velas acesas ou apenas em silêncio, a zelar pela saúde de Tancredo Neves, eleito presidente em Janeiro de 1985 (por voto indirecto) nos alvores da democracia. Mas Tancredo, que adoecera gravemente na véspera de tomar posse, acabou por morrer sem nunca ocupar o cargo. Foi a primeira tragédia depois da esperança, num país que acabava de sair de uma terrível ditadura militar.
Não por acaso, a palavra tragédia volta agora a ser usada para definir a actual situação brasileira. Só hoje, neste jornal, dois textos de opinião coincidem nesse mesmo termo. Vicente Jorge Silva escreve: “Lula tornou-se o símbolo maior dessa enorme tragédia em que se converteu a terra prometida” brasileira; e Teresa de Sousa sublinha a gravidade da “tragédia de Lula, que é a tragédia do Brasil.” Esta tragédia, porém, vai muito para lá da figura de Lula. E se este, condenado num processo cujos contornos ainda vivamente se discutem, aceitou cumprir pena de prisão (aproveitando o momento para alimentar, com frases de tom profético, um culto da personalidade que poderá ser prejudicial ao seu próprio partido), o mais relevante são os contornos de tudo isto: a grave radicalização social e política; a descredibilização dos partidos por via da corrupção e do compadrio; a judicialização da política por via de uma indesejável politização da justiça; e o perigoso assomo dos militares a um terreiro que já foi seu no passado, com enormes custos para os brasileiros e para o país.
Em democracia, Exército e Justiça são pilares essenciais à manutenção de um Estado de Direito, mas em tempo de descrédito das instituições políticas podem inspirar ditaduras. As declarações de militares, “avisando” os tribunais de que não pactuariam com “impunidades” no caso de Lula, é uma intolerável forma de pressão sobre o sistema judicial e um indício do que pode vir aí. Por isso, transformar Lula no centro das atenções (o PT já veio dizer que o centro do Brasil será em Curitiba, enquanto ele estiver preso) só desviará a atenção do resto. E no resto está Jair Bolsonaro, antigo capitão, saudoso confesso da ditadura militar, que como pré-candidato à Presidência surge em segundo lugar nas preferências dos brasileiros (depois de Lula, agora preso).
Ao contrário do que sucedeu com Tancredo, no caso de Lula não há lugar a “santificações.” Mas Bolsonaro dispensa-as. Bastam-lhe as armas e a distracção do Brasil.