"Sem a rádio, parece que estamos num velório”
Há uma semana que uma tempestade calou a Rádio Valdevez, que procura apoios para instalar um novo emissor.
Com a transmissão da Rádio Valdevez interrompida há uma semana, após a destruição do respectivo emissor durante uma trovoada, os ouvintes sentem a falta de uma companhia que, em alguns casos, se estendia por todo o dia. Sem prazo definido para retomar a emissão, a rádio já disponibilizou uma conta solidária e espera o apoio das comunidades emigrantes, de que é próxima, para recuperar o que se perdeu.
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Com a transmissão da Rádio Valdevez interrompida há uma semana, após a destruição do respectivo emissor durante uma trovoada, os ouvintes sentem a falta de uma companhia que, em alguns casos, se estendia por todo o dia. Sem prazo definido para retomar a emissão, a rádio já disponibilizou uma conta solidária e espera o apoio das comunidades emigrantes, de que é próxima, para recuperar o que se perdeu.
Dia após dia, a emissão da Rádio Valdevez propagava-se pela casa de Olinda Gonçalves, desde as 07h30 até à noite, com os acordes dos grupos de rancho folclórico e dos artistas populares - “aquelas músicas alegres”, diz - ou com as palavras dos locutores a marcarem a paisagem sonora do seu quotidiano. Com excepção das ocasiões em que ia à horta, os oito rádios portáteis que guarda entre paredes, permanentemente sintonizados em 96.4 ou 100.8 FM, asseguravam a companhia da rádio de sempre a qualquer hora, em qualquer divisão da sua residência, em Aguiã, cinco quilómetros a norte da vila dos Arcos de Valdevez.
Essa rotina esvaziou-se na sexta-feira 30 de março, quando se preparava para fazer o almoço. “Dava só um ruído de fundo. Tenho os rádios todos sintonizados. E, em todos eles, era o mesmo rrrrrrrr”, recorda ao PÚBLICO. A resposta para a quebra da emissão surgiu na tarde da passada terça-feira, através da página de Facebook da Rádio Valdevez: o centro emissor, instalado num alto da freguesia de Padroso fora destruído pela trovoada que se abatera sobre a zona.
“Penso que o raio ainda entrou na antena, e, depois, por baixo, pela porta. Um ou mais. Tudo o que estava lá de eléctrico queimou. A porta, em ferro, estava completamente rebentada, e a parede da estrutura dividida a meio”, descreve o presidente da associação Rádio Valdevez, Alberto Silva. A ausência, diz o também locutor da emissora fundada em 1987, cuja emissão se estende do Alto Minho ao Sul da Galiza, sente-se mais nas pessoas mais idosas, “mais habituadas a ouvir especialmente a manhã”, que ainda vivem um bocadinho do passado, da agricultura” nas povoações instaladas sobre o manto verde do Alto Minho.
Ouvinte desde o tempo em que morava em Lisboa, antes de se mudar definitivamente para os Arcos há cerca de sete anos, Olinda, de 58 anos, nota um ambiente mais pesado, quase de luto, junto de quem a rodeia, desde que deixou de escutar a música portuguesa transmitida pela manhã e os discos pedidos do início da noite, onde aproveitava, à semelhança de outros ouvintes para enviar cumprimentos para os familiares residentes em França, na Suíça e nos Estados Unidos. “A rádio é uma companhia, porque a gente não se sente sozinha. Sem a rádio, parece que estamos numa solidão, num velório. Anda tudo cabisbaixo. Ninguém fala, ninguém diz nada”, retrata.
O mesmo sentimento de falta invade o lar de Maria Dantas, na freguesia de Paçô, a três quilómetros do centro histórico dos Arcos, mas para Sul. A ouvinte, de 62 anos, sintoniza a Valdevez desde os seus primórdios, ainda como rádio pirata, e também olha para a rádio como uma companhia que se estendia de manhã à noite e a abandonou por tempo indeterminado. A televisão, diz, não é substituta à altura. “A gente vê um bocado de televisão, mas está habituada à rádio. A ouvir rádio, a gente pode fazer muitas coisas. A ver televisão, tem de estar ali parada”, explica.
Lá fora, os emigrantes tentam retribuir
Os prejuízos totais associados à destruição do emissor ascendem a cerca de 25 mil euros, revelou Alberto Silva. Apesar de não saber ainda quando a emissão em frequência modulada poderá ser retomada, o responsável admitiu já estarem em curso iniciativas de apoio à reconstrução, nomeadamente uma conta solidária divulgada através do Facebook oficial da Rádio Valdevez.
Da parte da Câmara, refere ainda Alberto Silva, o apoio é principalmente logístico, para facilitar a deslocação ao alto do Padroso, um “lugar de difícil acesso”. O autarca João Esteves disse ao PÚBLICO que, face às “restrições legais na ajuda aos órgãos de comunicação social”, a acção da Câmara vai cingir-se à logística e à “sensibilização da comunidade” para a importância da rádio, enquanto “elo de identidade local e “promotora das empresas e dos produtos locais”.
Uma parte significativa do apoio pode, contudo, provir das comunidades arcuenses que residem no estrangeiro. Perante um número de emigrantes que, segundo o presidente da Câmara, pode ultrapassar a população do concelho – 22.847 habitantes (Censos 2011) – e se reparte por França, Suíça, Luxemburgo, Canadá, Estados Unidos, Venezuela e no Brasil, a Rádio Valdevez desloca-se sete ou oito vezes por ano ao exterior para estar junto desses ouvintes, disse Alberto Silva. “Transmitimos em directo as festas das comunidades, eventos de folclore, festas de variedades. Os emigrantes ouvem as suas mensagens serem transmitidas para a sua terra e ficam logo contentes”, explica.
O responsável adiantou que o Clássico Arcos de Bordéus, associação presidida pelo arcuense Alexandre Dias, já se prontificou a realizar, em Junho, uma festa de angariação de fundos. Para conseguir mais ajudas, a Rádio Valdevez está ainda a tentar “estabelecer contacto com outras associações de emigrantes espalhadas por vários pontos do planeta”, disse.
Um dos ouvintes fiéis fora de Portugal é Carlos Antunes, emigrante na Suíça desde 1987. Apesar de continuar a ouvir a rádio que o acompanha há cerca de 20 anos, pela Internet, o arcuense, de 54 anos, que reside em Moudon, uma povoação com pouco mais de 6.000 habitantes - 120 com origem no concelho do Alto Minho – diz ao PÚBLICO que vai contribuir para a reconstrução do emissor, até porque costuma acolher a Rádio Valdevez duas a três vezes por ano em terras suíças.
De volta aos Arcos, Olinda Gonçalves compromete-se a doar todo o material de construção necessário para resolver o problema – “areia, cimento, tijolos” – e espera que haja mais ajudas à Rádio Valdevez: “Nós, ouvintes, somos uma família. Pedia a todos que ajudassem para terem a rádio de volta o mais rapidamente possível. O pouquinho, no final, é muito”.